Nem todo o bom humorista é um bom cómico, nem todo o bom comediante é um bom ator e nem todo o bom argumentista é um bom cronista. “O Gregório Duvivier é tudo isso ao mesmo tempo e vice-versa”, elogiou o também brasileiro Luís Fernando Veríssimo. “É económico – você paga por um Duvivier e leva seis”. O fundador do grupo Porta dos Fundos está de regresso a Portugal e quem pagou pela viagem de avião fez um bom negócio.
Trouxe o escritor, que se estreia a publicar em Portugal com o livro de crónicas Caviar é uma Ova; trouxe o ator, que se vai apresentar em 10 cidades portuguesas com o monólogo “Uma Noite na Lua”; e trouxe o autor, que vai pegar em alguns dos seus textos de poesia e protagonizar, a 23 de outubro, um espetáculo de stand up poetry integrado no FOLIO, em Óbidos.
Diz-se um apaixonado pela literatura portuguesa. E não é graxa. Nas crónicas que publica desde 2013 no jornal Folha de S. Paulo, e que deram origem ao livro, cita Eça de Queirós, Álvaro de Campos e José Saramago. Na entrevista, que decorreu em Lisboa antes da apresentação de Caviar é uma Ova no Teatro D. Maria II, citou António Lobo Antunes.
No espectro político, situa-se como “muito de esquerda”. Com o Brasil mergulhado numa “crise política que gera ódio entre as pessoas”, assume que está a acompanhar a situação política portuguesa tão entusiasmado quanto confuso. “É a prova de como vocês são um país complexo, porque tem as eleições e aí depois decidem quem ganhou”, diz a rir-se, para logo dizer uma frase que só espantará os mais distraídos: “Estou torcendo pela união das esquerdas”. Será o empurrão que falta para que Gregório Duvivier troque o Rio de Janeiro por Lisboa?
Já tinha estado em Portugal este ano com o Porta dos Fundos, depois no Festival Literário da Madeira e fez uma aparição no programa “Governo Sombra”. Agora, lança um livro em Portugal, apresenta um monólogo e um espetáculo de stand up poetry. Quando é que se muda para cá mesmo?
[risos] Eu espero que logo! De verdade. Mas há muitas coisas que me prendem lá no Brasil, o Porta dos Fundos, os amigos todos, eu tenho uma vida lá. Mas eu tenho muita vontade de vir, sinto-me muito à vontade aqui, as pessoas são muito acolhedoras e há muita coisa acontecendo, muita cultura e tenho muitos amigos novos também aqui. Conheci pessoas muito talentosas e acho que adoraria trabalhar com elas. Por exemplo, recebi hoje um SMS do César Mourão, me chamando para fazer o “Commedia a la carte”, que eu adoro.
É um carioca muito crítico para com o Rio de Janeiro, onde vive. Caso se mude para Portugal, não vai começar a escrever crónicas apontando os defeitos do país?
Talvez. Mas do que eu mais falo mal é também do que eu mais gosto. Eu falo muito mal do Rio, mas sou apaixonado pela cidade. É só porque falar mal do Rio é quase uma inversão da expectativa, porque todo o mundo espera que só se fale bem. A imprensa do Rio fala bem do Rio, que é um absurdo. Aliás, o que a imprensa de São Paulo e a do Rio têm em comum é que as duas odeiam São Paulo e amam o Rio. É muito engraçado isso. Os próprios paulistas adoram falar mal de São Paulo.
Eu adorei o livro de crónicas do Ricardo Araújo Pereira, a Tinta da China me mandou o dele e eu li inteiro. Faltam ainda dois tomos, porque ele tem três. Uma das coisas que ele fala é da mania dos portugueses de fazer listas de portugueses no topo do mundo. Sempre tem uma matéria sobre um português no topo do mundo, então ele botou no Google ‘inglês no topo do mundo’ e não tem nenhuma entrada, porque é tão óbvio para eles que não é notícia.
