Se o dia de ontem ficou marcado pelas intervenções do primeiro-ministro, António Costa, e do ministro das Finanças, Mário Centeno, que pôs Pedro Passos Coelho a rir para dentro, o debate do programa de Governo esta quinta-feira começou com outro fôlego à direita. Paulo Portas subiu à tribuna e, num discurso carregado de duras acusações à “ilegitimidade política” do Governo e à “insustentável leveza do procedimento”, acusou o PS de estar a ser “sequestrado” pelo PCP e pelos interesses das centrais sindicais. “O BE já está na lapela do dr. António Costa, por isso é o PCP que decidirá”, disse. E agora que Costa tem novos “BFF’s”, que é como quem diz, novos “best friends forever”, é com eles que terá de viver e é deles que terá de depender.

Já se sabia que o debate do programa de Governo ia ser a marca de água sobre a estratégia que a direita vai adoptar daqui para a frente no combate ao Governo de António Costa, mas a intervenção do líder do CDS esta quinta-feira não deixou margem para dúvidas: o alvo vai ser o PCP, que a direita acredita ser a corda mais fácil de roer, e o tom vai ser de ironia em torno do mais recente namoro entre António, Catarina, Jerónimo, Heloísa, todos à volta de António, e todos no flirt entre si. “Estão escolhidos os seus BFF’s (best friends forever, em linguagem juvenil), dependendo deles o primeiro-ministro ficará ou cairá. É a vida”, disse.

O argumento é este: “O PS foi sequestrado pelo PCP”. E Portas concretizou-o até ao fim, dando a entender que esta vai ser uma das obsessões da direita na estratégia de oposição. Disse Portas que os socialistas cederam “em leasing” ao PCP, cederam a política de Educação à Fenprof e cederam os transportes metropolitanos à CGTP. Cederam os baldios, a Casa do Douro, e cederam ao fazer na Assembleia os “agendamentos necessários aos interesses do PCP”. “Veremos se o Governo estará ao serviço da economia ou ao serviço do PCP”, disse.

“Só vocês não dão conta de que a CGTP utiliza as empresas públicas de transportes para sequestrar políticas legitimamente votadas pelo povo em eleições, para paralisar a economia, organizar greves em cascata e transformar a vida dos cidadãos e das famílias num inferno”, disse, suscitando fortes aplausos à direita.

E se a ideia parece ser espicaçar a esquerda, a verdade é que não está longe de conseguir. Sempre com barulho de fundo e paragens constantes do “orador” (como o Presidente da Assembleia repetidamente lhe chamou) precisamente para se deixar ouvir o ruído, vários eram os à parte que se faziam ouvir das bancadas do PCP e BE. “Aqui dentro nós ouvimo-los. Isto é uma instituição. Não é uma manifestação de rua”, dizia Portas. “Sabe lá o que é uma manifestação de rua, nunca foi a nenhuma”, respondia uma deputada do BE. E nova pausa do líder centrista, que só passado alguns segundos retomava o discurso.

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No final, no entanto, a maioria de esquerda optou por não fazer nenhum pedido de esclarecimento a Paulo Portas.

“Insultado” por Mário Centeno

Depois de justificar o porquê de PSD e CDS se prepararem para apresentar uma moção de rejeição ao novo Governo (“Não havendo nem uma moção de confiança nem outra moção rejeição da oposição este debate não iria a votos e ficaria sem conclusão”, ou seja, “seria uma espécie de partida amigável incompreensível”), Portas apontou o dedo à intervenção de ontem de Mário Centeno e pediu-lhe que “corrigisse” as declarações sobre o facto de a “saída limpa ter sido um resultado pequeno de uma propaganda enorme”.

“Que triste começo o do ministro das Finanças quando veio aqui dizer que a saída limpa de Portugal tinha sido apenas um pequeno passo”, começou por dizer o ex-vice-primeiro-ministro classificando essa tirada de ontem de Mário Centeno como “a frase que marcou o debate” até ao momento. E disse-se “insultado”, não como antigo governante, “mas como português”. “Não é pequeno resultado superar a grande bancarrota que herdamos da irresponsabilidade de 2011”, atirou entre pedidos para que o ministro viesse a corrigir a sua frase.

Sobre a meta do défice, que ontem António Costa, se comprometeu a manter abaixo do 3% nos 29 dias em que vai estar ao leme do Governo até ao final do ano, Portas deixou claro que vai estar “atento” e não vai largar a meta de vista. “Estaremos atentos nos próximos 29 dias porque nas mãos do governo está cumprir esse défice, isso será um sinal de sentido de Estado da parte do Governo”, disse, sublinhando que a saída de Portugal do procedimento de défices excessivos é a “condição crítica da nossa credibilidade”.