É claro como o algodão: “Não praticar surf”. Eis a mensagem que desde segunda-feira se lê em estacas colocadas em duas praias do distrito de Aveiro — a da Barra e da Costa Nova. Elas passaram a dar sinal de que, em zonas reservadas a banhistas, os surfistas não podiam entrar no mar para apanhar ondas. O presidente da Associação de Surf de Aveiro (ASA) contou ao Observador que houve uma reunião com a Capitania na qual foram informados de que, “no ano passado, existiram várias queixas de banhistas” em relação aos surfistas na praia, em zonas concessionadas. É por isso que Pedro Velhinho diz que “o capitão só está a cumprir a lei”.

Mas Pedro Velhinho não deixa de criticar esta opção. Porque “as zonas não concessionadas são poucas e as áreas que ficam abertas ao surf não são boas para as aulas e para os miúdos que estão a aprender”. São áreas curtas, de apenas 200 metros, e junto aos paredões, o que as torna mais perigosas. O presidente da ASA afirma que não tem conhecimento de qualquer acidente que tenha envolvido surfistas e banhistas. Ressalva que a associação tem até um programa, em parceria com o Instituto de Socorros a Náufragos, intitulado “O surf salva”, que remete para o papel que os surfistas podem ter para o socorro a náufragos. “Ajudamos muitos banhistas, e ajudamos muito fora das horas da concessão, quando as praias não estão vigiadas”, sublinha.

A Associação esteve reunida esta terça-feira numa assembleia e vai publicar um comunicado sobre esta matéria. Contactado pelo Observador, o presidente da Junta de Freguesia da Gafanha da Nazaré, onde se situa a Praia da Barra, afirmou apenas que “a junta nada tem a ver com esta matéria e limitou-se, perante o sucedido, a pedir informações à Capitania do Porto de Aveiro”. Até ao momento não foi possível obter qualquer resposta da Capitania do Porto de Aveiro.

O plano que estava esquecido

Segundo apurou o Observador, no ano passado chegaram à capitania várias denúncias e reclamações de cidadãos, nomeadamente de veraneantes que passam férias naquela zona, e que, alicerçados na lei, exigiram que a mesma fosse cumprida. Mas que lei? Uma que já existe desde outubro de 2000, mas que, até agora, não foi aplicada. Nem é tanto uma lei, é um Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) de Ovar-Marinha Grande que, há 15 anos, foi aprovado em Conselho de Ministros — é um de nove que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) criou para Portugal Continental.

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Esse plano, que se aplica a cerca de 140 quilómetros de costa, tem um artigo, o 13.º, que define quais são as atividades interditas nas “praias marítimas”. São muitas, às dezenas, e quando se chega à alínea q) desse artigo lê-se que a “prática de surf e windsurf em áreas reservadas a banhistas” é uma delas. E há mais, porque a alínea r) dita que esta proibição se estenda a “outras atividades que constem do edital de praia aprovado pela entidade marítima”. Fomos à procura desse edital e encontrámo-lo no site da Capitania do Porto de Aveiro — entidade que, “devido às características dos meios utilizados na atividade”, também interditou o kitesurf  em “zonas de banhos”. Está tudo bem explícito no Capítulo VII – Atividades de caráter desportivo e cultural. O edital é de 24 de Abril de 2015 e é assinado pelo Capitão do Porto de Aveiro, Luciano Oliveira.


(Imagens dos planos de ambos as praias, retirados do POOC de Ovar-Marinha Grande. As zonas reservadas a banhistas estão assinaladas a azul.)

E o problema, para os praticantes de surf, windsurf ou kitesurf, é que estas zonas reservadas aos banhistas ocupam grande parte da Praia da Barra e da Praia da Costa Nova, ambas no distrito de Aveiro, onde, a partir de segunda-feira, a Polícia Marítima aplicou estas proibições. Porquê? Fonte próxima do processo disse ao Observador que terá sido a APA a indicar à Capitania do Porto de Aveiro que aplicasse o que está previsto no POOC, que estava praticamente na gaveta desde 2000. Contactado pelo Observador, o Ministério do Ambiente absteve-se de fazer declarações.

E agora, há volta a dar?

A lei é clara, mas Francisco Rodrigues soube da proibição ao surf nas praias da Barra e da Costa Nova com “absoluta surpresa”. O presidente da Associação Nacional de Surfistas (ANS) diz que os visados não são apenas o surf ou os desportos de ondas, mas até “as raquetes de praia que se jogam com a namorada”. Vê neste plano “uma medida que vai no sentido oposto do que é a economia de mar” e do papel que o surf  “tem tido ao longo dos últimos anos”. Francisco Rodrigues até volta a tocar no ponto que Pedro Velhinho, da Associação de Surf de Aveiro, tocara, lembrando que “o ISN já registou salvamentos feitos por surfistas, fora os outros casos que nem sequer devem estar registados”.

Francisco Rodrigues, que na noite de terça-feira ainda esperava por respostas da parte do Ministério do Ambiente, acredita que é possível chegar-se a “um compromisso entre os utilizadores da praia” no qual “a segurança seja o pilar central” e que “tudo se resolva com base no bom senso”. O presidente da ANS, que está a trabalhar com a Federação Portuguesa de Surf neste processo, defende a criação de “zonas localizadas para banhistas”, como corredores de menor dimensão — “porque, muitas vezes, as zonas boas para tomar banho não são as zonas boas para fazer surf”, argumenta. E diz que este trabalho “não se faz dentro do gabinete”, mas na praia, “no local e no dia-a-dia”.

Para já, a proibição mantém-se e, segundo Pedro Velhinho, a multa para quem for apanhado a infringir a lei é de 400 euros.