O escritor de nacionalidade britânica e origem indiana, Salman Rushdie, esteve na inauguração de um colóquio na Universidade do Texas, dedicado à vida e obra do prémio Nobel da literatura Gabriel García Márquez. Na inauguração do evento, que durará três dias, o autor de “Os versículos satânicos” e de “Fúria” deu o seu testemunho pessoal, revelando como ficou a conhecer a existência e obra do escritor colombiano.

Um amigo que leu o meu primeiro romance, Grimus – justamente pouco conhecido [nos dias de hoje] – disse-me: “Noto [no livro] uma grande influência de Gabriel García Márquez”. Tinha 27 anos e nunca tinha ouvido o nome. “Quem é o Gabriel García Márquez?”, perguntei-lhe. “Cem anos de solidão” tinha sido publicado em inglês cinco anos antes, mas nunca se tinha cruzado no meu caminho. O meu amigo respondeu-me, incrédulo, com um misto de lástima e desprezo: “É o autor do livro que vais comprar agora mesmo“. Disse-me o título e questionei-o, duvidoso: “Cem anos? É um bom livro?”. “Não sejas imbecil”, respondeu-me, utilizando [mesmo] uma palavra mais forte [que imbecil]

Salman Rushdie contou ainda o que lhe aconteceu assim que leu a primeira frase de “Cem Anos de Solidão”, publicado em 1967 por García Márquez, falecido em 2014. “Aconteceu-me o que aconteceu a milhões de pessoas: apaixonei-me irremediavelmente. E esse amor durou 40 anos [Rushdie comprou o livro em 1975, portanto, há 40 anos] “, afirmou, em declarações citadas pelo El País. A primeira frase da obra, a que Salman Rushdie se refere, é a seguinte:

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. (Gabriel García Márquez, “Cem Anos de Solidão”)

Salman Rushdie revelou ainda que, embora nunca tenha conhecido pessoalmente García Márquez, chegou a conversar pelo telefone com o colombiano: “Tivemos uma conversa muito longa”, disse, contando ainda que esta decorreu em três línguas: inglês, que García Márquez não gostava de falar, espanhol, em que Salman Rushdie não era especialista, e francês, que ambos sabiam falar. “Nas minhas memórias da conversa, não houve nenhum problema de linguagem”, disse. Rushdie evocou ainda as palavras que escreveu em abril de 2014, aquando da morte de Gabriel García Marquez:

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(…) O seu mundo era o meu, [mas] traduzido do espanhol. Não é estranho que me tenha apaixonado pela sua obra: não pela sua magia, mas pelo seu realismo. Ainda que o meu mundo fosse mais urbano que o seu. É a sensibilidade do povo que dá ao realismo de García Márquez o seu sabor único, onde há uma aldeia em que a tecnologia é receada enquanto uma jovem devota subindo aos céus é perfeitamente verosímil; em que, como nas aldeias indianas, o milagre convive com o quotidiano em todas as vertentes.

O colóquio foi organizado pelo Centro Harry Romson, um centro de humanidades que comprou o arquivo pessoal do escritor em 2014, e o abriu ao público pela primeira vez durante esta semana. Contou com responsáveis do governo colombiano, familiares e amigos de Gabriel García Márquez, e ainda com especialistas que se dedicaram a estudar a sua obra.

Salman Rushdie é o autor de Os Versículos Satânicos”, obra pela qual foi obrigado a viver na clandestinidade depois de o ayatolah Khomeini, líder do Irão, o ter considerado blasfemo e lançado uma fatwa (pena de morte) contra o escritor. O polémico livro, editado em 1988, foi proibido em diversos países.

Texto de Gonçalo Correia, editado por João Cândido da Silva