Há uma aposta sua em Portugal. Sente que tem aqui uma base grande de fãs?
Foi uma surpresa enorme a primeira vez que eu vim, com o Porta dos Fundos. Porque você nunca espera atravessar um oceano e ter gente que gosta de você. É surpreendente. E ainda não me acostumei com o facto de um país com tanta literatura, com tanto humor de qualidade, ainda consome o nosso humor e a nossa literatura. Porque vocês têm muita oferta, tem muita coisa boa aqui. Fico triste de não poder ficar cá mais tempo como espectador, para ver as peças de teatro.
Já viu alguma peça cá?
Ainda não. Quero muito ver o Tiago Rodrigues, por exemplo. Acho que vou conhecê-lo hoje [quarta-feira, dia da apresentação do livro no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa], mas estou louco para assistir às tragédias gregas que estão em cena agora. Queria ficar cá um tempo assistindo e participando. Tem uma onda de brasileiros vindo para cá, né? O Marcelo Camelo e a Mallu Magalhães, tenho alguns amigos também que estão vindo para cá, seja para estudar na Universidade de Coimbra ou na de Lisboa, seja para atuar. São sobretudo artistas, porque o Brasil está um caos profundo. Pior do que a crise económica é a crise política, que gera um ódio entre as pessoas. Há brigas porque você acredita noutra coisa, as pessoas te odeiam por isso.
Tem acompanhado a atualidade política em Portugal? Sabe o que se está a passar?
Tenho. Está tudo muito confuso! É a prova de como vocês são um país complexo, porque tem as eleições e aí depois decidem quem ganhou [risos].
É a primeira vez que acontece aqui.
Isso é muito louco. Estou torcendo pela união das esquerdas, que é muito difícil de acontecer. No Brasil é impossível. É que as direitas querem a mesma coisa: rigor mortis. Elas sofrem disso, de uma estagnação, ou de um retrocesso. Em geral, um retrocesso. E a esquerda, cada uma quer uma coisa, porque o que define ela é a mudança. Então, mudar para onde? Cada esquerda quer uma mudança diferente e fica aquela esquizofrenia, porque é muito mais difícil se unir em torno da mudança do que da estagnação. Se acontecer aqui vai ser um milagre e tomara que aconteça um dia no Brasil também. Porque para se eleger, o PT [Partido dos Trabalhadores, de Dilma] se aliou ao PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro], um partido sem ideologia cujo único objetivo é se perpetuar no poder. Coisa que consegue fazer há 20 anos, desde que começou a democracia no Brasil. É preciso se aliar porque eles têm muitos deputados, então o PT se aliou a ele. Só que é um partido muito corrupto, tudo começou errado porque a esquerda teve de se unir ao que há de pior para se eleger. Se a esquerda se unisse entre ela — porque tem partidos mais à esquerda do que o PT, como o PSOL, por exemplo, ou a Rede que surgiu agora — ela seria muito maior.
Há diferenças na forma como os dois países o tratam?
Sim. Os portugueses são muito educados. É engraçado, às vezes sinto que quando uma pessoa está me reconhecendo e está com vergonha de falar, eu é que tenho de olhar e dizer: ‘Pode falar’. Então aí ela vem e pede para tirar uma foto, mas as pessoas são mais cuidadosas aqui, eu acho. Não só em relação a isso, a tudo. Na rua, quando você pede uma informação, as pessoas são muito cuidadosas e afetivas. No Porto, então, acho que eu fiquei ainda mais surpreso, como as pessoas no Porto são simpáticas e acolhedoras. É das coisas que mais me anima em vir para cá, esse misto de gentileza com afeto. Acho um país muito gentil, sobretudo com o estrangeiro, com o desconhecido. É claro que vocês reclamam, tem uma coisa turrona, às vezes mal humorada das pessoas, mas eu acho que, de modo geral, são acolhedores com o ‘gringo’, como a gente chama.
