Fernanda Torres considera que o flirt é “um estado de graça a ser preservado”, rejeita as campanhas anti-piropo, considera que o assédio pode ser um “poder admirável” e alerta que “reclamar do homem é inútil”. Diz ela: “A vitimização do discurso feminista me irrita mais do que o machismo”.

A atriz brasileira é a autora das declarações polémicas que constam no texto “Mulher“, no blogue #AgoraéQueSãoElas. Entretanto, depois de muitas críticas e comentários furiosos, Fernanda Torres já publicou um outro texto intitulado “Mea Culpa” — um pedido de desculpas, porque não quis que o texto fosse “uma afronta a nós mulheres”.

Fernanda Torres começa por apontar desigualdades sofridas pelas mulheres, desde a lida da casa até à violência doméstica, com particular destaque para a diferença de papéis que homem e mulher assumem quando têm um filho. Diz ela que as mulheres têm “um relógio biológico certeiro” e que “a fragilidade no emprego e a dependência dos cônjuges (…) passa pela incapacidade do feminino de se desapegar das crias”. Mas um homem, seja ele como for, “dorme quando está cansado, sai quando deseja e dá prioridade à própria agenda”. Para a atriz, essa diferença de comportamentos é natural. “Algumas correntes defendem que essa diferença é cultural, mas eu acho que é biológica, carnal”, sustenta.

A atriz de 50 anos diz-se defensora da licença de paternidade, da divisão de tarefas nos cuidados do bebé e da presença de creches nas empresas, mas remata logo a seguir que “homem gosta muito de estar com homem”. “Não me incomoda o machismo, confesso, talvez seja uma nostalgia de infância que carrego. A geração que me criou era formada por machões gloriosos (..) irresistíveis até nos seus preconceitos“.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A “nostalgia da infância” também é razão invocada para que Fernanda seja simpatizante do piropo. Aqui entram as lembranças da sua ama, um “avião de mulher”. Irene “causava furor onde quer que passasse” e isso significava ouvir os homens “uivando, ganindo, gemendo nas obras, nas ruas, enquanto ela seguia orgulhosa”. A sucessão de piropos era vista pela criança da altura como a confirmação constante da beleza da babá: “Sempre associei esse fenómeno à magia da Irene. O assédio não a diminuía, pelo contrário, era um poder admirável que ela possuía”. O flirt é “um estado de graça a ser preservado” e as campanhas “anti fiu-fiu” (piropo, ou assobio a quem passa) não merecem a atenção da atriz.

É claro que um chefe que mantém uma subalterna sob pressão constante merece retaliação, mas uma vida de indiferença, onde todo mundo é neutro, sem pau, bigode, ah… é uma desgraça”.

Fernanda Torres desdobra-se em críticas à “vitimização do discurso feminista”, que a “irrita mais” do que o machismo, até porque, muitas vezes, “a dependência, a aceitação e a sujeição da mulher partem dela mesma”. E livrar-se dessa situação também só depende dela mesma, visto que “reclamar do homem é inútil”.

A atriz adianta também que viu um livro seu ser recusado por um editor alemão que disse que a obra “era machista”. Alguém respondeu ao editor que a obra tinha sido escrita por uma mulher mas o homem insistiu na tese de machismo. Fernanda Torres responde assim: “Está certo o editor, eu sou latina, não consigo entrar numa sauna com todo mundo pelado e me manter isenta”.

Depois da chuva de críticas, a atriz não demorou muito até dizer “Mea Culpa”. No texto publicado na mesma plataforma, Fernanda Torres pediu desculpas e admitiu a educação e o ambiente privilegiados em que cresceu. “Dizem que eu escrevi do ponto de vista de uma mulher branca de classe média. É o que sou”, atira. Fernanda explica que, depois de refletir sobre o assunto, entendeu que “existe uma discussão maior, (…), uma luta pela erradicação da violência contra a mulher num país já tão violento, discussão essa que não comporta meios-termos”. “Prometo estar atenta. Perdão por ter abordado o assunto a partir da minha experiência pessoal que, decerto, é de exceção”, rematou.