Evitar a queda de cabelo é um assunto que não vem de agora. Não é fruto das novas tecnologias nem dos muitos estudos que se fazem hoje em dia. O medo de perder o cabelo percorre gerações há milhares de anos e, como tudo o que causa medo, há que erradicar o problema, seja de que maneira for.

Uma pequena história da bizarria capilar leva-nos até ao Papiro Ebers, um dos tratados médicos mais antigos e importantes do mundo, escrito no Antigo Egito e datado de 1550 a.C.. Nesse documento recomendavam-se inúmeras curas para os egípcios que sofriam de queda de cabelo, desde gordura de hipopótamo, crocodilo ou cobra, até espinhos de porco-espinho fervidos e colocados na cabeça ao longo de quatro dias.

Já Hipócrates, considerado o pai da medicina, decidiu prescrever a si mesmo uma mistura de ópio, raiz-forte, fezes de pombos, beterraba e especiarias. E quando foi a vez de Júlio César começar a perder cabelo, o imperador tentou de tudo, até pedir conselhos a Cleópatra, que não o mandou banhar-se em leite de burra mas fazer um remédio caseiro à base de pedaços de ratinhos, dentes de cavalo e gordura de urso.

Com o passar do tempo começaram a adotar-se os toupées — vulgo capachinhos — para tapar a cabeça. Quando isso saiu de moda, apostou-se no óleo de cobra e no chá. Até que em 1936 apareceu uma máquina que se dizia milagrosa, chamava-se Xervac e na verdade era um aspirador que sugava os cabelos de forma a estimular o seu crescimento. A máquina podia ser alugada ou usada em barbeiros e aconselhava-se os homens a relaxarem, fumarem um cigarro e lerem um jornal enquanto o aspirador em forma de capacete exercia a sua magia nos folículos.

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Alguns estudos mais recentes

Os anos passaram, as teorias continuam. Só em 2015 saíram quatro estudos que dizem ter encontrado a cura milagrosa para a queda de cabelo (e ainda vamos em setembro). Escusado será dizer que todos os estudos propõem um milagre diferente, à semelhança do que acontece desde antes de Cristo.

A 29 de janeiro deste ano, o Metro dizia que os cientistas achavam ter descoberto a cura para a calvície. Com quê? Células estaminais. Os cientistas foram capazes de fazer crescer pelos em ratos e o mesmo se esperava que acontecesse aos humanos. Contactado pelo Observador para comentar a descoberta, Rui Oliveira Soares, dermatologista que faz consultas de cabelo na CUF Descobertas e CUF Cascais, acredita que “as células estaminais serão um dia a cura, mas não sabemos se em dez, 20 ou 40 anos”.

A 9 de abril foi a vez de o Daily Mail escrever que os cientistas tinham efetivamente chegado à fórmula que ia acabar com o desgosto de ficar sem cabelo, e ela já nada tinha que ver com células estaminais. Investigadores americanos descobriram que ao arrancar 200 cabelos (é duro ser belo), cresciam seis vezes mais – uma teoria baseada certamente no “se arrancar um cabelo branco nascem mais sete”. A explicação é que se arrancar muitos cabelos de uma zona vai despoletar sintomas de stress e, consequentemente, vai levar ao crescimento de mais cabelo para compensar. Tivessem Hipócrates e Júlio César sabido disto e evitariam as misturas impensáveis que espalhavam na cabeça.

No pico do verão, mais propriamente a 9 de julho, a Medical Daily retomava a história de Kyle Rhodes, o jovem de 25 anos que em 2014 viu o seu cabelo crescer quando começou a tomar um medicamento para a artrite reumatóide. Meses depois, investigadores anunciaram na Nature Medicine que um preparado oral utilizado no cancro da medula óssea tinha tido o mesmo efeito. A razão pela qual isto aconteceu deveu-se aos efeitos imunossupressores que estes medicamentos têm no corpo. Igualmente contactado pelo Observador, Miguel Trincheiras, dermatologista no Centro Clínico e Cirúrgico das Laranjeiras, acredita que estes exemplos não passam de “casos pontuais”.

Mais recentemente, a 20 de agosto saiu o último estudo. Segundo a News, a cura para a calvície está em algo que as pessoas bebem todos os dias: café. “Café? Então como é que ainda há portugueses carecas”, deve estar a perguntar-se. Simples: a cura não passa por ingerir o café mas sim esfregar os grãos na cabeça.

