Pai que é pai já deu por si a perguntar: “o que é que se passa na cabeça do miúdo?”. Mas apesar de a questão ser vulgar, nem por isso as respostas são fáceis de encontrar, motivo pelo qual a psicóloga e coach parental Cristina Valente, já antes entrevistada pelo Observador, escreveu um livro com o muito apropriado título: O Que se Passa na Cabeça do Meu Filho?.

Lançada no passado dia 11 de fevereiro, em menos de uma semana a obra chegou à segunda edição. Tal poderá significar que há muito boa gente com dificuldade em entender os próprios filhos, algo que o livro de Valente pretende resolver ao tentar descodificar comportamentos de oposição, silêncios e outro tipo de atitudes e estados mentais dos mais novos.

A pensar nesse sentido prático, o Observador falou com a psicóloga de modo a reunir um conjunto de conselhos que podem ajudá-lo a entender melhor os miúdos da próxima vez que eles forem protagonistas de uma birra digna de um Óscar.

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O livro foi editado pela Manuscrito e custa 14,90€.

1. Tente perceber o está por trás de uma birra

Antes de mais, importa explicar o que é uma birra. Estas ocorrem sobretudo entre os 18 meses e os quatro anos de vida e, ao contrário do que se possa pensar, não são um tema de comportamento ou de disciplina. Diz Cristina Valente que tudo não passa de uma descarga emocional, uma vez que uma criança desta idade ainda não tem competências de autocontrolo ou domina a linguagem. O que fazer, então, perante uma birra? A psicóloga aconselha a não fazer nada e a esperar que passe (no sentido em que não vale a pena tentar remediar uma situação, dado que os mais novos não dominam a relação causa-efeito). A exceção acontece quando se está num local público, onde a primeira coisa a fazer, defende a psicóloga, é retirar a criança do lugar, “porque isso vai reduzir a quantidade de estímulos”.

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Valente aponta ainda algumas causas por trás das birras constantes, sobretudo o que diz ser a total falta de respeito pelas rotinas das crianças, a do sono em particular: “o sono é um imperativo biológico que não está a ser olhado como devia, até porque a maior parte das crianças dorme menos do que deve.” A isso acrescentam-se os alimentos infantis refinados, com demasiados açúcares (hidratos de carbono). “Às vezes conseguimos reduzir a excitação de uma criança tendo um sono mais higiénico e fazendo uma alimentação com menos açúcar.”

2. Veja a criança pelo que ela é hoje e não pelo que será amanhã

Sobre este tópico, Cristina Valente aponta de imediato o dedo a uma sociedade que vive de forma muito apressada e que tende a esperar resultados muito rápidos, o que passa para a educação dos filhos. “As pessoas acham que, educando hoje o filho, amanhã ele já vai mostrar resultados. Os miúdos têm um crescimento muito lento e há coisas (desenvolvimentos) que só vamos ver quando eles saírem de casa. Temos muito pouca paciência para olhar para os erros como oportunidades.”

Para explicar melhor o que está em causa, a autora reforça a ideia de que as crianças são muito imediatistas (pensam apenas no presente) e mete o dedo na ferida ao referir-se às atividades extracurriculares como algo que está a tomar “proporções epidémicas” e que tem efeitos ao nível da autoestima dos mais novos, uma vez que eles sentem a pressão dos pais e, consequentemente, acham que não são capazes de cumprir as suas expectativas.

3. Tenha em mente que eles não têm noção dos seus atos

As crianças não são pequenos adultos e os seus cérebros apenas estão totalmente desenvolvidos aos 25 anos, começa por dizer Valente. Depois, quando uma criança faz — imaginemos — uma birra, não o faz de modo a manipular os pais, pelo menos não de uma maneira consciente. Mas há mais: “Se formos muito reativos face a uma birra, quando a idade da birra acaba, a criança pode usar essas mesmas ferramentas para chamar a atenção do adulto”, assegura, referindo-se à designada atenção negativa.

