Quem olhar para o currículo de Gregório Duvivier pode duvidar da data de nascimento que o bilhete de identidade marca. Com 28 anos, o brasileiro que toda a gente conhece como um dos fundadores e ator do grupo humorístico Porta dos Fundos já participou em 20 filmes e outros tantos programas de televisão, não só como ator mas como argumentista. E os dedos das mãos também já não chegam para contar as peças de teatro em que participou. Com apenas 22 anos publicou A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora, um livro de poemas muito elogiado pela crítica. Desde então, já publicou dois outros livros e, em entrevista ao Observador, promete não ficar por aqui.

Esta quinta-feira, às 19h00, Gregório Duvivier vai participar numa conversa cruzada juntamente com João de Melo, Alessandro Barico e Walter Siti no Teatro Municipal Baltazar Dias, no Funchal, inserida no Festival Literário da Madeira. Deixada a Porta dos Fundos fechada, o poeta humorista abre a porta da literatura, mas também fala sobre os ataques de que tem sido alvo por apoiar a presidente do Brasil Dilma Rousseff, numa altura em que os protestos a defender a sua demissão do cargo têm subido de tom.

Sente a pressão de fazer rir? Esta quinta-feira vai participar numa conversa com outros escritores, inserida num evento literário. Preocupa-o se as pessoas vão assistir na esperança de que o Gregório as faça rir? Sente esse peso constante?

Eu sinto essa pressão, mas ela não me afeta. Eu gosto de fazer rir, é um bom estigma do comediante. E gosto de surpreender as pessoa com a poesia.

Para além de ter conseguido publicar um livro muito elogiado de poesia aos 22 anos, o que não é comum, existe também uma imagem de recato associada ao poeta que está nos antípodas do humorista. É a imagem que está errada, ou o Gregório tem um lado introvertido que as pessoas desconhecem?

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Acho que, no geral, as pessoas tendem a não conhecer o poeta. A poesia é menos popular, infelizmente, no Brasil, do que o humor, então o lado humorístico sempre chega a mais gente, mas a poesia também pode ser popular e humorística. Sempre gostei de ler poesia, mesmo na adolescência. A poesia ajuda a viver, ela é tipo autoajuda. O Quintana, poeta brasileiro de quem eu gosto, diz que quem faz um poema salva um afogado. E eu vou me lembrando de alguns poemas ao longo da vida.

Ilustração por Andreia Reisinho Costa

 

Escreveu um poema a convite do Festival Literário da Madeira, que vai estar na coletânea 70 poemas para Adorno, que a Nova Delphi vai publicar agora. É sobre quê?

É sobre Adorno e a frase dele que ficou famosa, sobre como não se poderia fazer poesia depois de Auschwitz. Eu acho que a violência tem de ser uma catalisadora da criatividade, não barrá-la.

Gostou de estudar Letras na universidade? Quando escolheu o curso, tinha em mente o objetivo de ser escritor, poeta?

Foi uma faculdade boa, tinha lá muitos poetas. Tive aulas com Paulo Henriques Britto e foi ele que me fez escrever poesia a sério. Mas o objetivo não era esse. Eu já fazia teatro, era ator, e não queria fazer uma faculdade que fosse redundante, como teatro. Achei que Letras era complementar. Acho que todo o ator devia cursar Letras.

Falam de si como fazendo parte de nova geração de poetas brasileiros, cuja escrita é eclética, as linguagens variadas. Que geração é esta?

A minha geração é composta por individualidades muito diferentes. Não vejo a voz de uma geração, mas a liberdade de cada um ser o que é, cada um manifestar-se sem manifesto poético. Gosto muito de alguns poetas da minha geração que têm muito a ver comigo, como Alice Sant’Anna e a Bruna Beber, poetisas que falam a mesma língua que eu, a gente entende-se muito bem, embora seja muito diferente ao mesmo tempo. Gosto de uma escrita muito urbana, que caracteriza a nossa geração, marcada pelo caos da experiência contemporânea urbana. Somos todos do Rio de Janeiro e crescemos num mundo já com internet, somos a primeira geração marcada por esta invenção que mudou tudo, desde a forma de as pessoas se relacionarem à forma de ver o mundo. E eu acho que tudo isso acaba por se refletir na poesia.

Já escreveu dois livros de poesia e um mais recente, Put Some Farofa, que reúne textos publicados na Folha de S. Paulo e textos do Porta dos Fundos. Sobre o que vai ser o quarto livro?

Eu queria muito publicar um romance, mas não sei se tenho fôlego para isso. Adoro policiais mas acho que vou acabar por escrever sobre o amor, que é sobre o que sempre acabo falando, fatalmente. Também continuo a escrever poemas, tenho 10 já. Quando chegar a 40 publico um livro!

