Num país com uma população cada vez mais envelhecida a falta de uma resposta adequada aos idosos é um problema grave que precisa de ser resolvido, alerta o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) que, no Relatório de Primavera deste ano, dedica um capítulo a esta temática dos cuidados continuados, além de analisar uma série de outras componentes do “acesso do cidadão aos cuidados de saúde”.
Ao todo, segundo o último Census e outros estudos, estima-se que existam em Portugal 110.355 pessoas dependentes no autocuidado no domicílio e, dessas, cerca de 48.500 estarão mesmo acamadas, lê-se no relatório do OPSS, que será apresentado esta terça-feira e a que o Observador teve acesso. Ou seja, são pessoas, maioritariamente mais velhas, que não conseguem desempenhar sozinhas tarefas básicas como vestir, tomar banho, comer, sair ou até mesmo posicionar-se na cama.
E para dar resposta a esta população, havia, no primeiro semestre de 2014, 860 vagas nas unidades de convalescença, 1.895 vagas nas unidades de média duração e reabilitação, 3.692 vagas nas unidades de longa duração e manutenção, 195 vagas nas unidades de cuidados paliativos e 6.982 vagas nas 272 ECCI em funcionamento na altura, um total de 13.624 vagas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI).
Posto em perspetiva, isto significa que “as vagas da rede representarão menos de 30% das necessidades atuais e ainda menos das expectáveis necessidades futuras relacionadas com o envelhecimento populacional em Portugal”, escrevem os investigadores, que criticam ainda as desigualdades regionais.
Esta é uma situação que o coordenador deste relatório, Manuel José Lopes, designou ao Observador “de emergência social”, na medida em que estas pessoas “estão em casa sem apoio dos serviços de saúde, apesar das equipas de cuidados continuados estarem subocupadas.” A taxa de ocupação destas Equipas de Cuidados Continuados Integrados ao domicílio, em 2014, era de 66%. “São as que têm crescido menos, as que menos recebem referenciação e as que estão subocupadas em todo o país, apesar de serem mais acessíveis”, lê-se no estudo, que denuncia ainda os “avanços demasiado lentos” da implementação da rede de cuidados continuados de saúde mental.
Menos enfermeiros, menos camas e menos consultas nos centros de saúde
No relatório deste ano, “o primeiro com a troika fora de Portugal”, o OPSS elegeu como tema central “o acesso do cidadão aos cuidados de saúde”, em várias componentes, que vão além dos cuidados continuados, já referidos acima. A organização, que se reafirma neste estudo como “independente”, começa por dizer que esta é uma análise “necessariamente incompleta” e reclama que lhes seja dado o acesso às bases de dados dos diferentes organismos do Ministério da Saúde “para análises mais úteis”.
Aliás, essa falta de dados impediu, por exemplo, de “compreender em profundidade as razões da redução da procura” nas urgências hospitalares. Até porque “não se encontram devidamente documentados os efeitos negativos [do aumento das taxas moderadoras] na procura dos cuidados de saúde”. Mas a verdade é que neste último ano reduziram as consultas nos cuidados de saúde primários (centros de saúde) e aumentaram nos hospitais. “Isto num país em que as pessoas têm dificuldades económicas manifestas e em que o transporte de doentes sofreu profundas alterações, dificultando-o”, acrescentou ao Observador Manuel José Lopes.
Reduziu-se ainda o número de camas dos serviços públicos, assim como os internamentos, o número de idas às urgências e o número de enfermeiros. Em 2012, Portugal tinha 5,8 enfermeiros por 1.000 habitantes, contra 8,0 por 1.000 na União Europeia. No Serviço Nacional de Saúde (SNS), em 2013, o rácio era de 3,7 por 1.000 habitantes. Já em relação aos médicos, estes investigadores reiteram o que todos dizem: que não há falta de médicos, estão é mal distribuídos.
Em relação ao medicamento, e ao contrário daquela que tem sido a conclusão feita com base nos indicadores do Infarmed, os investigadores afirmam que “no primeiro ano sem intervenção da troika torna-se evidente uma maior dificuldade no acesso por parte do cidadão, em pequena escala pela diminuição do poder de compra”, mas também por outras dificuldades que resultaram “numa menor acessibilidade ao medicamento”, por causa das falhas nas farmácias.
Além da avaliação, as recomendações. E são várias, neste relatório. Desde a revisão do modelo de contratação e gestão dos recursos humanos nos serviços de urgências, à atenção especial à viabilidade económica das farmácias.
“É urgente tomar medidas corretivas, a priori, relativas aos recursos humanos (médicos) e materiais (camas) que desbloqueiem os serviços de urgência nos períodos críticos. Não pode continuar a ser o rigor do Inverno ou do Verão a ditar a atuação política, nesta matéria”, escrevem os investigadores.
Os coordenadores deste estudo terminam o ensaio dizendo que os portugueses ainda “têm acesso aos cuidados de saúde estatais, apesar de esse direito estar ameaçado se não forem acionadas medidas que corrijam muitas das debilidades encontradas, na análise realizada.”