Passos Coelho trazia na mão os erros que tinha cometido no primeiro debate e decidiu ser mais combativo. António Costa sabia o que tinha feito bem e insistiu na fórmula, não conseguindo no entanto responder sobre o corte nas prestações sociais não-contributivas. Vitórias, derrotas ou empate à parte, os dois afastaram-se mais nas ideias, muito mais debatidas desta vez, e não houve um único ponto de acordo a não ser uma visão mais semelhante no que diz respeito a uma intervenção militar por causa da crise dos refugiados. Deste debate saiu uma certeza: quem quer que ganhe as eleições não vai conseguir levar o outro à mesa das negociações sobre uma grande reforma da Segurança Social. E Costa promete baixar os impostos à classe média, Passos não se comprometeu além do fim da sobretaxa.

Para este segundo debate, Passos Coelho não falou uma única vez do ex-ministro José Sócrates o que levou a que, ao contrário do primeiro embate, se tivesse falado mais de futuro e menos do passado. Mas também se acabou por falar mais das medidas do PS e menos das da coligação. O debate ponto por ponto.

Corte nas prestações sociais

Foi um dos pontos mais quentes do debate. A uma pergunta da jornalista, sobre como iria levar a cabo o PS o corte nas prestações sociais, António Costa não respondeu. O líder socialista referiu por mais do que uma vez que a intenção do PS é restabelecer as prestações como o Rendimento Social de Inserção e o Complemento Solidário para Idosos aos níveis anteriores a este Governo (que cortou nestas prestações), mas não respondeu onde iria buscar a poupança de 1020 milhões de euros (valor estimado para quatro anos no estudo de impacto do programa socialista). E Passos Coelho não largou a ideia durante largos minutos. Fez de jornalista e questionou por várias vezes afinal onde queria António Costa poupar “mil milhões de euros” em prestações não contributivas. “Que prestações não estão ainda sujeitas a condições de recursos que o dr. acha que podem permitir a Segurança Social poupar mil milhões de euros?”, questionou.

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Na resposta, António Costa disse apenas que será uma medida “negociada no momento próprio em Concertação Social” depois de antes ter afirmado que iria “fazer a avaliação do conjunto das prestações”. E garantiu que não será nas pensões mínimas. “Não, não é nessas”, garantiu à pergunta de Passos Coelho sobre se era nas pensões mínimas até porque os anteriores governos socialistas para não colocarem “condição de recursos nas pensões mínimas” criaram o CSI.

Em causa estará a inclusão de condição de recursos numa prestação já existente (poderá ser nas pensões mínimas, mas António Costa disse que não) ou apertar as regras de acesso a prestações sociais que já tenham essa condição de recursos. Contudo, não é fácil ao PS encontrar uma poupança de cerca de 250 milhões de euros por ano em prestações sociais sem ser nas pensões mínimas. Mas em relação a estas pensões, o líder socialista disse aliás que pretende “continua a atualizá-las” ao passo que aumenta o CSI (a prestação que permite aos pensionistas mais pobres chegara um valor mínimo). A política de aumento das pensões mínimas tem sido seguida por este Governo que pelo contrário reduziu o CSI. Isso mesmo foi rferido por Passos que admitiu que por via dos cortes deste Governo “houve menos gente a receber o Complemento Solidário de Idoso”.

Ainda sobre prestações sociais, António Costa defendeu a sua proposta de criar uma nova prestação de apoio aos trabalhadores que não atinjam um valor mínimo: “Uma nova prestação social para ajudar as pessoas que estando a trabalhar não têm rendimento suficiente” para ficarem acima do limiar da pobreza, disse. E Passos pegou nesta ideia para dizer que ela não faz sentido uma vez que o desenho da proposta é o de um “crédito fiscal” e que atualmente estes trabalhadores já não atingem os mínimos para pagar impostos: “Um imposto negativo funciona como um crédito fiscal, e as pessoas que nem sequer conseguem atingir o rendimento mínimo garantido todos os meses obviamente que não pagam impostos. Mas têm direito a uma prestação social”, disse.

Impostos

Enquanto Costa prometeu, preto no branco, baixar os impostos à classe média (“com certeza, é esse o nosso objetivo) e rever os escalões do IRS (mas sem detalhar, para não prometer o que não pode cumprir), Passos comprometeu-se apenas com a redução “gradual” da sobretaxa do IRS, garantindo que, só com isso, os trabalhadores já iriam sentir melhorias.

Sobre o IVA, Passos não quis avançar com promessas de redução. “Seria bom, a taxa de 23% é muito alta, mas não estou a ver como o possamos fazer nos próximos quatro anos”, admitiu. Se a redução do IVA “não é segura”, Passos contrapôs com o desagravamento da carga fiscal para as famílias mais numerosas, através do quociente familiar que já entrou em vigor, e com a reforma do IRC (porque “facilita o investimento e, consequentemente o crescimento da economia”).

Costa contrapôs com a ideia de criar um “quociente familiar mais justo” para garantir que as crianças mais pobres não valham menos que as crianças das famílias mais ricas. Para isso prometeu ter uma palavra a dizer às famílias monoparentais que, diz, são prejudicadas fiscalmente. E respondeu ainda com o abono de família: quer repor para os níveis anteriores à troika.

Reforma das pensões

É o grande tema para estas eleições legislativas e os dois não chegam a um acordo, nem sobre as premissas iniciais nem sobre um resultado final. Costa acusa a coligação de querer levar a cabo “uma aventura” no sistema ao propor o plafonamento das pensões e Passos diz que “maior aventura” é a que o PS quer fazer com a redução das contribuições. E foi aí que o primeiro-ministro desafiou António Costa para se sentar à mesa para “uma grande reforma” do sistema de pensões. “Estou disponível para no dia seguinte às eleições, quer ganhe quer perca, discutir a reforma do sistema de pensões – o senhor está?”. 