E o Gregório que está em Portugal, é o mesmo que está no Brasil? Ou sente que há mudanças quando sai do avião cá? Sente que pode ser uma pessoa diferente?
Sim, claro. Eu sou muito contaminado pela cidade, aqui eu fico… Em primeiro lugar bebo muito, porque as pessoas aqui bebem muito [risos]. Nossa, como se bebe! Depois eu engordo alguns quilos também, porque se come muito, e bem. Eu espero levar para o Brasil um pouco desse afeto de vocês. Acho que é uma coisa boa que a gente herdou, porque o brasileiro também tem afeto no trato, né? Mas aqui dá para ver que a raiz desse afeto é aqui, porque tem afeto e também muita polidez. Vocês são muito mais educados do que os brasileiros, eu acho.
Mais contidos?
O brasileiro é muito invasivo. No Brasil não tem limite entre o meu espaço e o seu, sabe? Você não conhece a pessoa e ela já está pegando na sua pele, te abraçando. Não tem nenhuma fronteira entre os corpos.
Como carioca, cresceu com esse trato. Nunca se habitou?
Eu cresci assim. Mas me incomoda um pouco, eu acho estranho. Ainda mais com a Porta dos Fundos, hoje em dia as pessoas vêm e interrompem o tempo todo. Por exemplo, uma coisa que me dá aflição é livro. Pô, quando uma pessoa está com um livro é um código de como ela está ali entretida. Isso no Brasil não existe, e não digo só comigo, é com todo o mundo. Se uma pessoa abre um livro, a outra vem do lado e começa a conversar, acha que se ela está com um livro é porque está entediada. Não percebe que a leitura é uma atividade que exige concentração.
Caviar é uma Ova inclui algumas crónicas que já saíram no Put Some Farofa, que publicou no ano passado no Brasil. Como fez a seleção para o público português? Isto é, quais foram os critérios para tirar umas e incluir outras?
Eu simplesmente não selecionei. Botei todas, todas. Eu ia selecioná-las, mas a Bárbara Bulhosa, que é a editora da Tinta da China, falou que todas são relevantes para Portugal, porque tem aqui um interesse muito grande pelo Brasil. Então, mesmo os factos e as pessoas que elas desconhecem, há interesse em saber quem são, por isso mantivémos na íntegra.
Mas há textos que faltam.
A única coisa que eu tirei foram os sketches do Porta dos Fundos. De resto, estão todas as crónicas que publiquei na Folha e várias novas, todas entre junho de 2013 e agosto de 2015.
Atrasa-se mesmo a enviar as crónicas?
É verdade. Eu atraso toda a semana. Tenho de mandar até sábado e esta semana ainda não escrevi nada. Mando sempre no sábado, no último segundo possível.
Isso é preguiça ou perfecionismo de ir alterando o texto até à última? Notei que há textos ligeiramente alterados. Na “Breve Historia da Internet”, por exemplo, uma frase foi retirada e o final também tem uma ligeira alteração. Na crónica “meus pais” também acrescentou um parágrafo no final.
Que engraçado, sabia que eu não tinha percebido isso? Bom senso de observação o seu. Aqui está igualzinho ao que saiu na Folha. Na verdade, essas pequenas mudanças foram para o Put Some Farofa, porque a editora brasileira [Companhia das Letras] achou que aquele final era um pouco didático. Eram coisas estilísticas. Eles fizeram as sugestões e eu deixei porque confio muito na editora. Mas agora percebi que tem duas versões das crónicas.
Volto então à pergunta. É pura procrastinação?
Exatamente. Bom, é um misto dos dois, porque confesso que, enquanto eu releio, eu mudo. Isso é um problema. Enquanto eu estiver relendo, eu vou mudando. Então é uma mistura explosiva entre procrastinação e perfecionismo que faz com que eu me atrase sempre.
Descobre alguma coisa nova quando se relê?
