Espanha pode não ser ingovernável, mas não será fácil governá-la. Isto porque quaisquer acordos entre forças partidárias em Espanha implicariam cedências complicadas dos vários partidos: aquelas que, em campanha eleitoral, prometeram não fazer. E nenhum governo poderia ser encontrado sem estas cedências.

A esquerda dividida pelo independentismo

À esquerda, o PSOE de Pedro Sánchez está encurralado entre duas promessas eleitorais: por um lado, a de votar não a um governo de Mariano Rajoy, e, por outro, a de não ceder ao Podemos e aos restantes partidos independentistas (dos quais precisaria sempre para formar um governo maioritário) quanto à realização de um referendo sobre a independência da Catalunha.

Este é, indiscutivelmente, o maior obstáculo à formação de uma maioria alternativa ao PP de Mariano Rajoy, liderada pelo PSOE, e que incluísse forças como o Podemos, a Esquerda Unida, a Esquerda Republicana da Catalunha e o partido Democracia e Liberdade. Uma coligação com estes partidos permitiria um bloco maioritário de 178 deputados (são 176 os necessários para governar).

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Porém, seria complicado aos restantes partidos cederem nas suas pretensões independentistas. O próprio líder do Podemos (a terceira força mais votada nas eleições espanholas), Pablo Iglesias, já afirmou, depois das eleições, que não abdica do referendo, sublinhando que Espanha é um país “plurinacional”. Uma posição que Pedro Sánchez havia ridicularizado, por exemplo, no debate promovido pelo El País, onde proferiu uma tirada mordaz para Iglesias: “Pablo, sabes qual é o único país que inscreveu na Constituição o direito à autodeterminação? A União Soviética. O teu modelo, Pablo”, ironizou. Entre os dois, um terá de ceder. E, como ambos precisariam dos partidos regionalistas (e independentistas) para ter maioria absoluta, é mais provável que a cedência viesse de Sánchez.

Em termos de políticas económicas e sociais – algo exigido também por Pablo Iglesias já no discurso pós-eleições -, o problema da esquerda não seria tanto chegar a um acordo, mas cumpri-lo. Isto porque aquilo que separa o Podemos e o PSOE na matéria não é inconciliável. Afinal, Pablo Iglesias chegou mesmo a sugerir em campanha que o PSOE andava a copiar as propostas do Podemos e que o problema não eram as promessas do partido de Pedro Sánchez, mas a forma como não as cumpria quando chegava ao governo.

Em campanha eleitoral, Pedro Sánchez disse que estava focado nas eleições, e que só depois poderia falar com os outros partidos. O líder do partido socialista espanhol chegou mesmo a citar explicitamente o Podemos, o Ciudadanos, a Esquerda Unida e o Partido Nacionalista Basco. Porém, Albert Rivera, líder do Ciudadanos, já disse que quem deve governar é Rajoy. E acrescentou que não está disposto a apoiar, com o voto a favor ou com a abstenção, qualquer acordo que inclua o Podemos. Sem o Ciudadanos, contudo, as restantes forças políticas de que Sánchez falou, aliadas ao PSOE, dariam apenas 167 deputados: um número insuficiente para assegurar uma maioria de governo.

Mas não se pense, também, que o Podemos não terá de fazer cedências, no caso de apoiar um eventual executivo liderado pelo PSOE e apoiado por si e outras forças regionalistas. Uma das reivindicações do partido de Pablo Iglesias é a de levar a cabo uma reforma da Constituição, de que poderia ter de abdicar, já que esta pode ser vetada pelo Partido Popular no Senado, onde o partido de Rajoy tem maioria absoluta. E é provável que, caso seja impedido de formar governo, o partido de Mariano Rajoy vete no Senado as propostas que vierem de um executivo à esquerda.

As “linhas vermelhas” do Podemos, explica Pablo Iglesias nesta quarta-feira num artigo publicado na versão espanhola do Huffington Post, não são linhas vermelhas, mas antes “bases mínimas para um compromisso histórico, para uma nova etapa que [agora] começa” no país. E enuncia-as:

“Blindar os direitos sociais na Constituição, revogar o artigo 135º e as reformas laborais [do PP], acabar com os cortes, assumir que a democracia é a forma mais eficaz de resolver a crise territorial, facilitando a viabilidade de um país unido na sua diversidade, mudar o sistema eleitoral, acabar com as portas giratórias e assegurar a independência do sistema judicial.”

Contudo, como já referido, as reformas constitucionais podem ser vetadas pelo PP, que mantém a maioria no Senado espanhol. E o direito à auto-determinação dos territórios espanhóis é um dos temas de maior discórdia entre PSOE e as restantes forças à sua esquerda.

À direita, o problema é semelhante

A má notícia das eleições para o Partido Popular de Rajoy é que o apoio de um segundo partido também não lhe chega para governar. E só o Ciudadanos parecia estar disposto a permitir a sua governação. Albert Rivera já prometeu abster-se para permitir a entrada em funções do governo do PP, mas isso não chega para vencer as forças anti-Partido Popular no parlamento espanhol.

Mariano Rajoy fica, assim, com duas opções: procurar um apoio do PSOE (que o partido de Sánchez já afirmou não estar disposto a dar), ou, em alternativa, de pequenas forças regionais (algo que parece muito pouco provável de vir a conseguir), que se somem aos deputados do Partido Popular e do Ciudadanos para formar uma maioria de governo.

