Fazer sala ao primeiro-ministro antes da visita semanal ou tentar evitar crises políticas são apenas alguns dos papéis do chefe da Casa Civil, o braço direito do Presidente e, por inerência, uma das figuras mais poderosas de Portugal. Com um novo Presidente da República em Belém, não muda só a principal figura do Estado português, mas também grande parte do pessoal que constitui a Casa Civil e a Casa Militar, que fazem a assessoria da figura mais alta na nação. Mas qual o real poder dos chefes da Casa Civil?
Alguns foram discretos, outros até serviram como porta-vozes, em comum, todos os chefes da Casa Civil tiveram até agora as atribuições da coordenação dos órgãos e serviços da Presidência da República e a representação do Presidente da República. Mas esta figura é também o principal conselheiro político do Presidente, a pessoa de maior confiança no Palácio de Belém e ainda o confidente de todas as horas. Serve para facilitar a vida ao Presidente, chegando mesmo a fazer a ligação com o Governo, nomeadamente com a presidência do Conselho de Ministros, e com os partidos em momentos mais complexos.
Atualmente, o cargo é desempenhado por Nunes Liberato, economista e antigo porta-voz do Parlamento Europeu. Foi secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território entre 1985 e 92. No início dos anos 90, época aurea do cavaquismo, era o “homem da máquina do partido” sendo então secretário-geral do PSD. Em 1996, com a saída da ribalta de Cavaco, partiu para a Europa e teve dez anos de sucesso como alto funcionário das instituições europeias. Para além da forte relação pessoal, a experiência em Bruxelas terá sido um dos principais fatores para que Liberato se tornasse o homem forte de Cavaco em Belém, formando uma aliança que dura há 1o anos.
Antes de Cavaco, apenas Mário Soares manteve um chefe da Casa Civil durante todo o seu mandato. Tratava-se de Alfredo Barroso, fundador do PS. “Um chefe da Casa Civil tem de facilitar a vida ao Presidente e tem de lhe poupar tempo”, afirmou ao Observador o antigo chefe da Casa Civil. Para Barroso, que ocupou cargos em governos do PS e foi ativo dentro do partido – deixou o partido no ano passado e apoia agora o Bloco de Esquerda – , ser chefe da Casa Civil oferece “o melhor posto de observação da política portuguesa” e é como “estar no olho do furacão”.
Para o bem e para o mal, sempre ao lado do Presidente
Alfredo Barroso acumulou funções em Belém. Para além da coordenação dos serviços da Presidência e organização dos vários gabinetes, tinha ainda a função de porta-voz para que Soares não “desgastasse” a sua imagem, o que fez com que passasse bastante tempo com a comunicação social, que o apelidou, segundo o próprio de “Eminência parva” de Belém. “Ser chefe da Casa Civil é coordenar toda a vida do Presidente, é ser o conselheiro pessoal e político mais importante. Mário Soares testava muitas das suas opiniões comigo”, afirmou Barroso.
Um dos momentos críticos da presidência de Mário Soares foi a moção de censura apresentada pelo PRD em 1987 e que levou à queda do Governo minoritário de Cavaco Silva. Barroso foi um interveniente ativo em todo este processo já que a discussão e consequente aprovação da moção de censura decorreu enquanto Mário Soares estava no estrangeiro, numa visita de Estado ao Brasil. “Eu tive de contactar com o Presidente da República que estava fora e ao mesmo tempo, falava com Cavaco Silva e com os partidos políticos. Cheguei mesmo a ir a casa de Vítor Constâncio [então líder do PS] tentar demovê-lo de votar a moção de censura”, contou Alfredo Barroso.
Entre ele e Mário Soares havia uma relação que ultrapassava confiança pessoal já que Barroso é sobrinho por afinidade de Mário Soares e já tinha exercido funções de chefe de gabinete enquanto o histórico do PS foi primeiro-ministro. Outros presidentes fizeram outras opções. Ramalho Eanes teve na seu equipa três chefes da Casa Civil. Henrique Granadeiro, antigo gestor da PT, foi o primeiro a encarnar este papel sob a direção de um Presidente eleito democraticamente. Seguiu-se o embaixador Fernando Reino e quem terminou os mandatos de Eanes neste papel foi José Caldeira Guimarães, que exerceu funções de chefe da Casa Civil interino durante vários anos.
Também Jorge Sampaio teve vários braços direitos, tendo sido o primeiro o embaixador António Franco, seguindo-se depois o embaixador Morais Cabral – já tinha sido assessor diplomático de Sampaio, de quem era amigo pessoal, mas saiu devido a uma polémica sobre os riscos do urânio empobrecido no Kosovo -e, por fim, João Serra, até então investigador do Instituto de Ciências Sociais.
Um homem (ou mulher) para todas as ocasiões
Atualmente, o chefe da Casa Civil do Presidente da República tem o seu cargo equiparado ao de secretário de Estado, mas Barroso considera até que deveria ser equiparado a ministro devido às responsabilidades inerentes ao cargo. Dependendo dos restantes assessores, pode também ser pedido ao chefe da Casa Civil que acompanhe o Presidente em deslocações ao estrangeiro. Mais recentemente, Cavaco Silva como Presidente enviou ao velório de José Saramago Nunes Liberato para o representar e ainda o Chefe da Casa Militar, Tenente- General Carlos Alberto de Carvalho dos Reis.
Na presidência de Soares, tal não aconteceu – e Barroso agradecia, já que não gosta de andar de avião -, mas cabia-lhe fazer 10 ou 15 minutos de sala a Cavaco Silva antes das audiências em Belém, mesmo nos momentos mais tensos com S. Bento. “Fazíamos conversa de circunstância e sempre com cordialidade, sem qualquer animosidade. Numa das últimas deslocações, disse-me Belém que se iria candidatar à presidência da República e que não se candidatava só quando sabia que ia ganhar. Eu tinha escrito um artigo em que afirmava o contrário”, lembrou Alfredo Barroso.
Mas o Chefe da Casa Civil serve também para debater e para testar as ideias antes de o Presidente falar publicamente. “Os primeiros contactos foram para a constituição da equipa. Há muito de intuitivo nisto tudo e por isso eu pensava, intuía, saber o que o PR pretendia de mim, sempre houve uma comunicação muito fácil entre nós. Ele tinha aliás bastantes ideias, trocámos impressões, constituiu-se a equipa”, afirmou Nunes Liberato em entrevista ao Diário Económico em 2011, contando como foi montada a equipa de Cavaco no primeiro mandato.
“Eu nem sempre concordava com o Presidente. Às vezes, o Presidente concordava com as críticas, outras vezes dizia que ele tinha razão”, relembra Barroso, afirmando que viveu 10 anos da sua vida em Belém e que isso marca, mas “não repetiria a dose”. “Estou satisfeito com o meu desempenho. Não fiz nada que tenha prejudicado o Presidente da República”, concluiu o antigo chefe da Casa Civil.
*Artigo foi corrigido no dia 22 de janeiro às 11:32. Nunes Liberato foi secretário de Estado não entre 1985 e 1987 como estava previamente escrito, mas entre 1985 e 1992, tornando-se em seguida secretário-geral do PSD.