Se olharmos para a realidade da economia portuguesa e a compararmos com o que o actual governo previa no seu Documento de Estratégia Orçamental de 2011, constatamos o seguinte:
- Que a economia caiu muito mais do que o esperado e, apesar da conjuntura externa muito favorável, cresce muito menos do que o esperado;
- Que o ajustamento externo foi meramente conjuntural, dependendo sobretudo da retração das importações;
- Que o aumento do PIB potencial, um dos principais objectivos da política económica dos últimos anos, não aconteceu;
- E que quer a dívida pública, quer a dívida externa não se limitaram a aumentar, mas aumentaram muito mais do que o previsto, e o défice de 2015 está no 4.7%, quando o objectivo é de 2.7%.
Tudo isto num cenário de forte degradação das condições sociais, com a taxa de pobreza a disparar, as desigualdades a aumentar e com o peso dos salários no PIB a baixar. Perante esta realidade, torna-se difícil qualificar os últimos 4 anos como um sucesso. A conclusão do programa de ajustamento deve-se mais a uma alteração radical das condições de financiamento da dívida pública portuguesa, fruto de uma mudança da política do Banco Central Europeu, do que de qualquer tipo de confiança criada por políticas de austeridade alegadamente bem sucedidas.
Depois de cair cerca de 6% (mais do triplo do que previsto inicialmente), a economia cresceu 1.1% em 2014 e prevê-se que cresça 1,6% em 2015. Uma economia que caiu muito mais do que a média da zona euro, se estivesse em recuperação, deveria crescer bastante mais do que a média. Ora, não só isso não acontece, como a economia portuguesa cresce muito menos do que todas as economias com as quais nos comparamos. Cresce um terço da irlandesa, menos de metade da espanhola e sensivelmente o mesmo que a economia grega; e cresce muito menos do que toda a chamada nova Europa, sobretudo menos do que as economias dos antigos países de leste. Os dados mais recentes, nomeadamente os do investimento e do emprego, com a economia portuguesa a destruir 34 mil empregos em agosto (!), põem em causa a tese da aceleração do crescimento português.
A economia portuguesa não se limita a crescer pouco, também cresce de uma forma totalmente diferente daquela que a estratégia do governo previa, como reconhece a UTAO na sua análise ao PE2015-9. Ao invés de um crescimento impulsionado pela procura externa líquida (exportações menos importações) e pelo investimento privado (FBCF), é o consumo privado (e até o consumo público, como se viu nos dados do segundo trimestre de 2015) que explica o anémico crescimento económico. Pior: é sobretudo o consumo de bens duradouros, que tem uma fortíssima componente importada e que depende do crédito, que explica grande parte da dinâmica económica de 2014 e 2015. É por essa razão que, desde que a economia portuguesa saiu da recessão, a taxa de poupança não tem parado de cair, estando abaixo do que estava antes da crise. E é também por isso que a balança externa, depois de um forte ajustamento em 2011/2, fruto do colapso da procura interna, tem vindo sempre a degradar, só não sendo pior porque o preço do petróleo, que é uma das principais importações da nossa economia, caiu para cerca de metade.
Como a taxa de poupança não pode continuar a cair indefinidamente, nem o crédito ao consumo pode continuar a crescer acima dos 30%; como não é expectável que o preço do petróleo continue com as quedas dos últimos dois anos; e como os juros estão a níveis historicamente baixos e não podem baixar muito mais, parece que os factores conjunturais que explicam o crescimento português estão esgotados.
A economia portuguesa, para recuperar verdadeiramente, e para recuperar de uma forma sustentada e duradoura, precisa que o crescimento do consumo seja feito com base no crescimento dos rendimentos dos portugueses, precisa de investimento — público e privado — que garanta um aumento da capacidade produtiva nacional e, sobretudo, que permita reproduzir, no futuro, o crescimento das exportações dos últimos anos.
É preciso não esquecer que, nos últimos 4 anos, não ocorreram investimentos como o da refinaria de Sines, o da nova fábrica da Portucel em Setúbal, o da Embraer em Évora ou o do Alqueva. Se as exportações de hoje são, sobretudo, fruto de investimentos passados, o facto de estarmos com volumes de investimento semelhantes aos que existiam em meados dos anos 80 é, sem sombra de dúvida, motivo para alarme. Quando Paulo Portas diz que a abertura de uma loja (repito: de uma loja) do IKEA no Algarve é um dos investimentos mais importantes dos últimos 4 anos, devemos ficar preocupados. É bom que haja esse investimento, como é evidente, mas é preocupante que seja um dos mais importantes da legislatura. E é revelador que seja uma loja, não uma fábrica – essa foi construída na anterior legislatura.
