Estamos no início de novembro e há poucos turistas a calcorrear as ruas. Sente-se falta das pessoas de olhar embevecido, guia a espreitar da mala e mapa na mão. Mas também das lojas de souvenirs onde até o mais experiente viajante se perde entre postais, porta-chaves temáticos e ímanes para o frigorífico. É precisamente essa ausência de correria que faz parte do charme de Lille, a maior cidade do norte de França que, tendo o título, não se comporta como tal. 

Mas o cenário descrito pode estar prestes a mudar, com a low cost EasyJet a expandir as suas asas e, desde o dia 27 de outubro, a voar para Lille à partida de Lisboa. Os três voos semanais, à terça, quinta e sábado, têm uma tarifa disponível a partir de 29,99 euros (50 euros ida e volta, aproximadamente) e resultam da estratégia da companhia em alargar a oferta no mercado francês, o mais forte depois do britânico. Lille é encarada como a porta de entrada para o norte de França (Nord-Pas-de-Calais), além de servir a população belga. A ideia, diz José Lopes, diretor comercial da EasyJet para Portugal, é fechar o triângulo “Lille, Amersterdão e Luxemburgo”. 

Posto isto, qual o interesse dos turistas deste lado da fronteira? Mais do que uma herança flamenga bem visível, Lille está estrategicamente localizada, a poucos quilómetros de distância de outros pontos de atração. É exemplo a Villa Cavrois, a casa que, construída nos anos 1930, veio do futuro para desafiar convenções. Depois de anos e anos de recuperações, e 23 milhões de euros gastos em obras, abriu ao público em junho deste ano e, sim, merece a sua visita. Mas há mais e, ao todo, damos-lhe seis motivos para fazer as malas e embarcar:

1. O coração velho de Lille

Usemos um tom imperativo para sublinhar a ideia: olhe para cima. Só assim pode descobrir o que de melhor a Vieux Lille tem para oferecer. Falamos das muitas fachadas que contam a história, entre outras, de quando Lille fez parte da Flandres (tendo passado também por mãos espanholas e alemãs). Não muito longe do quartier que tem o seu coração na catedral do século XIX está a Place du Général de Gaulle, em homenagem ao presidente francês que aí nasceu em 1890, onde pomos o olho em alguns dos edifícios mais emblemáticos da cidade, como o Voix du Nord — o jornal regional que trabalhou em segredo durante a segunda guerra mundial — e, ao longe, o campanário datado de 1932, com 104 metros de altura e um sino lá no alto, habitualmente usado em caso de invasões ou de incêndios.

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Mas nem só de história se faz a cidade onde se bebe mais cerveja do que vinho, certamente influência da vizinha Bélgica, e cuja população é marcadamente jovem. Uma volta pelas suas ruas mais e menos estreitas é um convite a dar de caras com a pastelaria local, da qual a Méert é um bom exemplo. Trata-se de uma loja de bolos criada em 1761 e, dizem os guias, é a mais antiga de França. O certo é que a fama resistiu até aos dias de hoje e não é difícil de perceber porquê, com waffles, chocolates, compotas e bolos coloridos a espreitar da vitrina, provocando até os menos gulosos. Todos os doces são confecionados no local e a promessa remete também para o uso de produtos de qualidade, tal como a baunilha importada de Madagáscar. Considerando uma refeição mais completa, basta escolher um estaminet, criação flamenga que o Guardian já definiu como “bar local com mobília rural e um menu curto e apetitoso”. 

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Se a barriga se quer cheia, os olhos também. E isso facilmente acontece na antiga bolsa, como quem diz Vieille Bourse, onde é possível fazer uma viagem no tempo: as suas paredes centenárias, erguidas no século XVII, recebem um mercado de livros em segunda mão a céu aberto. Mas entre prateleiras improvisadas e o vai e vem de curiosos estão também discos e outro tipo de velharias, pelo que mesmo de carteira e/ou bolsos vazios vale a pena percorrer o claustro rodeado por 24 casas idênticas. É, sem dúvida, um postal gratuito para a memória. 

2. A piscina que se transformou num museu

Antes de mais, importa dizer que Lille tem uma rede de metro cujos comboios são conduzidos por… ninguém. Ir na carruagem da frente é, por isso, uma experiência única e inclui uma vista privilegiada para os túneis subterrâneos. E é depois de uma viagem de aproximadamente 20 minutos que se chega a Roubaix, onde fica o Museu La Piscine. O nome diz quase tudo, mas exige contextualização: Roubaix nasceu da indústria têxtil e ficou conhecida como a cidade das mil chaminés, o que implicava que a população fosse maioritariamente operária e, dados os poucos recursos, tomasse banho uma vez por semana (em média). Em 1932, o então presidente da câmara abriu uma piscina ao estilo Art Decó acessível a todos, bem como banhos com água aquecida que podiam ser alugados por 25 minutos. Como tudo o que é bom tende a acabar, o luxo dos operários viria a conhecer o seu fim em 1985 por motivos de segurança. Mas em vez do edifício ser votado ao abandono, os locais que ali aprenderam a nadar exigiram a sua recuperação. Foi assim que, em 2001, voltou a abrir as portas como um museu de arte — não são apenas as obras que merecem destaque, mas também os guias apaixonados que, volta e meia, opinam e abandonam discursos padronizados e repetitivos. E, sim, a piscina ainda ali está, embora mais curta e transformada numa galeria na qual vai querer perder-se (não se assuste quando passar a gravação sonora de risos de crianças e saltos na piscina, a instalação faz parte do charme do museu).

