Contados os votos, é altura para tirar algumas conclusões. Eis sete factos que sintetizam o que de mais importante se passou com estas eleições.
1. Partidos do arco do euro em queda, mas ainda fortes
O bloco dos partidos do arco da governação continua em queda. Tal como foi vaticinado durante a campanha e com a crescente polarização de forças políticas – havia 16 forças por onde escolher nos boletins eleitorais -, PSD, PS e CDS conquistam cada vez menos eleitores. Não valiam tão pouco juntos em termos de percentagem de votos desde 1985 – somam agora 70,9% das escolhas dos portugueses. Para isto contribuíram vários fatores, nomeadamente PSD e CDS concorrem juntos neste escrutínio e a partilha de votos à esquerda, com o PCP e o Bloco de Esquerda a conseguirem votações expressivas, possivelmente entrando no eleitorado socialista. A coligação Portugal à Frente (38,5%) consegue eleger 107 deputados, o PS (32,3%) 86, o BE (10,2%) 19 e a CDU (8,2%) 17 deputados.
2. A 1ª coligação em Portugal que sobreviveu vai governar em minoria
Governos minoritários e governos de coligação já existiram em Portugal. Mas nunca houve um Governo de coligação que conseguisse sobreviver até ao fim. E, claro, nenhum que acabasse reeleito desta forma. Facto também é que vamos ter o primeiro Governo de coligação… minoritário. O princípio para fazer uma coligação é conseguir uma maioria absoluta que dê estabilidade à governação, mas PSD e CDS deixaram de ter maioria e estão agora vulneráveis às restantes forças políticas no Parlamento. Estão ainda por vir as tensões entre os dois grupos parlamentares – ou apenas um? -, que, apesar de quatro anos de trabalho conjunto, divergem nalguns pontos da governação.
O alinhamento dos deputados nas duas bancadas terá também de ser muito maior para viabilizar as iniciativas do centro-direita e haverá pouco espaço para dissidentes.
3. O PS não vai fazer vida fácil ao PSD/CDS
António Costa optou por ficar à frente do partido, embora tendo um resultado sofrível. Elegeu mais 12 deputados do que em 2011 mas ficou bem longe da maioria. Nem sequer conseguiu ter mais deputados do que o PSD sozinho. António Costa fica mas vai manter a pressão sobre o PSD. Não afastou completamente a possibilidade de derrubar o Governo à primeira oportunidade – o novo Governo tem que apresentar o programa de Governo no Parlamento que não tem que ser sujeito a votação, a não ser que algum grupo parlamentar apresente uma moção de rejeição.
“Ninguém conte connosco para sermos só uma maioria do contra sem condições de formar uma alternativa”, disse Costa na declaração que fez na noite eleitoral. Sobre o Orçamento do Estado para 2016, essencial para a governação Passos/Portas, Costa não quis dizer o que vai fazer quando apresentarem o documento até porque, lembrou, ainda muito vai acontecer até lá. Durante a campanha eleitoral, chegou a dizer que nunca viabilizaria tal documento.
4. Os críticos não vão fazer vida fácil ao PS
Se Costa não fará a vida fácil a PSD/CDS, os críticos também não farão a vida fácil a Costa. À espera de um desaire eleitoral há algumas semanas, os apoiantes de António José Seguro (destronado por Costa) deram sinal rapidamente que não aceitariam que um líder que perde eleições se mantenha no cargo. Costa avançou para a liderança do PS depois do partido ter ganho as eleições europeias por uma margem que classificou de “poucochinho”.
Os seguristas exigem um congresso extraordinário e ainda estão a ver se é possível que este se venha a realizar antes do fim do ano que é como quem diz antes das eleições presidenciais. Palavras como “criminoso”, “cinismo” e “alienação” voaram rapidamente. As primeiras reações não foram, pois, nada suaves, antevendo uma guerra dura nos próximos meses.
5. As presidenciais estão completamente em aberto
Marcelo Rebelo de Sousa, que ainda não apresentou a sua candidatura nem adiantou nada sobre a sua intenção de concorrer a Belém, ganharia com clara vantagem as presidenciais se estas eleições decorressem amanhã. Uma sondagem da Intercampus para o Público e a TVI, dá ao professor catedrático de Direito 49,3% das intenções de voto, deixando a segunda classificada, Maria de Belém Roseira, a mais de 30% desse resultado. A socialista teria assim 17% dos votos, Rui Rio 15,1% e Sampaio da Nóvoa 10,1%. Se Marcelo desistir da corrida, o PSD, mesmo que apresente Rio, pode ter uma vida difícil.
Com uma crise interna no PS, o candidato preferido de Costa, Sampaio da Nóvoa, poderá não ir longe. Maria de Belém Roseira segue à frente nas sondagens à esquerda e tem o apoio de uma parte importante do PS que não se conforma em apoiar a candidatura de um independente. As presidenciais irão decorrer em janeiro de 2016 e o calendário terá de avançar já no próximo mês.
6. Mark Twain visitou o Bloco de Esquerda
O Bloco de Esquerda pode roubar o argumento do CDS sobre as sondagens prejudicarem o partido na campanha e não se concretizarem nos resultados eleitorais. Diziam elas que o Bloco de Esquerda veria o seu grupo diminuído para metade, quando, na verdade, duplicou o número de deputados na Assembleia da República. A subida em flecha para o melhor resultado de sempre mostra que também Mark Twain esteve com o BE, mostrando que o anúncio da sua morte foi “claramente exagerado”.
Dois fatores contribuíram para esta subida do partido: Catarina Martins e Mariana Mortágua. A líder do Bloco de Esquerda surpreendeu nos debates, tendo boas prestações em todos os embates televisivos. Já na rua, Catarina Martins mostrou-se confiante e capaz de se fazer ouvir no meio da cacofonia da campanha.
Mariana Mortágua, que se tornou uma estrela política depois da comissão de inquérito ao BES, conseguiu mobilizar o Bloco de Esquerda em Lisboa e levar o partido a eleger cinco deputados na capital. A irmã gémea, Joana Mortágua, também foi eleita por Setúbal. Em 2011, o BE teve 5,19% dos votos e obteve oito lugares, agora mais do que duplica o score.
7. A mediatização não garantiu a eleição dos pequenos partidos
Golpes de publicidade como aparecer nua na capa de uma revista de uma popular apresentadora de televisão parecem não ter grande impacto no eleitorado, como se pode comprovar pela experiência do Agir/PTP/MAS que não conseguiu eleger nenhum deputado apesar de Joana Amaral Dias ter ficado amplamente conhecida pelo grande público. Esta força política conseguiu apenas 20 mil votos, ficando longe de eleger um representante.
Também o Livre, que promoveu várias iniciativas diferentes como passeios de bicicleta e ciclos de cinema itinerantes e desafiou várias vezes o PS para entendimentos, também falhou o objetivo de eleger deputados. Os nomes fortes do partido como Rui Tavares em Lisboa e Ana Drago no Porto ficaram fora do Parlamento. O partido conseguiu apenas 0,72% da preferência dos votos, o que equivaleu a quase 39 mil votos.
Em contrapartida, a estrela acabou por ser o PAN que conseguiu eleger um mandato em Lisboa – praticamente sem cobertura mediática.
Ilustração: Milton Cappelletti