Depois de uma década a trabalhar em aviação comercial, Miguel Leão transformou-se em barbeiro profissional, já lá vão sete anos. O cabelo de uns quantos lisboetas agradeceu, em particular nos últimos tempos passados na Barbearia Campos, no Chiado, entretanto transplantada para a Rua do Loreto (mas prestes a regressar à localização original).
Há sensivelmente um ano, porém, o pior – pelo menos para quem precisava dele para manter o pelo bem tratado – aconteceu: o barbeiro, que se auto-intitula “The Lisbon Barber”, foi para Oslo envolver-se na fundação da primeira nova barbearia da cidade nos últimos 40 anos e, dessa forma, ajudar os noruegueses a cuidar das suas fartas barbas e cabelos.
No final de 2015, já eram três novas barbearias espalhadas pela capital norueguesa, com dez barbeiros a trabalhar, mas Miguel decidiu voltar para Lisboa e abrir, finalmente, a sua própria casa: a Belarmino. Esta assume-se como uma barbearia clássica, na Travessa do Fala Só, acima da Rua Glória, um oásis de calma entre a Avenida da Liberdade e o Príncipe Real.
Convém marcar com antecedência, por telefone ou online: é provável que, entre clientes habituais que estiveram quase um ano a ressacar da falta do barbeiro de Lisboa e gente nova, só raras vezes seja possível passar na rua, entrar e conseguir cortar o cabelo.
O nome da casa vem de Belarmino Fragoso, o pugilista que foi protagonista de Belarmino, o documentário de Fernando Lopes lançado em 1964 que é um dos primeiros e maiores exemplos do Novo Cinema português (que pode ser visto na íntegra no YouTube). “A história do Belarmino sempre me inspirou, esta é uma homenagem ao homem e à sua arte, bem como à cidade de Lisboa e a todos os homens, cavalheiros sem dinheiro”, conta Miguel.
É que, além de Belarmino ser, no filme, alguém que se preocupa com o cabelo, que não raras vezes brilha com pomada (tradução do inglês “pomade”, que não tem equivalente certo na nossa língua) como muitos cabelos brilhavam nessa altura, e de até haver uma parte passada no Ritz Clube, ali ao lado da barbearia, na Rua da Glória, o boxe é muito importante para o dono da barbearia.
Sou dos Olivais, venho de um bairro duro e onde a violência sempre existiu. Vi-me muitas vezes em confrontos e quis sempre aprender a lutar. Numa das minhas idas à Feira da Ladra deparei-me com a cassete do filme e foi algo hipnótico, não fui capaz de não comprar o filme. Vi e revi vezes sem conta e deu-me força para, quando fiz 16, pedir autorização ao meu pai e ir procurar a escola de boxe do Sporting. Nunca mais parei. Primeiro queria aprender para poder usar nas ruas, mas depois aprendi na escola do boxe uma realidade nova para mim, o boxe e as pessoas que me acompanharam nos vários ginásios que frequentei mudaram a minha vida, melhorei, parei para pensar nos meus atos e nas consequências, aprendi o que era o respeito, o trabalho árduo e o brio.”
É por isso que há luvas de boxe e alusões ao desporto na barbearia, e não só porque a Uppercut, uma das pomadas por lá à venda, deve o nome ao golpe no queixo que se dá nos combates e tem uma imagética que gira à volta disso. Também há uma tábua de skate, outra atividade que o barbeiro praticou, da mesma marca, numa das paredes da Belarmino.
A nota do avô, num dos espelhos da barbearia
O fascínio de Miguel pelo cabelo já vinha de longe, mesmo que só tenha sido transformado em profissão muito mais tarde. “Aos dois anos, o meu pai levava-me religiosamente todos os meses a visitar a Barbearia do Carmo, do Mestre Brito. Ficava fascinado por toda a atmosfera e por poder pertencer a um mundo totalmente diferente daquele a que estava habituado. Sempre fui cortando o cabelo aos meus amigos por piada, sem nunca me aperceber do bicho que crescia dentro de mim”, diz.
Só quando compreendeu que não era feliz na aviação comercial, e tentou perceber o que realmente queria, é que tirou a licença e começou a cortar em duas barbearias dos Olivais, “com os velhotes do costume, que me costumavam cortar o cabelo”. Num dos espelhos da barbearia há uma nota que o avô lhe pagou quando lhe cortou o cabelo pela primeira vez. “‘É para ajudar no início’, disse-me ele, mas na verdade foi obrigado pela minha avó. Guardei-a comigo, sempre com a ideia de pendurar na minha barbearia.”
O barbeiro explica que sempre ligou muito à imagem e esteve atento a tendências, “com um estilo muito próprio”. Isto implica, por exemplo, pôr produtos no cabelo, algo que, no que toca aos cortes clássicos, que os requerem, ajuda os clientes.
“As décadas de 20-60 sempre me inspiraram muito e uso de produtos para estilizar o cabelo é imprescindível. Habituei-me a usá-los, testá-los e estudá-los”, explica, adicionando, além da Uppercut, muitas das marcas de pomadas, ceras e afins que usa. Algumas delas estão à venda na barbearia (e não são fáceis de encontrar em Lisboa): “Layrite, Suavecito, Imperial [que nem na internet é muito comum], Baxter of California, Feather Blades, Proraso, Pinaud…”, um misto entre “as melhores do mercado atual e as que mantiveram prestígio nas últimas décadas”.
Sobre a Belarmino, o dono diz: “A minha barbearia é totalmente diferente de todas as outras, é uma sala de estar para os meus amigos e clientes, onde podem desfrutar de um espaço deles e para eles.” Explica também que é “inspirada na velha história da barbearia tradicional portuguesa, através dos ensinamentos passados pelos mestres barbeiros. É um legado que me passaram e a que honro dar continuidade”.
Nome: Belarmino
Morada: Travessa do Fala Só, 15E (entre a Avenida da Liberdade e o Príncipe Real).
Telefone: 21 402 3337.
Horário: Segunda a sexta-feira das 09h30 às 18h00, sábados das 09h30 às 14h00. Encerra ao domingo.
Preços: barba 10€; cabelo 15€; combo (barba e cabelo) 20€
facebook.com/barbeariabelarmino