O resultado sorria-lhe, embora sem mostrar muitos dentes. Um a zero é pouco, mas é bom, e quando a vantagem é para se guardar, os últimos minutos são para outra coisa: queimar. O golo que a equipa marcara contra o nenhum que o adversário conseguira valia-lhe um bilhete para a segunda eliminatória da Copa del Rey. Por isso, toca a acabar com a bola a rolar. Aos 88’ o árbitro apita, uma placa levanta-se e o dueto dos números manda Vicente para o banco e de lá tira Dennis Serban. Gastam-se uns segundos e o treinador acaba com o que queria — o Valência ganha e toda a gente vai para a cama feliz. Mas só dormem bem essa noite, porque depois aparece o berbicacho.
O perdedor lembra-se das regras e repara que houve marosca do ganhador. O Novelda não se fica, queixa-se, e diz que o Valência fez o que não podia e, às tantas, teve em campo quatro jogadores extracomunitários. Ou seja, com nacionalidades não europeias. Eram eles Miroslav Djukic, um sérvio, Roberto Ayala e Pablo Aimar, dois argentinos, e o tal Dennis Serban, vindo da Roménia, que entrou no tal jogo para substituir um espanhol e ultrapassar o limite de três estrangeiros por jogo que, em 2001, ainda imperava em Espanha. Contada assim, parece que a história coloca a culpa no homem que aos 88 minutos se lembrou de fazer a tal substituição.
Esse homem era Rafa Benítez. Um versão mais jovem, sem óculos e com a cabeça mais generosa em cabelo de quem, esta quarta-feira, também fez alinhar um russo que jogou e não podia jogar na Copa del Rey. A história conta-se de maneira diferente, mesmo que o resultado tenha ido dar ao mesmo: por decisão do técnico espanhol, Dennis Cheryshev esteve mais 46 minutos em campo que o suposto no Cádiz-Real Madrid, já que não podia jogar devido a um cartão amarelo que vira na época passada, na mesma competição, ao serviço do Villarreal.
As coincidência são tantas — mesmo treinador, mesmo resultado à hora do problema (1-0, Real acabou por vencer 3-1) e mesmo primeiro nome dos jogadores envolvidos (Dennis) — que o resultado só podia ser o mesmo. A Federação Espanhola de Futebol elimina a equipa de Rafa Benítez da Copa del Rey.
Em ambas as ocasiões o clube que o espanhol treina defende-se como pode. Há 14 anos, o Valência alega que Roberto Ayala, um dos que a federação toma por estrangeiro, tem dupla nacionalidade italiana, mas a entidade responde-lhe que a papelada ainda não tinha sido tratada. Agora, o Real Madrid diz que não sabia e queixa-se de ninguém o ter informado que Cheryshev não podia jogar. O clube começa a andar de candeias às avessas a partir dos 30’ do jogo, quando os adeptos do Cádiz entoam “Benítez, vê o Twitter” ou “Cheryshev não pode jogar” e alertam Emilio Butragueño. O diretor das Relações Internacionais do Real Madrid desconfia, sai do estádio, percebe o problema e põe-se a varrer documentos com o diretor de comunicação merengue, conta o El País.
Terá sido ao intervalo que, a tarde e a más horas, informa Rafa Benítez do problema. Por isso, e para que estádio e câmara de televisão vissem, Dennis Cheryshev volta ao relvado para, nem um minuto depois de arrancar a segunda parte, ser substituído. “Queríamos mostrar ao Cádiz que estávamos a agir de boa fé, não sabíamos de nada”, tenta justifica o treinador, após a partida. O clube do Sul de Espanha não quer saber, envia um protesto à federação e o resto soube-se esta sexta-feira. O Real Madrid está fora da Copa del Rey por infringir as regras, mesmo que Butragueño, ainda antes de a decisão ser conhecida, defender que o clube “não é ridículo”.
Talvez por achar que o é, ou por considerar que ridículo é acontecer-lhe a mesma coisa duas vezes, Rafa Benítez não quis falar sobre isto. O espanhol não respondeu a qualquer pergunta que os jornalistas lhe fizeram sobre Dennis Cheryshev, esta sexta-feira, na conferência de imprensa prévia ao encontro frente ao Getafe — realizada horas antes de a eliminação do Real Madrid ser confirmada. “Não quero entrar neste tema, porque muito se vai falar nos próximos dias”, chegou a dizer. É bem capaz de ter razão.