Sim! Agora mesmo, quando tirava a foto e abri o livro, eu estava lendo a crónica “Serhumanidade” e percebi: ‘Que burro, devia ter explicado antes que era esquerda caviar’.
E foi precisamente daí que tirou o título do livro.
É uma crítica. Parece que as pessoas acham que a esquerda tem de ser franciscana. Elas confundem tudo, porque Marx nunca disse que você tem de abdicar de todas as riquezas e que todo o mundo tem de ser pobre. Quem disse isso foi Jesus! E ninguém chama o padre de cristão caviar. Nem digo o padre, mas o crente. Voce não chama a direita de cristão caviar, quando eles têm uma leitura muito seletiva da Bíblia. Tem uma compreensão errada, a esquerda não é pela abdicação de todos os bens materiais, muito pelo contrário, é a vontade de democratizar os bens materiais.
Uma das crónicas novas é “A Caravana Passa”, sobre a sua primeira peça de teatro, “Zenas Emprovisadas”. Ainda conseguem improvisar depois de 10 anos?
Sim, mas com a ajuda de aparelhos, a gente anda com soro [risos]. A gente é muito amigo, eles foram os meus primeiros amigos no teatro, quando estreámos a peça eu tinha acabado de fazer 17 anos, a gente cresceu junto no palco e foi com essa peça que todo o mundo virou ator, eu, Marcelo Adnet, Fernando Caruso, que também já veio muito cá, e Rafael Queiroga. A gente se encontra uma vez por ano para fazer a peça porque a gente adora. É meio Commedia a la Carte, são jogos de improvisação, e o barato disso é que nunca fica velho porque é sempre desafiador.
Gosta tanto de improvisação que agora também está em cartaz com “Portátil”, espetáculo do Porta dos Fundos.
É uma improvisação diferente. Enquanto a Z.E. era de jogos de improviso com o público, a Portátil não. É em formato longo, tem uma hora de improviso. A gente pede para um voluntário da plateia contar no palco como é que os pais dele se conheceram, como é que foi a infância dele, como é o trabalho, qual o principal problema dele atualmente e o grande sonho da vida dele. Daí a gente usa esses pontos para encenar a vida dessa pessoa, sem combinar nada, e faz uma peça de uma hora e quinze minutos.
O Gregório era uma criança tímida e essa foi a principal razão para ter começado a fazer teatro. Para além da apresentação do livro, vai ficar cá um mês a apresentar o monólogo “Uma Noite na Lua”, de João Falcão.
Eu era uma criança muito tímida mesmo, achava o convívio difícil. Bom, eu preferia era não conviver com as outras pessoas, ficava no meu quarto. Gostava muito de ler, lia compulsivamente. Uma vez os meus pais me mandaram para uma colónia de férias, foi um pesadelo! Eu pedi para voltar no segundo dia e eles não deixaram, eu só chorava. Tinha já 10 anos [risos]. Não me dava bem com outras crianças. Me achava mais velho, era chato. No teatro eu me lembro de ter me encantado muito com a presença do outro. Foi no palco que eu tive a primeira experiência de troca real com seres humanos, lembro de eu ter falado uma coisa, de ver as pessoas rindo, e eu vi que isso é a conexão, a comunicação com outros. Por isso é que a vida vale a pena, por essa troca.
Os encontros enriquecem muito a gente e eu tive encontros muito bons no teatro, até porque ele te obriga a estar num coletivo. Foi isso que me fascinou, descobrir que o encontro com os outros pode ser proveitoso e prazeiroso. O que eu percebi primeiro foi como era bom ser gostado e depois como era uma experiência fantástica provocar o riso. Depois, como era bom fazer um projeto coletivo, sabe? Fazer parte de alguma coisa maior. Porque a grande dificuldade de escrever é que é árido. Você escreve, publica e, muito tempo depois, se alguém ler e gostar vem-te falar isso. O teatro é imediato. O tímido morre de medo do ridículo. E no teatro você percebe que o ridículo é a melhor coisa que pode acontecer. Você perde o medo do ridículo, e isso é fundamental para a felicidade na vida. Ser ridículo, ser patético, tudo isso é muito bom.
