A música clássica nunca mais foi a mesma depois de Pierre Boulez. Genial e polémico, o francês foi um dos mais importantes compositores do século XX, com uma influência que atravessa gerações. O seu desaparecimento põe fim a uma geração de compositores vanguardistas que, após a Segunda Guerra Mundial, mudaram radicalmente o panorama da música clássica contemporânea.

Pierre Boulez nasceu a 26 de março de 1925 em Montbrison, em Loire. Dos seis aos 16 anos, estudou num colégio católico local, onde recebeu uma educação rígida e conservadora. Todos os dias eram passados na instituição, onde permanecia durante 13 horas, estudando e rezando. O horário severo fez com que adquirisse uma disciplina de ferro, que mais tarde lhe seria muito útil. Sobre a religião, porém, chegou a admitir que “o deus católico é um deus que falhou“.

Foi no colégio que Boulez teve o primeiro contacto com alguns dos mais importantes compositores clássicos. No coro, descobriu os grandes polifonistas do Renascimento e, aos oito anos, já tocava peças de Frédéric Chopin no piano. Foi também nesta altura que mostrou interesse pelas áreas da física e da matemática.

Depois de terminar os estudos em Montbrison, fixou-se em Paris, onde se tornou aluno do compositor Olivier Messiaen no Conservatório Nacional de Paris. Estudou música com a pianista Andrée Vaurabourg, mulher do franco-suíço Arthur Honegger, e com o compositor e teórico René Leibowitz, que o introduziu à Escola de Viena — ao mestre Arnold Schönberg, inventor do dodecafonismo, e aos seus seguidores, Alan Berg e Anton Webern, figuras fundamentais no desenvolvimento musical de Boulez.

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Foi durante a adolescência que Boulez começou a compor as primeiras peças clássicas. As primeiras incursões no dodecafonismo (uma técnica de composição) levaram-no a criar, no final da década de 40, as cantatas Le visage nuptial e Le soleil des eaux, para vozes femininas. Às duas peças, seguiram-se duas sonatas para piano. A segunda, a “intocável” (no sentido em que é muito difícil de tocar) de 1948, foi bem recebida pela crítica.

Foi nos anos 50 que Boulez se estabeleceu definitivamente como um dos mais compositores do seu tempo. Influenciado pela Escola de Viena, o francês desenvolveu técnicas e métodos de composição que assentavam, muitos deles, em princípios matemáticos. Em 1951, compôs Polyphonie X, para 18 instrumentos, e Structures I, para dois pianos, peças serialistas por excelência. Boulez foi um dos criadores do serialismo integral, um conceito que deriva do dodecafonismo de Schönberg.

A estas obras, seguiu-se a aclamada Le marteau sans maître, escrita a partir de textos do poeta surrealista René Char. Uma obra-prima da modernidade, a peça apresenta-se como uma síntese homogénea e perfeita das várias correntes musicais da primeira metade do século XX.

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Nas décadas seguintes, dedicou-se a experimentar diferentes formas de criação e interpretação. Misturou música clássica e eletrónica em Répons (1981-1988) e fez experiências com a chamada “mudança controlada”, nas quais os músicos podiam escolher como interpretar as peças que o compositor tinha escrito. Exemplo disso é a obra Pli selon pli, uma peça orquestral baseada em poemas de Stéphane Mallarmé.

Enquanto maestro dirigiu algumas das maiores e mais importantes orquestras mundiais, como as filarmónicas de Nova Iorque, Chicago e Viena. Sempre sem batuta. Presença assídua em Portugal, atuou na Fundação Calouste Gulbenkian e na Casa da Música, onde foi destaque na programação de 2012. Em 2001, foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago por Jorge Sampaio, então Presidente da República portuguesa.

Sempre incansável, dedicou-se também à produção teórica, da qual se destaca a obra Penser la Musique Aujourd’hui (em português, Pensar a Música de Hoje). Importante impulsionador da música contemporânea, fundou o Instituto de Pesquisa e Coordenação de Música e Acústica (IRCAM) do Centro Pompidou e o Ensemble Intercontemporain, uma referência da música vanguardista. No último ano assistiu ainda a concretização de um sonho — a inauguração da casa da Filarmónica de Paris, como lembra o Público.