Partindo deste diagnóstico, o Partido Socialista entende, não só que as políticas dos últimos anos fracassaram nos seus principais objectivos, mas também que as políticas previstas no Programa de Estabilidade, enviado a Bruxelas em abril, não constituem uma resposta adequada aos desafios presentes e futuros da economia portuguesa. Privilegiar a descida de IRC, que beneficia sobretudo as grandes empresas, em particular as do sector não-transacionável; adiar a reposição dos rendimentos das famílias portuguesas e não repor os mínimos sociais; manter uma estratégia de competitividade assente na compressão salarial e na precariedade laboral; não mobilizar recursos públicos (e, por arrasto, privados) para investir em ciência e inovação, é uma estratégia sem futuro, que só pode degradar, ainda mais, a já frágil situação da economia portuguesa.
A economia portuguesa precisa, em simultâneo, de medidas do lado da procura e do lado da oferta. Precisa de um plano recuperação económica que permita acelerar a taxa de crescimento da economia portuguesa, mas também precisa de investir e superar os principais bloqueios e constrangimentos ao seu desenvolvimento e crescimento futuro.
A aposta na melhoria dos rendimentos das famílias portuguesas, através do aumento do salário mínimo, através da antecipação da reposição dos cortes salariais da função pública e da antecipação da devolução da sobretaxa, da reposição dos mínimos sociais, da criação do complemento salarial (imposto negativo), da descida (temporária) da tsu para os trabalhadores é o reconhecimento de que, da mesma maneira que a economia (e o emprego) colapsaram com o corte nos rendimentos, a economia só poderá recuperar se esse corte for invertido.
A recuperação dos rendimentos não é um resultado do crescimento económico, como sustenta a coligação PSD-CDS, é uma das suas condições necessárias. E não é o PS que o diz, é a realidade dos últimos 4 anos que o demonstra: quando os rendimentos foram cortados a economia colapsou, quando os rendimentos deixaram de ser cortados e até foram (parcialmente) devolvidos a economia estabilizou. Mesmo o quadro macroeconómico enviado pelo governo a Bruxelas depende deste tipo de política para garantir um crescimento do consumo acima dos 2%. A aposta nos rendimentos não põe em perigo o crescimento económico que temos, como dizem PSD e CDS, antes garante que esse crescimento tem condições para perdurar e é sustentado ao longo do tempo.
Se é verdade que o crescimento do consumo é necessário em qualquer retoma económica, não é menos verdade que ele não é suficiente. Por si só, o crescimento do consumo pode gerar desequilíbrios, sobretudo se não for acompanhado de um reforço da produção nacional. Para tal é necessário apostar, também, no investimento. E devemos fazê-lo de várias formas.
A coligação PSD-CDS apostou e quer continuar a apostar na retração do investimento público (que caiu 60%, sendo hoje inferior à média europeia) e na tese de que é embaratecendo o país – via compressão dos salários, precariedade e redução do IRC – que pode gerar uma onda de investimento modernizador e criador de emprego. A experiência histórica mostra que isto não é verdade. E os últimos 4 anos confirmam isso mesmo. A compressão dos salários e a precariedade não criam nada, limitam-se a degradar a já frágil situação económica e social do país. E a redução do IRC beneficia sobretudo a distribuição de dividendos e não parece ter grande impacto no aumento do investimento real. É um facto que o investimento caiu mais de 30%, é um facto que está ao nível dos anos 80 e parece ser um facto que não está a recuperar, muito menos a acelerar.
O PS, para além da aposta nos rendimentos e na procura —que os empresários portugueses dizem ser o principal bloqueio ao investimento e à criação de emprego —, também cria condições para que as empresas respondam positivamente a esse estímulo. O IVA da restauração é um exemplo disso mesmo: conjugado com o aumento do rendimento dos portugueses, pode constituir um forte estímulo num sector muito intensivo em trabalho e com um conteúdo importado relativamente baixo, sobretudo quando comparado com outros sectores da economia portuguesa.
A aposta na reabilitação urbana, em particular na reabilitação de imóveis do Estado, para posterior colocação no mercado a renda controlada, é um excelente exemplo de como ajustar um sector – o da construção – sem o destruir. É um facto que os 260 mil empregos destruídos na construção não irão regressar na totalidade. Mas não é menos verdade que não é destruindo um sector que se reforma esse sector. A reabilitação urbana é uma excelente oportunidade para voltar a apostar no sector da construção, que cria muito emprego e que alimenta toda uma fileira industrial que tem sido fortemente penalizada nos últimos anos.
