O que disse?

“Vamos acelerar a devolução do corte no salários dos funcionários públicos, vamos descongelar as carreiras, vamos repor o Rendimento Social de Inserção, o Complemento Solidário para Idosos, o abono de família que foram cortados, mas simultaneamente dizemos que é preciso adotar em prestações não contributivas mecanismos de condição de recursos”

António Costa, no debate com Passos Coelho nas três rádios de notícias no dia 17 de Setembro, sobre as medidas do programa social no que diz respeito a prestações sociais não contributivas que valem 1.020 milhões de euros em poupança no sistema não previdencial da Segurança Social.

Garantiu ainda que:

  • A colocação de condição de recursos “não” vai ser nas pensões mínimas, que serão “atualizadas”
  • “Será [uma medida] negociada no momento próprio em Concertação Social”
  • Mais tarde, disse que “as prestações sociais de natureza não contributiva, pagas com impostos, têm um valor anual de 5.700 milhões de euros. Uma redução da despesa de 250 milhões por ano vale 4%”

O que está no programa?

No programa eleitoral, o PS propõe duas coisas: a primeira é aumentar os mínimos sociais o que significa repor as condições do Rendimento Social de Inserção e Complemento Solidário para Idosos (CSI) e abono de família, que sofreram cortes com o atual Governo e, por outro lado, alastrar a política de incluir condição de recursos nas prestações não contributivas:

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“Reavaliar e reforçar a coerência do modelo de aplicação da condição de recursos nas prestações sociais de natureza não contributiva”

Para que fique claro ao leitor, condição de recursos são as regras impostas para que as pessoas tenham acesso a determinada prestação, com base no rendimento da pessoa ou do agregado que quer beneficiar da prestação. Ou seja, uma família para receber RSI, por exemplo, não pode ter rendimentos superiores a determinado valor. Esses limites foram diminuídos durante a atual legislatura o que fez com que houvesse menos beneficiários destas prestações – assumido, aliás, pelo próprio primeiro-ministro durante o debate.

Estão sujeitas a condição de recurso, por exemplo, o Rendimento Social de Inserção, o Complemento Solidário para Idosos, o abono de família e outras prestações de apoio à deficiência e dependência.

Mais tarde, na apresentação do estudo de impacto do programa eleitoral, o PS propôs-se fazer uma poupança de “condição de recursos nas prestações sociais não contributivas” num total de 1.020 milhões em quatro anos.

Estudo de impacto económico PS condição de recursos

Fonte: Estudo de impacto económico do programa do PS

Quais as dúvidas? 

A primeira pergunta, e que aliás foi repetida quer pela diretora de informação da Renascença quer pelo próprio primeiro-ministro no debate desta quinta-feira entre Passos e Costa, foi a de “qual (ou quais) são as prestações sociais que vão passar a ter condição de recursos que atualmente não tenham e que permita a poupança de mil milhões de euros em quatro anos?”.

Depois, tendo em conta a explicação de Costa, estão excluídas deste leque as principais prestações: CSI, RSI, abono de família e até pensões mínimas. Se as primeiras três, o líder socialista admite repor a (pelo menos) os níveis anteriores a este Governo, as últimas serão “atualizadas”, garantiu. Ora, se não são estas, são em quais?

A explicação (possível)

Até agora, não é possível perceber afinal quais as prestações em causa porque não foi explicitado por António Costa, mas é possível avançar várias hipóteses:

  • O líder do PS disse que a poupança de 250 milhões de euros por anos seria conseguida no regime não contributivo, com o qual o Estado “tem uma despesa de 5,7 mil milhões de euros”, mas este valor não é bem assim. Vejamos:

O Sistema de Proteção Social de Cidadania (o não contributivo e que por isso vive do Orçamento do Estado e de consignações de impostos como o IVA social e receitas de jogos sociais) divide-se em três grandes subsistemas:

— o Subsistema de Solidariedade (que inclui as principais prestações como o CSI, o RSI e as pensões mínimas);

— o Subsistema de Proteção Familiar (que inclui principalmente o abono de família, apoios à deficiência e os complementos de dependência);

— e o Subsistema de Ação Social (que inclui sobretudo as restantes redes de apoio social como o apoio às Instituições Particulares de Solidariedade Social, os gastos com o Programa de Emergência Social, prestações em espécie, entre outros).

O Sistema não contributivo no seu total (os três subsistemas) tem uma despesa de 9,7 mil milhões de euros. Quase metade são gastos com ação social (4,1 mil milhões de euros). Se o bolo onde Costa quer poupar é de 5,7 mil milhões de euros, só pode ser uma de duas combinações:

  • Hipótese A – Ou nos subsistemas de solidariedade e proteção familiar, que valem em conjunto 5,6 mil milhões de euros (valores da Conta da Segurança Social referente a 2014), o valor mais aproximado ao dado pelo líder socialista;
  • Hipótese B – Ou no subsistema de proteção familiar e na ação social, que valem 5,3 mil milhões (valores da Conta da Segurança Social referente a 2014). O que reduz ainda mais o universo de prestações sociais que podem ser alvo de cortes até pela dificuldade que seria introduzir condição de recursos nestas áreas. Mas, tendo em conta que o líder socialista diz que as prestações dos subsistemas de solidariedade e de proteção familiar devem ser aumentadas, sobra mesmo e apenas o subsistema de ação social. E é coincidente com o discurso que os socialistas têm feito nos últimos anos, quando afirmam que este Governo promoveu mais a “caridade” do que a solidariedade. Dando mais peso ao terceiro setor (cujas verbas saem do subsistema de Ação Social), incluindo as cantinas sociais, que fazem parte do Programa de Emergência Social. Acontece que não foi isto que António Costa explicou, nem no debate nem o PS em perguntas feitas pelo Observador agora e há umas semanas quando foi apresentado o estudo de impacto do programa.

Hipótese C – Há, no entanto, outra hipótese que tem de ser colocada pelo menos no plano teórico: a inclusão de condição de recursos nas pensões mínimas. Costa disse que não, eventualmente por ser uma questão controversa e difícil de explicar, mas poderá, no futuro ser uma solução. É uma proposta que não está especificada no programa e Costa, se for eleito, pode ir contra o que disse no calor do debate e é defendida aliás por alguns socialistas. Até porque poderá acontecer uma de duas coisas: incluir a condição de recursos reduzindo o universo de beneficiários e aumentar (atualizar) na mesma o valor para aqueles que continuariam a receber.

E nesta prestação não seria muito difícil encontrar a poupança de 250 milhões de euros por ano, uma vez que muitos dos beneficiários destas pensões não o são por terem atualmente rendimentos baixos (muitos têm rendimentos de capital, de rendas etc, que não contam para a atribuição desta prestação), mas sim por não terem feito descontos enquanto trabalhadores ou terem feito poucos (dado que o sistema de pensões público ainda é jovem). E o aumento destas pensões, com a redução em simultâneo do CSI, provocou nos últimos anos que os pensionistas mais pobres tivessem saído prejudicados. Os números sobre as pensões mínimas não são conhecidos, há apenas um estudo de 2003 que mostra que a maior parte dos beneficiários destas pensões não são pobres e que mostra que grande parte da fatia deste subsistema é gasta com esta prestação.

Sobre este tema, Manuela Ferreira Leite considerou esta semana que se trata de um “mito” do atual Governo uma vez que ao aumentarem o valor das pensões mínimas isso “nada têm a ver com pobreza”, antes sim, têm a ver com a “história contributiva” dos beneficiários.