Lida bem com a crítica?
Eu tento não lidar com a crítica, tento lidar só com quem gosta de mim. Quem ofende e agride não merece resposta. Claro que as discordâncias são muito positivas.
Não vai ler os comentários online?
Eu ia muito ler. Hoje em dia evito, porque me faz muito mal. Prefiro não saber o quanto sou odiado. Se tivesse acesso aos pensamentos das pessoas seria um inferno! Imagina se eu soubesse, quando você passa, tudo o que você pensa sobre o meu trabalho. E se as pessoas tivessem acesso aos meus pensamentos também seria um inferno para elas. E a internet, no fundo, te dá a possiblidade de ouvir o que as pessoas estão pensando. O que elas escrevem numa caixa de comentários, elas não teriam coragem de dizer ao vivo. No fundo é um pensamento delas muito profundo que na verdade não era para você tomar conhecimento.
Disse que as discordâncias são positivas e elas existem muito no seio do Porta dos Fundos, em relação a textos que não tenham piada, por exemplo. Mas e em relação a temas? O Gregório é de esquerda, entra em choque com algum colega de direita por causa de certos textos?
Gera o tempo todo, a gente discorda totalmente e eu acho isso bom. Porque eu, por mim, talvez transformasse o Porta num canal de esquerda. O limite é a graça. Por exemplo, quando batem forte na Dilma mas é engraçado, a gente aprova. Eu acho isso bom, até para me proteger do facto de eu ser muito de esquerda. É bom eles estarem lá, até para me moderar.
Mas agora vai ter um canal político, nos novos canais temáticos do Porta dos Fundos. Como é que vai ser?
Mas aí pode. É por isso que eu estou fazendo. O Porta tem muitas pessoas diferentes. O António é de direita, o João Vicente é ativista pelos direitos dos animais. Então se eu o transformasse num canal de esquerda, ou se o António Tabet transformasse num canal de direita, ele ficaria pior, mais sectário.
Voltando a “Uma Noite na Lua”, o que é que o público vai poder ver?
Ele vai ver tudo. É uma comédia com momentos tristes — tem muita gente que chora no final –, tem momentos musicais onde eu canto, tem momentos tensos, porque ele tem de escrever uma peça numa noite e você vê o tempo correndo. Tem vários géneros, o que é uma delícia. Acho que é por isso que eu estou há tanto tempo com a peça, nunca é enfadonho, a cada apresentação eu passo por uma montanha russa, uma epopeia para chegar no final.
Disse que este texto de João Falcão era o melhor e o mais completo que já leu na sua vida. Identificou-se com ele de alguma forma?
Muito. Ele fala sobre uma crise de um autor e eu tenho essa crise toda a semana, de ter de espremer a cabeça para ter ideias. É basicamente uma pessoa distraída, que não pensa no que ela tem de pensar, por isso não consegue escrever. Fica pensando na mulher que estava com ele e que o deixou, mas essa mulher só deixou ele porque, enquanto estava com ele, só pensava na peça que tinha de escrever. Ele está pensando o tempo todo no que ele não deveria estar pensando. É a história da minha vida. Eu nunca estou com a cabeça onde eu deveria estar, esqueço tudo em todos os lugares. Tem uma crónica do Lobo Antunes muito bonita sobre isso, sobre o facto de a grande tristeza da vida dele ser nunca estar onde deveria, o que é tristíssimo para as pessoas próximas dele.
Também vai estar em Óbidos no dia 23 de outubro com um espetáculo de stand up poetry. De onde selecionou os textos?