Passemos a explicar: se o filho apenas recebe atenção dos pais (ou de um adulto que considere importante) quando se porta mal, o mais provável é que continue na senda das asneiras. E é precisamente aqui que entra a ideia do reforço positivo para o bom comportamento. A psicóloga recorda ainda que os pais não devem falar do mau comportamento dos filhos à frente deles, caso contrário há probabilidade de os mais novos continuarem a investir nas asneiras.

4. Respeite as escolhas dos seus filhos e defina batalhas

“Nós somos obcecados pela obediência”, atira Valente, que defende que é preciso dar espaço aos miúdos para que estes possam exercer o seu poder — porque sim, as crianças também têm poder. “Tal como um líder, um pai não pode impor a obediência. O pai deve ser olhado como um mestre que os filhos seguem sem serem chamados“, argumenta, focando que o mau comportamento dos mais pequenos pode significar apenas uma luta, no sentido em que eles também têm uma palavra a dizer. A psicóloga traz ainda à conversa o excesso de regras que existem num ambiente familiar: “Num dia somos capazes de dar centenas de regras às crianças… Os pais devem criar regras verdadeiramente inegociáveis, como aquelas que ditam o trabalho de equipa em casa.”

Cristina Valente

Cristina Valente com os dois filhos. DR

5. Reconheça que existem regras negociáveis

Assumindo que os miúdos têm poder, bem como uma capacidade de iniciativa e autonomia imensas, as birras podem representar o início de uma longa caminhada rumo à sua independência. Caso os pais aceitem isso como verdade, diz Valente, será muito mais fácil identificar o espaço das crianças. Outro ponto importante passa pelo facto de os pais tomarem constantemente decisões em nome dos filhos de modo a protegê-los das consequências, mas também de maneira a proteger a sua imagem enquanto figura parental. “Andamos preocupados com a forma como a sociedade vai avaliar o nosso papel de mãe e de pai, algo que muitas vezes estraga o nosso trabalho ao nível da educação”. Exemplo disso é o filho que bate no pai ou na mãe na rua, à frente de todos, e que leva uma palmada em resposta, o que, caso a situação se tivesse passado entre quatro paredes, talvez não acontecesse.

6. Antecipe o bom comportamento

Este tópico tem tudo que ver com o bom exemplo que, já dizia o senso comum, deve vir de cima. Neste caso, dos pais. “Muitas vezes pedimos coisas que, nós próprios, não fazemos. Somos muito bons a exigir o exemplo e somos muito maus a dá-lo”, assegura Valente, explicando que não basta um pai pedir determinadas atitudes — tem de colocá-las em prática para miúdo ver. “As crianças têm uma capacidade enorme de imitar os adultos que lhes são importantes. O exemplo não é a melhor forma de educar, é a única.”

7. Trate os seus filhos como gostaria que o tratassem a si

A ideia não é pôr pais e filhos em pé de igualdade em relação a tudo, mas apenas defender que os mais novos devem ser tratados tal e qual os adultos em duas questões muito objetivas, isto é, no respeito e na dignidade. Num mesmo sentido, Cristina Valente coloca em cima da mesa dois conceitos que diz serem facilmente confundidos: “A autoridade remete para o facto de a criança nos seguir, para o facto de sermos o exemplo. Ser-se autoritário, algo que está presente na voz, postura e forma como se fala, faz a criança sentir-se mais insignificante, uma vez que ela já tem noção que é dependente.”

8. Não anule a agressividade dos seus filhos

O que está aqui em causa é permitir que os mais novos expressem a sua agressividade de forma positiva em vez de a reprimir. Para o explicar, a psicóloga recorda o filme de animação Divertida Mente que explora as quatro emoções básicas que todo o ser humano tem: alegria, medo, raiva e tristeza. “Se eu digo ao meu filho que ele não pode sentir raiva, não estou ajudá-lo a canalizar a raiva de uma forma positiva.” A ideia é reconhecer a existência daquele sentimento — vulgarmente presente nas birras — e lidar com ele. Mas antes que os filhos aprendam a gerir as suas próprias emoções, também os pais devem passar pelo mesmo processo, isto porque — repita-se — as crianças aprendem pelo exemplo.