Alice Bowman é a chefe de operações (Mission Operations Manager) da missão New Horizons a Plutão. Já contámos a história da missão neste artigo. Esta quarta-feira, o Observador falou com a cientista e descobriu alguns pormenores e desafios da missão, que teve início a 19 de janeiro de 2006 e que só nove anos e meio depois chegou ao destino.

Mas comecemos pelo início. O fascínio de Alice Bowman pela exploração espacial surgiu nos anos 1960. “Vocês não se lembram dos anos 60, mas foi uma época fascinante para a exploração espacial”, disse para a plateia de estudantes, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. A cientista, engenheira física de formação, lembra-se de ter ficado deslumbrada com a chegada do Homem à Lua, que viu na televisão a preto e branco. “Com a minha mãe e irmã, de pijama”, acrescenta.

Em criança, um dos seus programas favoritos eram os desenhos animados “The Jetsons”, que retravam uma família que vivia no espaço. “Era incrível pensar que um dia as pessoas poderiam viver no espaço,” disse.  Mais tarde, já nos anos 1970, ver uma das fotografias tiradas pela missão Viking a Marte foi simplesmente “espetacular”, porque a sonda relevou que era possível explorar o espaço para além da Lua.

Agora, 40 anos depois,  Alice Bowan e a sua equipa tiveram a experiência da exploração do deep space (o espaço mais distante da Terra, nos limites do Sistema Solar e para além dele) com a aproximação a Plutão, que aconteceu a 14 de julho de 2015. A missão teve início nove anos e meio antes, com o lançamento mais veloz alguma vez feito a partir da Terra, a quase 58 mil quilómetros por hora.

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No decorrer da viagem até Plutão, a sonda passou por Marte a 4 julho de 2006, por Júpiter a 8 de fevereiro de 2007, por Saturno a 6 de agosto de 2008, por Urano a 18 de março de 2011, por Neptuno a 24 de agosto de 2011, antes do encontro com Plutão que aconteceu a 14 de julho de 2015.

De todos os pontos de referência da viagem, um dos mais importantes foi a aproximação a Júpiter.

“Trinta meses após o lançamento, chegámos a Júpiter. Júpiter é muito importante na nossa trajetória. Com a ajuda gravitacional que a entrada na sua órbita nos deu – porque entrámos nela na janela temporal mais oportuna –  a sonda ganhou ainda mais velocidade. Era importante ganharmos velocidade porque queríamos chegar a Plutão o mais depressa possível,” contou Alice Browman.

A passagem do tempo é um maiores desafio da missão. E desenvolver a virtude da paciência começa imediatamente após o lançamento. Só um quarto de hora depois de a nave descolar é que a equipa obteve o “primeiro sinal de vida”. Esse quarto de hora, que parece uma eternidade para confirmar que tudo começou como previsto, pode ser considerado um mero instante no tempo da missão.

Atualmente, a transmissão do sinal de rádio da Terra até à sonda demora quatro horas e meia, o que significa que a trajectória da sonda tem que ser calculada com base nesse tempo. Não se pode enviar o sinal para o local onde a sonda está no momento do envio, mas onde se calcula que vá estar quando o sinal lá chegar. O que equivale a nove horas para fechar o ciclo de comunicação: envio, sonda, resposta.

Quando fazemos os cálculos e percebemos o tempo que demora a comunicar com a nave, através de rádio frequência… Demora 4 horas e 25 minutos… Isso é um desafio. Nada acontece rapidamente. Temos que esperar e antecipar o que pode acontecer para podermos comunicar no tempo certo.”

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Alice Bowman deu a palestra no Instituto Superior Técnico, no âmbito do programa American Corners Portugal, promovido pela Embaixada dos Estados Unidos da América em Portugal

O tempo e, claro, a distância – está a cinco mil milhões de quilómetros da Terra – pareciam dois obstáculos intransponíveis. Parecem óbvios, mas influenciam e definem de forma transversal a missão. E, por vezes, a solução para resolver uma parte desses problemas, podendo não ser óbvia, sempre esteve à vista. Um exemplo? Armazenar a informação da forma mais fiável possível.

Demorámos nove anos e meio até atingirmos o nosso objetivo principal. Como é que se guarda o conhecimento adquirido durante esse tempo? Especialmente quando sabemos que a tecnologia vai mudar e os meios de que dispomos antes do lançamento vão mudar? Temos que planear: como vamos manter os nossos sistemas informáticos, como mantemos os nossos documentos e registos de missão? Com o bom e velhinho papel. E foi o que fizémos. Imprimimos muitos documentos de missão para que pudessem estar sempre disponíveis ao longo dos anos.”

Gerir uma missão que envolve tecnologia de ponta sabendo que essa tecnlogia está em constante evolução até parece fácil. Mas nem tudo pode ser armazenado e feito à moda antiga.

Em relação aos sistemas informáticos, isto pode parecer engraçado, mas uma das coisas que fazemos é que temos pessoas que monitorizam o eBay e se algum dos nossos sistemas é posto à venda por alguém, compramos. Só para podermos ter esses suplentes à mão, ” revelou Alice Bowman. Temos que pensar em muitas coisas quando dirigimos uma missão de tão longo prazo.

Com tantos problemas e dificuldades, porquê ir a Plutão? A resposta é tão simples, quanto óbvia, pelo menos para um cientista com sede de conhecimento. “Porque nunca lá fomos,” respondeu Bowman. “E porque desde que foi descoberto, por Clyde Tombaugh, em 1930, Plutão sempre foi uma carta fora do baralho” disse. “As órbitas dos outros planetas são planas e a de Plutão é inclinada,” referiu a título de exemplo. Ou seja, a órbita de Plutão é considerada em termos astronómicos, uma órbita excêntrica, que está inclinada em relação ao disco sobre o qual todos os planetas têm as suas órbitas.

Plutão demora 248 anos a dar uma volta ao Sol. Foi “despromovido da condição” de planeta a 24 de agosto de 2006, sete meses depois de a New Horizons partir ao seu encontro e antes de completar uma volta à sua órbita. 1989 foi o ano em que Plutão esteve mais próximo da Terra, a 38 UA (Unidade Astronómica, a unidade de distância que equivale à distância média entre a Terra e o Sol), ou seja, cinco mil milhões de quilómetros.