Cavaco Silva, pouco convencido mas vencido, decidiu esta terça-feira indicar o líder do PS como primeiro-ministro, e os partidos mais à esquerda aplaudiram finalmente. Mais não seja porque tal representa a queda oficial do Governo da direita, que estava há 14 dias em gestão: foi esse o mote das declarações feitas aos jornalistas pelos três partidos no rescaldo da decisão. É a “derrota consumada” da direita, disse o PCP; é a “mudança de políticas”, sublinharam os Verdes. “É o virar de página, o fim de um ciclo”, acrescentou Catarina Martins, que se diz “orgulhosa” do acordo alcançado. Mas, assumem, “o grande desafio começa agora”.
O Bloco de Esquerda foi, de resto, o parceiro de acordo que mais satisfeito se mostrou perante a decisão do Presidente. Pelo menos mais “orgulhoso”, é a palavra certa. Para Catarina Martins, que falava aos jornalistas esta tarde na sede do BE, a indigitação de António Costa é motivo de “orgulho” para os bloquistas, já que o acordo alcançado resultou de um trabalho “afincado” para garantir a reposição do rendimentos dos portugueses, a proteção social, descongelamento das pensões, os direitos essenciais, a saúde, educação, cultura e as novas regras para a economia, disse.
“O acordo é fruto do contributo das forças políticas à esquerda do PS, orgulhamo-nos deste trabalho. E essa é a lição democrática que a direita e o Presidente da República cessante tiveram de aprender”, disse a porta-voz bloquista, num discurso que se colou muito ao discurso socialista, assumindo que o acordo não é só para a aprovação do programa de Governo como também é para o Orçamento do Estado, e para o demais funcionamento dos trabalhos parlamentares. “Ainda antes do OE a Assembleia da República irá aprovar por exemplo a reposição dos salários da função pública até ao final de 2016”, disse, referindo-se à graduação que ficou inscrita no acordo sobre a devolução dos cortes salariais no prazo de um ano.
Segundo Catarina Martins, o acordo da esquerda “não garante a transformação absoluta mas é um virar de página, um fim de ciclo”. “O grande desafio começa agora”, disse, sublinhando que o BE será a garantia do compromisso pelos salários, pela saúde e educação: “Havemos de ter um país um pouco mais justo e este Governo é só um começo”.
Alvo: Cavaco Silva
No rescaldo da indigitação do novo primeiro-ministro, os três partidos mais à esquerda uniram-se para atirar mais uma vez contra o Presidente da República, criticando o tempo que levou a decidir e até os termos escolhidos para o fazer. O mote foi dado pelo líder parlamentar comunista João Oliveira, que lembrou que Cavaco Silva preferiu referir-se à indigitação de Costa como “indicação”, sendo que não é esse o termo indicado na Constituição. “Não podemos deixar de assinalar que até nos termos a que se refere a essa indigitação o Presidente da República acaba por fugir às suas obrigações” constitucionais, criticou.
Passaram mais de 50 dias desde o dia das eleições até Costa ter sido indigitado e, para a esquerda, foi uma “perda de tempo”, como reafirmou Heloísa Apolónia, e a causa maior da criação de uma “crise política”, acrescentou João Oliveira. Mas, terminada a tarefa do Presidente, todos esperam que Cavaco saia de cena e não crie obstáculos à governação do PS e ao funcionamento da maioria de esquerda no Parlamento. Assim como assim, o Presidente “não tem competências nem funções governativas”, resumiu Catarina Martins, questionada pelos jornalistas sobre o necessário convívio institucional entre o Governo do PS e o Presidente da República.
Numa coisa todos concordam: a indigitação de Costa “é a derrota consumada da direita”, como disse João Oliveira, e é à volta disso que os três partidos se unem. Agora é tempo de “mudar de políticas” e colocar “para trás aquele que é já um passado e, no futuro, dar presente e esperança às pessoas”, disse a deputada ecologista.
Certo é que os parceiros de acordo para governação, que desde o primeiro dia se puseram de fora do eventual Executivo, não foram consultados pelo PS no que à composição do Governo diz respeito. Quem o disse foi Heloísa Apolónia, que admitiu que os Verdes não foram consultados sobre os nomes dos futuros ministros socialistas. Também Catarina Martins fugiu à pergunta, preferindo dizer que “o que é mais relevante” não são os nomes, mas sim “o compromisso político”. António Costa, no entanto, garantira, em recente entrevista à Visão, que iria informar os partidos de esquerda sobre os ministros que iria escolher.