O resultado sorria-lhe, embora sem mostrar muitos dentes. Um a zero é pouco, mas é bom, e quando a vantagem é para se guardar, os últimos minutos são para outra coisa: queimar. O golo que a equipa marcara contra o nenhum que o adversário conseguira valia-lhe um bilhete para a segunda eliminatória da Copa del Rey. Por isso, toca a acabar com a bola a rolar. Aos 88’ o árbitro apita, uma placa levanta-se e o dueto dos números manda Vicente para o banco e de lá tira Dennis Serban. Gastam-se uns segundos e o treinador acaba com o que queria — o Valência ganha e toda a gente vai para a cama feliz. Mas só dormem bem essa noite, porque depois aparece o berbicacho.

O perdedor lembra-se das regras e repara que houve marosca do ganhador. O Novelda não se fica, queixa-se, e diz que o Valência fez o que não podia e, às tantas, teve em campo quatro jogadores extracomunitários. Ou seja, com nacionalidades não europeias. Eram eles Miroslav Djukic, um sérvio, Roberto Ayala e Pablo Aimar, dois argentinos, e o tal Dennis Serban, vindo da Roménia, que entrou no tal jogo para substituir um espanhol e ultrapassar o limite de três estrangeiros por jogo que, em 2001, ainda imperava em Espanha. Contada assim, parece que a história coloca a culpa no homem que aos 88 minutos se lembrou de fazer a tal substituição.

CADIZ, SPAIN - DECEMBER 02: Denis Cheryshev of Real Madrid is substiruted in the first minute of the 2nd half during the Copa del Rey Round of 32 First Leg match between Cadiz and Real Madrid at Ramon de Carranza stadium on December 2, 2015 in Cadiz, Spain. (Photo by Denis Doyle/Getty Images)

Dennis Cheryshev, quando saiu logo aos 46′ do jogo frente ao Cádiz, na quarta-feira. Foto: Denis Doyle/Getty Images

Esse homem era Rafa Benítez. Um versão mais jovem, sem óculos e com a cabeça mais generosa em cabelo de quem, esta quarta-feira, também fez alinhar um russo que jogou e não podia jogar na Copa del Rey. A história conta-se de maneira diferente, mesmo que o resultado tenha ido dar ao mesmo: por decisão do técnico espanhol, Dennis Cheryshev esteve mais 46 minutos em campo que o suposto no Cádiz-Real Madrid, já que não podia jogar devido a um cartão amarelo que vira na época passada, na mesma competição, ao serviço do Villarreal.

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As coincidência são tantas — mesmo treinador, mesmo resultado à hora do problema (1-0, Real acabou por vencer 3-1) e mesmo primeiro nome dos jogadores envolvidos (Dennis) — que o resultado só podia ser o mesmo. A Federação Espanhola de Futebol elimina a equipa de Rafa Benítez da Copa del Rey.

Em ambas as ocasiões o clube que o espanhol treina defende-se como pode. Há 14 anos, o Valência alega que Roberto Ayala, um dos que a federação toma por estrangeiro, tem dupla nacionalidade italiana, mas a entidade responde-lhe que a papelada ainda não tinha sido tratada. Agora, o Real Madrid diz que não sabia e queixa-se de ninguém o ter informado que Cheryshev não podia jogar. O clube começa a andar de candeias às avessas a partir dos 30’ do jogo, quando os adeptos do Cádiz entoam “Benítez, vê o Twitter” ou “Cheryshev não pode jogar” e alertam Emilio Butragueño. O diretor das Relações Internacionais do Real Madrid desconfia, sai do estádio, percebe o problema e põe-se a varrer documentos com o diretor de comunicação merengue, conta o El País.

VALENCIA, SPAIN: Valencia's coach Rafa Benitez (C) speaks with his players during a trainning session in Sport city Valencia, 21 April 2004. Valencia will play Villarreal for the first leg of their UEFA Cup semifinals 22 April in Valencia. AFP PHOTO JOSE JORDAN (Photo credit should read JOSE JORDAN/AFP/Getty Images)

Rafa Benítez, nos tempos de Valência. E aquele cabeludo lá atrás? Foto: JOSE JORDAN/AFP/Getty Images)

Terá sido ao intervalo que, a tarde e a más horas, informa Rafa Benítez do problema. Por isso, e para que estádio e câmara de televisão vissem, Dennis Cheryshev volta ao relvado para, nem um minuto depois de arrancar a segunda parte, ser substituído. “Queríamos mostrar ao Cádiz que estávamos a agir de boa fé, não sabíamos de nada”, tenta justifica o treinador, após a partida. O clube do Sul de Espanha não quer saber, envia um protesto à federação e o resto soube-se esta sexta-feira. O Real Madrid está fora da Copa del Rey por infringir as regras, mesmo que Butragueño, ainda antes de a decisão ser conhecida, defender que o clube “não é ridículo”.

Talvez por achar que o é, ou por considerar que ridículo é acontecer-lhe a mesma coisa duas vezes, Rafa Benítez não quis falar sobre isto. O espanhol não respondeu a qualquer pergunta que os jornalistas lhe fizeram sobre Dennis Cheryshev, esta sexta-feira, na conferência de imprensa prévia ao encontro frente ao Getafe — realizada horas antes de a eliminação do Real Madrid ser confirmada. “Não quero entrar neste tema, porque muito se vai falar nos próximos dias”, chegou a dizer. É bem capaz de ter razão.