O cenário seria improvável, tanto por dificuldades em convencer estas pequenas forças políticas, como por incompatibilidades entre a visão do país que o PP e o Ciudadanos partilham (juntamente com o PSOE) e a visão do país partilhada pelas forças políticas regionalistas. Pior do que isso: Mariano Rajoy e Albert Rivera teriam também eles de ceder nas suas linhas vermelhas quanto à inclusão de partidos nacionalistas (com os quais Albert Rivera já disse ser “incompatível”) ou independentistas no governo (algo que foram rejeitando durante a campanha). Em suma, sem o apoio do PSOE, também o PP estaria dependente da boa vontade do Ciudadanos e, em simultâneo, do apoio das forças políticas com as quais nunca se pensou coligar.

Para obter o apoio do PSOE, o Partido Popular parece já estar a ceder em várias áreas, por forma a convencer os socialistas a permitirem que forme governo. Esta terça-feira, foi noticiado que Rajoy estava disposto a oferecer aos socialistas uma revisão constitucional (na qual se inclui uma revisão do artigo 155ª da lei fundamental espanhola, onde está inscrita a obrigação de cumprir os limites da União Europeia no que toca ao défice estrutural e à dívida pública do país), a presidência do Congresso e do Senado (que Rajoy está disposto a ceder aos socialistas) e abertura para aceitar propostas do PSOE quanto à execução orçamental e às políticas sociais (desde que estas não coloquem em causa as metas do défice do país).

A última oferta foi também levada em Portugal pelo líder do PSD, Pedro Passos Coelho, ao líder do PS português, António Costa. As negociações fracassaram em Portugal: e, em Espanha também, já que Sánchez afirmou esta quarta-feira que nem com as ofertas está disposto a viabilizar um governo do PP. Contudo, segundo o El País, o Partido Popular ainda não perdeu a esperança de que os socialistas revertam a sua posição: e poderá equacionar ainda mais cedências.

Na próxima segunda-feira, Mariano Rajoy receberá no Palácio da Moncloa o líder do Podemos, Pablo Iglesias, para dialogar sobre a situação política do país. Mas, embora o Podemos tenha revelado previamente estar disponível para “dialogar com todas as forças políticas”, as negociações estão condenadas ao fracasso antes mesmo de começarem: na conta no Twitter, Pablo Iglesias afirmou o seguinte sobre o futuro encontro:

Segunda-feira, Mariano Rajoy irá receber-nos no Palácio de Moncloa. Irei explicar-lhe as nossas propostas para o país, que não são compatíveis com a continuação da governação do Partido Popular.”

Soluções alternativas: PM independente ou acordo a três, sem Podemos

De entre as principais alternativas que têm vindo a ser veiculadas, a mais recente vem do número dois do Podemos, Íñigo Errejón, braço-direito de Pablo Iglesias, líder do partido. Em declarações proferidas esta terça-feira, Íñigo Errejón sugeriu a possibilidade de levar a primeiro-ministro um independente, que pudesse ser apoiado por várias forças políticas.

“Não sei se vejo com grande satisfação Pedro Sánchez [líder do PSOE] como presidente. Para transformações importantes pensamos em figuras independentes”, afirmou o número dois do Podemos, sugerindo ainda uma figura que estivesse “acima dos partidos”, em declarações reproduzidas pelo jornal espanhol La Voz de Galícia.

A sugestão foi reafirmada esta quarta-feira por Pablo Iglesias, no artigo que o líder do Podemos publicou no Huffington Post:

Se não deixam que Pedro Sánchez [líder do PSOE] seja primeiro-ministro, porque talvez não esteja sequer com condições para ser o líder do seu partido, talvez seja a altura de uma figura independente de prestígio assumir a sua posição e dar os passos necessários para que Espanha deixe de ser governada pelo Partido Popular, colocando fim à era da corrupção e da desigualdade.”

Outra solução que chegou a ser veiculada foi a possibilidade de Mariano Rajoy abdicar da liderança de um novo executivo, passando a pasta à número dois do Partido Popular, Soraya Sáenz de Santamaría, que foi a escolhida para participar no segundo debate da campanha, que incluiu Albert Rivera, Pablo Iglesias e Pedro Sánchez: Mariano Rajoy viria apenas a participar no último debate, um debate a dois, com o líder do Partido Socialista Espanhol. O PSOE veria seguramente com melhores olhos a candidata do PP – no debate a dois, Pedro Sánchez chamou “indecente” a Mariano Rajoy, devido às investigações sobre o caso Barcenas -, mas isso poderia não ser suficiente para que o partido de Pedro Sánchez desse viabilidade à entrada em funções de um novo executivo do PP, liderado pela vice-presidente do partido.

Uma solução algo semelhante seria a que foi sugerida esta segunda-feira em editorial do jornal El Español, que sugeria um executivo a três, que incluísse PP, PSOE e Ciudadanos, liderado por um primeiro-ministro “consensual” entre os três partidos, que nunca poderia ser Mariano Rajoy. O líder do Ciudadanos, Albert Rivera, veria presumivelmente a hipótese com bons olhos. E mesmo o PP, embora tendo de prescindir de Rajoy, veria muito provavelmente esta solução como um mal menor. Resta saber se este acordo tripartido com um novo líder, que poderia evitar o temido referendo da Catalunha, seria aprovado pelo PSOE, que já garantiu que votará “não” a um executivo que seja liderado por Rajoy.