Poucas semanas depois de ter começado mais um ano letivo, entre as discussões sobre o preço dos manuais escolares e as campanhas de publicidade massivas para vender material escolar, regressamos à escola dos anos 80. Essa década que marcou a transição para a educação de massas, onde o consumo começava a ser mais fácil mas ainda era espartano e quem mandava eram, definitivamente, os pais e os professores.
Nos anos 80 as escolas só reabriam na primeira semana de outubro, depois de três meses infinitos de férias. O primeiro dia de aulas tinha já sabor de outono. Estreavam-se roupas novas, a mala tinha que durar pelo menos quatro anos, o estojo pelo menos um ano letivo inteiro e só havia margem para comprar cadernos, lápis e borrachas quando estes se gastavam.
Não havia birras nem invejas do colega do lado, até porque a escolha não era muita e quase todos tínhamos coisas iguais. Nas cidades ou na província a moda era a mesma: kispos, fatos-de treino, ténis, camisolas de gola alta, gorros de malha e, nos dias de chuva, botas de borracha para andar a saltar dentro das poças. Convenhamos que esta modernidade com pavimentos lisos e estradas alcatroadas estragou muitas delícias da vida infantil…
Nesse tempo em que não havia ASAE, paranoias securitárias e pedófilos em cada esquina, íamos e vínhamos a pé para a escola, comprávamos bolos com creme numa padaria que houvesse pelo caminho, passávamos o tempo livre na rua, corríamos para todo o lado, pendurávamo-nos com audácia em árvores, muros, redes, éramos quase todos magros, ágeis e expeditos. De casa levávamos um aviso: ai de ti que a professora me venha fazer uma queixa.
Depois da escola, ao fim da tarde, havia desenhos animados na televisão. Primeiro ainda os víamos a preto e branco, depois passou a ser a cores. Ser criança nos anos 80 teve essa coisa importantíssima que era uma programação televisiva pensada para educar. Havia os desenhos animados japoneses que nos faziam chorar claro, como o Marco ou a Candy Candy. Mas depois havia os desenhos animados da Europa de Leste do Vasco Granja, os clássicos da literatura contados em versão infantil como o D’Artacão (Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas), Willy Fog (A Volta ao Mundo em 80 dias de Júlio Verne), Tom Sawyer (Tom Sawyer de Mark Twain), ou a série francesa Era uma vez …o espaço, que tinha este maravilhoso genérico:
(Agora diga lá se não sentiu uma lagrimita de saudade ao ouvir isto?)
Nos anos 80 colecionávamos cromos e enchíamos cadernetas, trocávamos os repetidos com os colegas na escola e o momento em que se preenchia toda a caderneta era uma alegria. Mas a mania do colecionismo não se ficava por aí. Havia as coleções de cápsulas dos refrigerantes para ganhar um copo, uma t-shirt ou um brinquedo, as coleções de borrachas perfumadas ou de folhas coloridas para o dossier, dos autocolantes do Bollycao, dos invólucros das pastilhas elásticas…
Por falar em pastilhas elásticas, também só as comíamos de vez em quando, por isso era preciso que durassem. Técnica: colá-las debaixo da mesa à hora das refeições e depois ir lá buscá-las e metê-las na boca outra vez. Nessa altura todas as pastilhas elásticas eram brancas e nós, sábios ingénuos, mordíamos um bico de um lápis de cor et voilá… tínhamos uma pastilha de qualquer tonalidade que exibíamos em grandes balões.
Como é que passámos por tantos perigos e sobrevivemos?