Sem responder prontamente, Costa acabou por esclarecer. “Não terá o nosso apoio”, diz respondendo ao repto de Passos Coelho de se sentar à mesa para negociar um grande reforma da Segurança Social, mas colocando sempre o enfoque no corte nas pensões de 600 milhões de euros que, insistiu, podem atingir as “pensões em pagamento”. Até porque, disse, isso mesmo já foi admitido pela ministra das Finanças. E quanto a isso deixou a garantia: “Não há novos cortes nas pensões, ao contrário do que a direita propõe”.

Intervenção militar na crise dos refugiados

Sobre a crise dos refugiados, ambos falaram de uma eventual intervenção militar. Mais assertivo, Costa disse que “não devemos excluir liminarmente qualquer tipo de participação”, ainda que seja uma solução de “último lugar”. Passos também disse que essa não é a melhor opção, mas também não a excluiu. “Pode acabar por agravar os problemas”, disse, contudo.

Leis laborais

Este é um dos temas mais caros ao PS. Não é fácil a António Costa explicar as regras do mecanismo conciliatório para rescisões de contrato que propõe no programa. Passos Coelho têm-se esforçado em dizer que esta proposta socialista encosta o líder do PS à direita e Costa estendeu-se na explicação sobre a medida. Disse o líder socialista que ao contrário do que foi dito, isto “não tem nada a ver com o contrato único” e que “não é uma nova forma de despedimento”, apontando a diferença para a política deste Governo que aumentou as possibilidades de despedimento por justa causa.

O que Costa propõe é um mecanismo conciliatório para evitar o “arrastar de processos em tribunal”, que implicam perda de rendimentos para as pessoas. “É um mecanismo conciliatório alternativo ao litigioso, mas sem prejuízos de o trabalhador poder recorrer a tribunal”, disse.

E acrescenta que o que quer fazer neste campo são duas coisas: “Uma majoração da indemnização” por despedimento e por outro lado, que as pessoas que tenham rescindido com uma empresa por mútuo acordo tenham na mesma direito ao “subsídio de desemprego”.

Neste ponto, Passos Coelho não avançou nenhuma proposta, disse que o que quer é “estabilidade” do que foi feito, até porque é “prematuro estar a fazer mexidas de fundo nas reformas que foram feitas”. É preciso dar espaço e tempo – dar “estabilidade”.

A Europa e o Tratado Orçamental

A Europa foi o primeiro tema do debate, talvez por ter sido o que mais ficou de fora do debate anterior. Começou nas questões económicas e na leitura inteligente que António Costa diz querer fazer do Tratado Orçamental, e passou para a crise dos refugiados.

Sobre o Tratado Orçamental, a posição dos dois é simples e divergente: Passos quer seguir a “leitura que a Comissão faz” e que é manter regras apertadas para pôr o défice abaixo dos 3% (“porque só com menos défice é que se consegue diminuir a dívida”); Costa quer folgas para “as reformas serem feitas em função das necessidades de cada país”. E diz que até a Alemanha já reconhece que assim seja.

Os exemplos estrangeiros. Passos foi incisivo na tentativa, não só de syrizar o PS como de colar os socialistas às “desilusões” europeias, puxando várias vezes para cima da mesa os governos de Hollande, Renzi e até o facto de os socialistas alemães se terem coligado à CDU de Merkel. A ideia é simples: qualquer um, quando chega ao Governo, “tem de fazer exatamente o que o Governo português fez”, que é “encarar a realidade”. Foi isso que, segundo Passos, fez com que o Syriza tivesse acabado a negociar um programa com o “triplo da austeridade”.

Mas Costa quis logo demarcar-se dos gregos. Apelou à “reorientação positiva na Europa” mas deixou claro que a mudança não se faz pena “confrontação” mas sim pela “negociação”.

Dívida de Lisboa e os terrenos do aeroporto

A questão da dívida e da Câmara de Lisboa foi outro dos temas quentes. É que enquanto Costa insistia no aumento da dívida do Estado, e Passos contrapunha que só através da redução do défice se consegue diminuir a dívida, Passos puxava de outro argumento que já tinha referido no debate nas televisões. Mas agora mais ao ataque: a redução da dívida de Lisboa, que Costa se congratula de ter baixado, e que Passos diz que só o o fez porque o Governo comprou os terrenos do aeroporto.

“No Governo até ajudei a resolver uma parte da dívida de Lisboa, no valor de 277 milhões de euros”, disse, afirmando que se não fosse a compra dos terrenos através da privatização da ANA, a câmara nunca tinha conseguido reduzir a dívida como reduziu.

Costa, picado, contra-argumentou dizendo que se alguém fez favores a alguém então foi a câmara que fez ao Estado, já que o Governo “queria privatizar uma empresa e vender terrenos de que não era proprietário”. Segundo Costa, o acordo permitiu a câmara amortizar dívida, mas o Governo, com os benefícios da privatização da ANA não conseguiu diminuir a dívida do Estado. A discórdia foi em toda a linha.

Educação

Podia ser o tema para António Costa brilhar, já que a aposta na formação e no conhecimento é uma das bandeiras do programa socialista, mas pouco tempo houve e por isso quase passou despercebido.

Passos começou por admitir as dificuldades no ano letivo anterior, mas reforçou que este ano está tudo dentro da “normalidade”. Costa criticou o Governo pelo estado do ensino público e disse que queria mais qualidade na escola pública. Prometeu “menos seletividade e mais inclusão” e lembrou que, pela primeira vez em 18 anos, o número de crianças na escola diminuiu.