A proposta de reinvestir até 10% do fundo de estabilização financeira da segurança social para reabilitar imóveis da própria segurança social é um “três em um”:
- Aumenta o investimento, cria emprego e contribui para reanimar um importante sector industrial do país (materiais de construção) sem penalizar o défice;
- Contribui, via emprego criado e via rendas cobradas pelo aluguer dos imóveis, para a sustentabilidade da própria segurança social;
- Permite voltar a apostar em políticas públicas de habitação, que já existiram em Portugal e que existem em todos os países desenvolvidos. A proposta não prevê gastar nada, apenas investir de outra maneira uma pequena parte do dinheiro que está hoje parqueado em acções e obrigações, que se limitam a pagar um juro (no contexto futuro, prevê-se que baixo).
Por outro lado, e como já foi mencionado, o embaratecimento do país via compressão salarial, reforço da precariedade e redução do IRC não tem produzido outros resultados que não o empobrecimento, a desqualificação e o aumento de dividendos distribuídos. O correspondente aumento do investimento empresarial não se tem verificado. É o típico exemplo de uma política com vários custos e poucos ou nenhuns benefícios.
Portugal tem de se qualificar e modernizar – é esse o desafio. É por essa razão que o PS aposta no combate à precariedade, que é um problema económico e social, e não, como pretendem PSD e CDS, uma condição para a competitividade do país. A limitação dos contratos a prazo, acompanhada de uma redução dos custos com o trabalho estável e não precário e de um aumento dos custos associados ao recurso ao trabalho precário, num contexto de crescimento económico e de criação de emprego, pretende combater fortemente a precarização do trabalho. O combate à precariedade, para além de contribuir para aumentar o investimento em capital humano, sobretudo por parte das empresas, o que aumenta a produtividade da economia nacional, também contribui para a estabilidade dos rendimentos e da procura interna, e constitui um poderoso incentivo para inverter os desafios demográficos e de natalidade, que, antes de serem um problema para a segurança social, são um grave problema económico para o país.
Apostar nos rendimentos das famílias e na estabilidade da sua via laboral; premiar as empresas que apostam na criação de emprego não-precário; recuperar a prioridade ao investimento em capital humano, em ciência e inovação, apostando na criação de centros tecnológicos e no reforço do seu financiamento; ver o mercado interno, em particular sectores como a restauração ou a reabilitação urbana, como sendo imprescindível a qualquer recuperação económica; perceber que só a modernização e a qualificação, e não o embaratecimento e a precariedade, podem ser apostas económicas sustentáveis e compatíveis com as legítimas aspirações dos portugueses. Olhar para o Estado, não como um entrave ao crescimento e ao investimento, mas antes como um parceiro estratégico das empresas portuguesas. É isto que o PS defende e é isto que propõe no seu programa.
Como sempre dissemos, a estratégia proposta deve ser avaliada no seu conjunto. Não é uma estratégia baseada no estímulo ao consumo; é uma estratégia que reconhece que o consumo, embora não suficiente, é necessário e deve assentar no rendimento. Não é uma estratégia que prejudica o investimento empresarial; é uma estratégia que reconhece que as opções que têm sido seguidas têm custos elevados, mas não atingiram nem atingirão os resultados pretendidos. É uma estratégia que reconhece que as exportações de hoje se devem, sobretudo, a investimentos do passado que não existem no presente. É uma estratégia que reconhece o que falhou e está a falhar, propondo alternativas, que são exequíveis no quadro das nossas obrigações em matéria europeia.
As nossas propostas, conjuntamente, permitem sustentar o crescimento do consumo, do investimento e das exportações que a própria coligação prevê no cenário que enviou a Bruxelas, mas não justifica. Com a mesma restrição, apontamos um caminho alternativo. E explicamos por que razão, com a aplicação da estratégia que propomos, é possível ter melhores resultados. O PS não prevê que o consumo, o investimento e as exportações cresçam a uma determinada taxa; o que fazemos é apresentar uma estratégia coerente que, em conjunto, se aplicada, explica como é possível aumentar o consumo, aumentar o investimento e aumentar as exportações face a um cenário em que essas medidas não são executadas.
O modelo macroeconómico que usamos simula efeitos de um conjunto de políticas sobre um cenário base. Não prevemos que o investimento cresça x, mas que, com as nossas políticas cresça mais y do que na ausência de medidas. Nós apresentamos impactos, variações sobre um cenário de políticas invariantes. E fazemo-lo com base em parâmetros e técnicas usados pela generalidade das instituições nacionais e internacionais. Temos confiança nas nossas propostas e procuramos que elas fossem públicas, transparentes e escrutináveis. Uma coisa sabemos: se nada for feito para alterar as políticas que têm sido seguidas, a economia portuguesa está condenada à estagnação, ao definhamento e os portugueses à ausência de futuro.
* João Galamba é dirigente do PS e deputado.
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