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“Put Some Farofa”, o terceiro livro de Gregório Duvivier, foi lançado no ano passado. © Sara Otto Coelho

Esta quinta-feira vai participar numa conversa que tem como ponto de partida a frase “Na minha violência não há qualquer lugar / nem para a sombra de uma ação / que não seja intelectual”, de Pier Paolo Pasolini. Qual é, para si, o significado desta frase?

Surpreendeu-me essa frase do Pasolini, achei-a difícil de entender, mas gostei. A violência é um tema muito presente para quem vive no Rio de Janeiro. É uma cidade em que você convive com ela a toda a hora, toda a gente já foi assaltada, você abre o jornal e é um chorrilho de barbaridade, então as pessoas aprendem a banalizar a violência. Ao mesmo tempo tem o Millôr Fernandes que diz que o mundo nunca foi tão pouco violento. Havia genocídios que matavam aos milhões, a morte no passado era muito mais banalizada. Só que agora a violência é filmada em HD. O que temos mais é uma documentação maior da violência, mas ela nunca foi tão pouca. É bom lembrar que a vida humana antes não valia nada e hoje vale mais. O que é triste é que a vida de uns valha mais do que outros. A vida do branco ocidental, por exemplo, é como se valesse muito mais. Quando cai um avião é notícia, mas todas as semanas no Brasil desaparece o equivalente a um Boeing de pessoas. Isso não é noticiado.

Como vê a situação política atual no Brasil?

Acho que é uma pena que no Brasil a gente leia tão pouco os jornais e estude tão pouco história. Quando você vê jovens pedindo o regresso dos militares, parece que eles não leram o passado. Nós temos uma democracia muito recente e muito frágil, então parece que face a qualquer ameaça querem derrubar logo. Não sabem que o golpe é uma coisa muito séria. O que eles estão querendo fazer é um golpe. As manifestações de 2012 eram de esquerda, as pessoas queriam mais educação, transportes públicos de qualidade, estavam contra os gastos excessivos da Copa do Mundo. Mas hoje foram-se tornando de direita, pelo golpe militar, contra o aborto, contra o casamento gay.

Mas apesar de o objetivo comum ser a saída de Dilma, há pessoas muito diferentes a manifestarem-se, não é?

Sim, tem de tudo, não há só gente a pedir intervenção militar. O que acontece é que ela foi eleita por estar mais à esquerda, por oposição ao Aécio Neves, que está mais à direita. Ela ganhou com uma diferença muito pequena e descambou a sua política para a direita para agradar os que não estavam com ela. Acabou por desagradar todo o mundo. Eu defendo a permanência no cargo porque ela foi eleita e não fez nada para o desmerecer. Temos de respeitar mais a eleição no Brasil. No dia em que ela ganhou, a oposição falou: se Dilma ganhar as eleições, ela não toma posse. Se tomar posse, não governa. O Aécio chegou a falar que ia fazer a Dilma sangrar.

Tem mostrado apoio público a Dilma e isso já lhe trouxe problemas, até ameaças. O texto que publicou na Folha de S. Paulo sobre os insultos machistas a Dilma também teve reações muito extremadas.

O ódio ao PT [Partido dos Trabalhadores, de Dilma] é tão grande que mesmo quem não seja PT, que é o meu caso — na primeira volta não votei na Dilma, eu não sou PT, sou é mais anti-PSDB — se defendo a Dilma sou imediatamente rotulado de corrupto, porque as pessoas acham que o PT inventou a corrupção. Não, a corrupção vem de trás, o problema vem de trás! Quando uma construtora dá 50 milhões a um candidato, ele depois vai ter de pagar de alguma forma. Chamar a Dilma de vagabunda ou piranha? Perdeu automaticamente a razão. Em 1999 também pediram o impeachment de Fernando Henrique Cardoso e eu também o defenderia. As pessoas querem a cabeça e não percebem que foi o povo que os pôs ali e que o que é preciso é mudar o sistema. Tem muito ódio envolvido, é surreal.

O que é que propunha para começar a resolver o problema da corrupção no Brasil?

Por exemplo uma reforma política que ponha fim ao financiamento privado das empresas. Pode doar como pessoa, mas não como empresa. As eleições são onde começa toda e qualquer corrupção, e é esse ciclo vicioso que tem de ser interrompido. Reformas políticas também são necessárias, por exemplo, para mim, um líder religioso não pode ser político. Há pastores que são deputados e isso é um problema, a fusão entre política e religião.

Acha que o Governo de Dilma Rousseff pode cair?

Acho que o golpe é uma realidade, sim. É uma ameaça real. Todos estão unidos contra a Dilma, os meios de comunicação como a Globo e a Veja, os bancos, a elite. E não duvido que todos unidos consigam derrubá-la.