Desafiado a comentar, o dermatologista Rui Oliveira Soares diz haver estudos que indicam que “a cafeína tópica pode ajudar ligeiramente”.

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Mas afinal, o que provoca a queda de cabelo?

O outono é propício à queda de cabelo, mas esta queda é sazonal, não significa que vá ficar careca. Não há razões para alarmismos quando olha para a escova nesta altura e a vê com mais cabelo do que o costume, até porque é normal perder entre 50 a 100 cabelos por dia. Miguel Trincheiras afirma que as pessoas têm tendência a confundir os dois fenómenos quando na verdade nada têm que ver um com o outro. “Na queda sazonal o cabelo volta a crescer, na calvície não.”

Segundo Rui Oliveira Soares, especialista em tricologia, “70% das pessoas têm um aumento do número de cabelos que caem durante os meses de outono. Esta variação é mais facilmente detetada em pessoas com cabelo comprido (daí que normalmente as mulheres se apercebam mais).” Miguel Trincheiras acrescenta que se especula que esta queda “tenha que ver com um reflexo arcaico que ainda possuímos e continua patente”.

Mas como é que tudo isto se processa? Rui Oliveira Soares explica: “A hipófise deteta essa variação [aumento do número de cabelos que caem] e altera os níveis de melatonina e prolactina produzidos. Isto reflete-se no ciclo capilar, que é empurrado para a fase final (telogen) e tem como consequência, três ou quatro meses mais tarde, a queda da haste pilar (cabelo). Este mecanismo permite aos mamíferos ficar com menos pelo nos meses quentes, enquanto nos seres humanos significa que a queda pode aumentar no fim do verão ou início do outono.”

Um fenómeno de queda semelhante ao sazonal pode ocorrer associado a doença, cirurgia, parto, ansiedade, cansaço, dieta ou medicamentos. No entanto, não tem consequências a longo prazo, uma vez que se trata apenas da renovação da haste pilar e não de perda de folículos.

Como prevenir a queda do cabelo?

Antes de mais, é preciso ter uma frase do dermatologista Miguel Trincheiras bem presente: “O cabelo tem um metabolismo próprio e só se despejar um balde de cola na cabeça é que ele não cai.”

Com isto em mente, há no entanto alguns gestos que podem ajudar a prevenir a queda do cabelo: levar uma vida equilibrada, fazer uma alimentação saudável, dormir bem, estar bem hidratado, recorrer a suplementação de aminoácidos e de oligoelementos e, segundo Miguel Trincheiras, “proteger o cabelo durante o verão da agressão solar, utilizando sprays, por exemplo”. O dermatologista acrescenta ainda que “cortar o cabelo por si diminui o peso da haste sobre a raiz e isso pode diminuir a queda”.

Já Rui Oliveira Soares ressalva que, no caso de querer fortalecer o seu cabelo, “em determinadas circunstâncias medicamentos como finasterida (oral) ou minoxidil (aplicado) podem engrossar o cabelo. Certos cosméticos como champôs e máscaras também podem dar volume e nesse sentido ajudar, embora se trate de um efeito aparente e não verdadeiro espessamento da haste pilar.”

No caso da calvície comum, o caso já é diferente. Rui Oliveira Soares afirma que “não há cura mas há medicamentos que a contrariam ou atrasam e tratamentos cirúrgicos (transplante) que a tornam menos aparente.” E se a genética sempre foi tida como a grande culpada, mais recentemente o caso mudou de figura: “Hoje em dia pensa-se que haja também fatores ambientais que possam contribuir para a calvície por aumentarem a micro-inflamação em redor dos folículos.”

Mas nem tudo são más notícias. A calvície pode não ter cura, mas o mito de que lavar o cabelo todos os dias causa queda de cabelo não passa disso mesmo — um mito. “Em número e peso dos cabelos que caem é igual lavar três vezes por dia ou uma vez por semana”, defende Rui Oliveira Soares. Quanto ao uso do secador, apenas pode danificar se for usada temperatura muito elevada a distância curta com o cabelo molhado (deve antes secar-se com a toalha).

Se está à beira da calvície, nunca se esqueça: “é dos carecas que elas gostam mais”. Pelo menos é o que a música e um estudo dizem — ao que parece, os homens carecas são “mais dominantes, confiantes e masculinos”.