Se o Orçamento do Estado traz algumas boas notícias para alguns contribuintes particulares, já para as empresas a generalidade das medidas tem um sinal negativo. Aliás, a viragem face à política de consolidação orçamental seguida pela coligação PSD/CDS não podia ser mais assumida. A começar pelo recuo na reforma do IRC, que chegou a ter o aval do PS liderado por António José Seguro.

As medidas da “contrareforma” do imposto sobre as empresas, como são descritas numa apresentação da Deloitte, passam por manter a taxa do IRC nos 21%, ao invés da prevista descida do imposto para um intervalo entre os 17% e os 19%.

Outro regresso é o limite de 10% de participação acionista detida por uma sociedade sedeada no estrangeiro para beneficiar da isenção fiscal sobre os dividendos (participation exemption). No entanto, essa participação só tem de ser detida por um ano em vez de dois anos.

Também o período de reporte dos prejuízos fiscais, durante o qual os prejuízos podem ser deduzidos nos impostos sobre os lucros, volta aos cinco anos, contra o prazo anterior de 12 anos.

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Mais do que o impacto material destes recuos, os fiscalistas alertam sobretudo para os sinais de instabilidade fiscal que este orçamento dá e os seus efeitos no investimento, já que os investidores valorizam, sobretudo, a estabilidade das regras.

Mas se as notícias não são boas para a generalidade dos setores, com a exceção da restauração, que ganha um balão financeiro com a redução do IVA para 13% na comida e produtos de cafetaria, são especialmente más para alguns setores.

A banca foi um alvo especial do esforço adicional de austeridade, com o agravamento da contribuição extraordinária, que irá dar mais 50 milhões de euros de receita. Mais incerto é o resultado da extensão do imposto do selo sobre as comissões ou contraprestações que a banca cobra sobre as transações realizadas com cartões de débito e crédito no comércio.

Os fundos de investimento imobiliário perdem a isenção de 50% sobre as mais-valias obtidas. Há ainda revogações de benefícios fiscais aplicáveis a fundos de investimento imobiliário, fundos de pensões e fundos poupança-reforma que previa a redução para metade das taxas de IMI (imposto municipal sobre móveis) e IMT (imposto municipal sobre transações).

O aumento, em seis cêntimos, do imposto sobre o gasóleo é, também, uma má notícia para as empresas de transportes de passageiros, táxis e mercadorias, sendo que, no caso dos transportes públicos, os operadores não são livres de passarem este acréscimo de custos para os passageiros.

A proposta de Orçamento do Estado prevê o regresso de um benefício fiscal que permita aos operadores profissionais deduzirem o aumento dos custos com o combustível, mas desde que o regime não tenha impacto orçamental significativo.

Outra medida fiscal que deverá trazer mais receitas ao Estado, mas sem penalizar as empresas, é a possibilidade de reavaliação dos ativos fixos tangíveis. Este regime facultativo permite às empresas reavaliarem no balanço os ativos com vida útil igual ou superior a cinco anos, reforçando a sua situação contabilística.

A diferença que resultar dessa reavaliação pagará uma taxa autónoma especial de 14%, a distribuir por tranches anuais até 2018. As últimas contas apresentadas pelo governo para convencer Bruxelas do esforço orçamental atribuem uma receita de 125 milhões de euros.

E a parte boa? Fundo de capitalização e incentivos às startups

A ideia de lançar um fundo de capitalização de empresas foi lançada em Conselho de Ministros no final de dezembro, com a criação de uma unidade de missão. No relatório do Orçamento, o Governo desvenda um pouco mais daquilo que será o Fundo, dizendo que “será apoiado por fundos comunitários e destina-se a promover investimentos de capital e a conceder empréstimos através de instrumentos de quase-capital. A maioria dos recursos deste fundo irá ser aplicada em empresas e investimentos inseridos em clusters, definidos como de desenvolvimento estratégico para a economia portuguesa”.

Para 2016, o Governo prevê canalizar 140 milhões de euros para o desenvolvimento de novos incentivos ao investimento, do empreendedorismo e na investigação e financiamento de projetos que qualifiquem a oferta turística. Para apoiar o crescimento, internacionalização e criação de empresas, o Governo prevê mobilizar 1.750 milhões de euros de fundos comunitários, que vão gerar um impacto de 2.625 milhões de euros na economia.

Os objetivos para este ano passam também por envolver universidades e escolas de negócios, apoiar a inserção de quadros especialistas em internacionalização e inovação, estimular a agregação de pequenas e médias empresas, agilizando mecanismos de apoio à exportação, entre outros.

Em matéria de inovação, o objetivo passa por promover a transferência de conhecimento e tecnologia entre universidades e empresas e adotar estímulos para que sejam elaborados doutoramentos em empresas. Pretende-se, ainda, promover casos de sucesso e criar sistemas de majoração de financiamento de projetos por associação a universidades.

Além disso, o Executivo prevê lançar o programa Startup Portugal, para criar mais emprego e aumentar a competitividade. Bem como constituir um Fundo Azul, que incentive a criação de startups de base tecnológica e apoie a investigação científica e a monitorização do meio marinho.

No Ministério da Justiça, vai ser criado um “Laboratório de Inovação da Justiça”, para que operadores judiciários, universidades, investigadores e comunidades de startups tecnológicas possam experimentar novas soluções. O Governo também quer definir e implementar uma política pública de introdução de inovação e design no processo industrial.