A noite já era idosa e, se do lado de cá ainda era quinta, do outro, lá longe em Baku, já se estava na sexta-feira. Por isso, mesmo com uma voz contente e feliz da vida, nota-se que está cansada. Por julgarmos que a fadiga seja de falar, de responder e dizer que sim a entrevistas, prometemos ser rápidos. Mas não, ri-se Telma Monteiro: “Estou é muito cansada de combater. Hoje não parei.” Não senhora, respondemos, quando lhe damos os parabéns e dizemos que parou, sim, quando conquistou a medalha de ouro no judo. A mesma com que ganhou o direito a ouvir o hino nacional em Baku, no Azerbaijão. E a mesma que a fez chorar.
A judoca desfez-se em lágrimas assim que, de medalha ao pescoço, subiu ao pódio e entrou “no momento em que se pensa sempre no que foi preciso fazer para chegar ali”. A cabeça de Telma foi invadida por muitas coisas, umas boas, outras más: os treinos, as vitórias, os combates, as derrotas e, “sem dúvida”, a lesão que, em março, a manteve quieta durante quase um mês, após ser operada ao nervo cubital do antebraço. “É uma altura de grande emoção e orgulho, teres oportunidade de ouvir o hino e ter o ouro. Só quando estamos ali é que pensamos em tudo o que nos custou para lá chegarmos”, explica, com um discurso à mesma velocidade do pensamento, frenético.
É por isso que Telma chorou. Pelo muito de difícil que teve de fazer para os seus combates “parecerem fáceis a quem vê na televisão”. Nunca o são, garante. Mas parece, insiste, devido “às centenas, ou milhares de horas de treino” que conta para que “tudo aquilo possa acontecer” — chegar à final da categoria -57 quilos dos Jogos Europeus e atirar as costas da húngara Hedvig Karakas ao tapete. Ou seja, ganhou por ippon, a melhor maneira de ganhar no judo. “Durante a competição aguentamos tudo: as emoções, o cansaço, as sensações. E só quando estamos ali, com a medalha, é que pensamos nisso. Por isso é que chorei!”, resume.
O orgulho também ajudou. Telma Monteiro sentiu-o, e muito, por ganhar “na primeira edição” destes jogos, por ser “a primeira medalha” e por se tornar pentacampeã — antes, a judoca, de 29 anos, já vencera quatro vezes o ouro em Campeonatos da Europa. Ganhar, a portuguesa está habituada a fazê-lo, mesmo: além das quatro medalhas douradas, Telma já conquistou uma de prata e outras quatro de bronze em Europeus, além das cinco que tem em Taças do Mundo (quatro de prata e uma de bronze). Só lhe resta chegar às medalhas nos Jogos Olímpicos, onde já foi e voltou três vezes de mãos a abanar (Atenas, em 2004, Pequim, em 2008 e Londres, em 2012).
É isso que lhe falta, conseguir o ouro, a prata ou o bronze na competição cujo símbolo tem tatuado num dos antebraços. Será que Telma treme quando lá chega? “Não, os nervos não têm nada a ver. Estou habituada a Mundiais e competições de grande nível. Às vezes perco no primeiro combate, não é comum, mas quando acontece é num dia em que toda a gente está a ver”, lamenta, talvez a pensar nas três vezes em que um país se encheu de expectativa e a viu despir o judogi (equipamento) cedo demais. “[Mas] estou habituada ao mediatismo e ao peso que colocam em cima de mim”, assegura, quando também a conversa já vai longa.
Tão longa que não há tempo para mais. Despedimo-nos, Telma diz até já, ri-se mais um pouco e diz que agora “é continuar a treinar”. Porquê? Há sempre mais medalhas por conquistar. As próximas estão à espera no Campeonato do Mundo de judo (24 a 30 de agosto, em Astana, no Cazaquistão) e no Grand Slam de Paris (17 e 18 de outubro).