Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires terão ocultado informação sobre a emissão de papel comercial da ESI (Espírito Santo International), em 2013 – até às instâncias responsáveis pela sua fiscalização no banco. O ex-administrador e responsável pelo risco do Banco Espírito Santo (BES) na altura, Joaquim Goes, num documento de defesa enviado ao Banco de Portugal (BdP), e a que a “Visão” teve acesso, acusa Ricardo Salgado e Morais Pires de “conluio” e responsabiliza-os pela emissão do papel comercial.
“Quando, ao mais alto nível, existe a intenção de ocultar informação e se, para mais, houver articulação entre mais do que um elemento da administração (in casu CEO [presidente executivo] e CFO [administrador financeiro]), é muito difícil que os restantes membros da comissão executiva se possam aperceber do sucedido ou que qualquer sistema de controlo interno o detete”, lê-se na carta enviada ao BdP. Mas diz mais:
O processo de aprovação da distribuição do papel comercial da ESI foi feito de modo a que não fosse percetível a dimensão da colocação prevista e muito menos a exposição total que os clientes do banco teriam” à ESI.
Ou seja, o que acabou por acontecer ao banco e aos clientes (lesados) do BES terá resultado de “uma intenção (…) deliberada”, de um conjunto de administradores que se controlavam mutuamente e que “desvalorizar[am] os potenciais riscos” das emissões de papel comercial, afirma Goes.
E por que o terão feito? Porque seria “evidente para estes últimos” que sem este financiamento por parte dos clientes do BES à ESI, a holding do grupo não teria “sustentabilidade financeira”, explica o ex-administrador, que é um dos 15 gestores acusados pelo Banco de Portugal, no âmbito deste escândalo financeiro, por não ter detetado os riscos relativos à subscrição de papel comercial e à aquisição e comercialização de dívida emitida por terceiros.
No documento de defesa com mais de uma centena de páginas, entregue ao Banco de Portugal, Goes alega que era impossível ter percebido o risco e explica, tintim por tintim, de que forma o CEO e o CFO do BES terão escondido informação tão relevante.
Para isso recua até ao dia 4 de setembro de 2013, altura em que ainda toda a gente olhava para o GES como um grupo sólido. Nesse dia houve uma reunião mensal onde se aprovou a colocação de papel comercial da ESI nos balcões do BES. Agora, Francisco Goes vem revelar que a informação prestada à data terá sido “claramente tendenciosa” e “manifestamente insuficiente”, uma vez que só no dia anterior tinha sido celebrado um contrato entre o BES e a holding para a colocação de mil milhões de euros de papel comercial.
Acontece que na reunião do dia 4 — em que a emissão foi aprovada — nem foi apresentado o programa, nem eram “obviamente conhecidos” os montantes da colocação, na ordem dos 1.000 milhões de euros, nem foi feita “qualquer relação direta entre a redução necessária da dívida da ESI colocada em fundos de investimento (…) e a necessidade de colocação dessa mesma dívida da ESI diretamente em clientes do BES”, lê-se no documento entregue ao BdP, que a Visão cita.
Em resumo, os restantes administradores do banco não terão percebido a dimensão da operação e desvalorizaram-na.
“Não era de concluir que o que estivesse em causa fosse a colocação de… mil milhões de euros de papel comercial da ESI”, escreve Joaquim Goes. E, por isso mesmo, não foi pedida nenhuma análise adicional à operação. Só em outubro se vieram a conhecer os valores de 1.000 milhões de euros.
Goes revela ainda que o Departamento Financeiro de Mercados e Estudos, liderado por Amílcar Morais Pires, terá ultrapassado “os seus poderes de decisão” ao iniciar o processo de comercialização de dívida sem o apresentar à comissão executiva.
Joaquim Goes, que também investiu parte das suas poupanças, reitera que não havia maneira de saber que as contas da ESI não eram verdadeiras. Só o departamento de Morais Pires “sabia de todas as formas de emissão de dívida” da ESI, garante.
No documento de defesa de Joaquim Goes há ainda menção ao papel do Banco de Portugal em todo este processo. Ao longo de várias páginas é questionada a legitimidade do Banco liderado por Carlos Costa para supervisionar e, simultaneamente, conduzir investigações sobre os órgãos que supervisiona e conclui mesmo que “a concentração, no mesmo órgão, da decisão de supervisionar, investigar, acusar e punir” é inconstitucional e “suficiente, por si, para invalidar todo o processo”.
Em julho, a Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgou a lista dos seis arguidos no âmbito deste escândalo financeiro: Ricardo Salgado — que se encontra em prisão domiciliária –, Isabel Almeida, António Soares, José Castella, Pedro Luís Costa e Cláudia Boal de Faria.