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A partir de 5,50 euros por pessoa. De terça a quinta-feira das 11h00 às 18h00; às sextas das 11h00 às 20h00, e aos fins de semana das 13h00 às 18h00. 23 Rue de l’Espérance, 59100 Roubaix, Tel.: +33 3 20 69 23 60

3. A casa que veio do futuro

Quando se fala em monumento histórico francês o mais provável é pensar-se num edifício construído na época dourada de Luís XIV, mas linhas direitas e uma arquitetura moderna também fazem o efeito. Foram precisos 13 anos e 23 milhões de euros para recuperar a Villa Cavrois, uma história “entusiástica e dramática”, diz-nos à entrada o administrador Paul-Hervé Parsy. É também ele quem garante que aquela é “uma obra de arte completa”: com a assinatura do arquiteto francês Robert Mallet-Stevens, foi construída entre 1929 e 1932 a mando de Paul Cavrois, um fabricante de têxteis rico que desafiou os cânones sociais ao encomendar o projeto — quem quereria uma casa vinda do futuro em plena década de 1930? O certo é que os 1.800 metros quadrados de área interior (e os 8.000 exteriores) foram uma surpresa à época: as janelas enormes, as divisões iluminadas, a piscina de 27 metros, o lago de outros 72 metros e as linhas direitas foram rejeitadas por todos os amigos do proprietário e, até há bem pouco tempo, pelos próprios vizinhos. Com o tempo a casa ficaria sujeita a ocupações nazis, ao abandono e às pilhagens. Mas o esqueleto de um château moderno renasceu das cinzas e tornou-se numa nova atração turística que, desde junho, já recebeu 65 mil visitantes.

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7,50 euros por pessoa; até 31 de dezembro está aberto todos os dias, à exceção de terça-feira, entre as 10h30 e as 17h30. 60 Avenue du Président John Fitzgerald Kennedy, 59170 Croix

4. O pão que os mineiros amassaram 

Os franceses gostam de comer bem e gostam de comer muito, pelo menos a julgar pelas doses que chegam ao prato. Em terra de mineiros — Lens, a uma curta distância de Lille –, não há exceções. Exemplo disso é o pitoresco estaminet que leva o nome Le Pain de la Bouche. À primeira vista, o restaurante parece uma casa de bonecas saudosista, com porcelanas e móveis rústicos a servirem de decoração. Mas à medida que o olhar se vai habituando à pouca luz existente no interior, apercebe-se que esta é uma casa onde se entra de estômago vazio e se sai a rebolar. A carta dedicada à cozinha regional é vasta, mas a escolha é facilitada assim que se descobre que os faluches gratinados são os reis. Falamos de pratos à base de pão cujas mais de 20 receitas variam consoante os ingredientes desejados (queijo, carne, peixe, etc). Uma vez servido, o faluche pode muito bem parecer uma pizza, mas não se deixe enganar — o sabor é completamente diferente e o mais provável é deixar metade no prato com pena de não conseguir comer mais. 

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41 Rue de la Gare, 62300 Lens / tel.: 03 21 67 68 68

5. O irmão mais novo do Louvre

Não há só faluches em Lens, mas também cultura. Isto porque um total de 200 peças viajou do Museu do Louvre, em Pais, para aquele que pode ser considerado o seu irmão mais novo, o Lens-Louvre. A instituição de ar visivelmente moderno e linhas direitas abriu a 4 de dezembro de 2012 (o dia de Santa Bárbara, curiosamente a padroeira dos mineiros) e aposta num conceito original. Enquanto o Louvre está organizado por secções, aqui há apenas um único espaço que, cronologicamente falando, permite um diálogo entre civilizações — é uma ideia curiosa conseguir perceber o que num mesmo período se passava a nível cultural na Grécia e no Egito. Mais do que isso, o Lens-Louvre aposta em tours numa sala situada num piso inferior, onde estão obras arquivadas e outras a serem restauradas. 

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Todas as atividades são gratuitas à exceção das exposições temporárias. Aberto todos os dias, exceto à terça-feira, das 10h00 às 18h00. Tel.: +33 (0) 321 186 321

6. Arras, a vaidosa

Uma viagem de 30 minutos à partida de Lille leva-nos ao coração de Arras, cidade fundada há dois mil anos pelos romanos e consideravelmente devastada nos bombardeamentos da primeira guerra mundial. A olho nu, Arras partilha algumas semelhanças com o primeiro destino: mostra-se vaidosa das suas fachadas (muitas delas em Art Decó) e tem um campanário anexado à câmara municipal numa das praças principais. Do topo dessa torre sinaleira, depois de subidos os seus 365 degraus — confessemos, há um elevador de serviço que ajuda no processo –, destaca-se uma paisagem panorâmica de tirar o fôlego e de onde se avista um dos momentos que mais orgulho empresta a Arras: a abadia que se converteu à religião das pinturas e esculturas ao transformar-se no Museu das Belas Artes. Falando em gastronomia, e saltando logo para a sobremesa, aconselhamos a boulangerie Yente (30 Rue Ronville; tel.: 03 21 51 38 10) cujo saber pasteleiro tem passado de geração em geração dentro da mesma família desde 1895. Por aqui há tartelettes, éclairs, tartes e, claro, macarons de encher o olho e a boca. Se ao início desejámos bon voyage, agora é caso para dizer: bon appétit.

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O Observador viajou para Lille a convite da Easyjet.