É a primeira vez que vou fazer isso. Os textos são dos meus livros de poesia e acho que vou falar alguns daqui [Caviar é uma Ova] também, os mais poéticos. Ainda tenho de escolher.
Na crónica “Ator e autor” disse que nunca se tinha sentido tão exposto. Por causa do livro?
Por causa das crónicas. Porque o ator está protegido, no sentido em que você não sabe o que ele pensa. Você não tem acesso à personalidade do ator, então quando elogiam dizem: ‘Gosto muito do seu trabalho’. O mesmo quando criticam. Já o autor, quando falam bem, é: ‘Eu amo você, amo o que você pensa’. Ou o contrário, ‘odeio você, odeio o que você é’. A crítica ao autor, assim como o amor, é muito mais direta da alma dele, é muito mais pesada.
Também porque acaba por sentir que as suas crenças e partilhas se viram contra si?
É muito estranho ter críticas pessoais. As pessoas acham que me conhecem por causa do que eu escrevo, então muita gente me chama e grita ‘petralha’. Nunca fui especialmente fã do PT, então é engraçado quando vestem você à força por erros de interpretação.
Em alguns textos parece criticar a era das novas tecnologias. A namorada que manda SMS, e-mail, Whatsapp, o casal que se conhece no ICQ, o homem que não aproveita bem o pôr do sol porque não tem o telemóvel por perto e não pode partilhar no Instagram. Isso incomoda-o, ou é parte desta realidade?
Me incomoda mas ao mesmo tempo faço parte. Aliás, me incomoda porque faço parte. Mudou a nossa maneira de ver o mundo, e mudou para pior, no sentido em que a gente vê e ouve menos o mundo. Vemos tudo através de uma tela e eu acho ruim porque estamos viciados nisso. A gente é viciado em recompensas, queremos likes em tudo o que fazemos. A gente não faz as coisas só porque a gente está gostando. A gente quer a recompensa dos outros, a aprovação, para ficar postando. Isso acaba empobrecendo a nossa experiência da vida.
Quando Robin Williams morreu, escreveu na crónica “O Palhaço Grock” sobre a tristeza que havia nele e em tantos outros humoristas. É uma pessoa triste?
Muito. Acho que não dá para fazer humor sem tristeza, assim como Vinicius de Moraes dizia do samba. O humor é feito da sublimação, da indignação mas também da tristeza. O material dele humorístico que eu mais gosto são as coisas pelas quais é mais difícil se fazer humor. Acho que é quase isso que faz uma piada engraçada, a coragem e o risco. É muito difícil fazer piada com tristeza, ela tem coisas que nem as palavras, nem a ciência, nem a argumentação podem explicar, mas o humor pode. Tem piadas que explicam o mundo. A poesia também, acho que os dois têm isso em comum, o poder de explicar o inexplicável. E embora a piada não dê uma resposta para o sentido da vida, ela faz perguntas. Acho que essa é a principal função do humor, fazer as perguntas, muito mais do que dar as respostas. Foi isso que eu tentei fazer neste livro, perguntas. As pessoas estão muito certas de tudo, elas têm muitas certezas. Eu preciso instaurar um pouco a dúvida.
Em março disse-me que queria muito publicar um romance. E que já tinha 10 poemas escritos, que publicaria quando tivesse 40.
Tenho uma ideia para o romance, mas ainda não tenho nada de romance. O que eu tenho e não esperava nessa altura é um livro de ilustrações, que vou publicar no final do ano no Brasil, e quero publicar aqui no ano que vem. Assim como quero publicar aqui os meus livros de poesia, pela Tinta da China, e de repente um novo livro de poesia antes do romance. Eu estou apaixonado pela Tinta da China, acho uma editora muito criteriosa e com um catálogo de autores maravilhoso. Quero muito publicar mais em Portugal, até inéditos. De repente, publico aqui antes de publicar no Brasil. E é até bom porque já vai para o Brasil com críticas mais avalizadas do que as brasileiras [risos].