Foi o momento DocLisboa na passerelle mais importante da capital. Ao primeiro dia da ModaLisboa, que decorre até domingo no Pátio da Galé, Nuno Gama obrigou toda a gente a chamar um táxi e a ir até ao Centro Cultural de Belém ver outro tipo de desfile. Durante 50 minutos, o ecrã do Grande Auditório serviu para mostrar, num filme-documentário, quem é o homem que muitos definem numa palavra: “espectáculo”.

“Ele era e é sempre muito apoteótico”, diz a diretora da ModaLisboa, Eduarda Abbondanza, uma das muitas vozes chamadas a comentar o trabalho e a personalidade do homenageado ao longo do filme. Só por isso não é de estranhar que o designer de moda tenha trocado de localização e de suporte, mostrando apenas o teaser daquela que será a sua próxima coleção de outono/inverno quando esse é o principal propósito da semana de moda. Afinal, foi Nuno Gama que montou um desfile sobre a rosa-dos-ventos que serve de pavimento ao Padrão dos Descobrimentos e que ocupou o Terreiro do Paço com uma parada de GNRs a cavalo, é Nuno Gama que não se coíbe de escrever a palavra “gama-me” nas reduzidíssimas tangas com que veste os seus modelos masculinos, e é ainda Nuno Gama que habitua cada vez mais o seu público a desfiles-performance onde há muito mais do que roupa e testosterona — há por exemplo atores a declamarem cantos d’Os Lusíadas, como aconteceu na coleção passada, dedicada aos Descobrimentos.

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O desfile que parou o Terreiro do Paço, em março de 2014. Foto: Patrícia de Melo Moreira/AFP/Getty Images

Apresentar um filme em vez de uma coleção foi “um risco” mas a pausa será “recompensada dentro de um mês”, diz o designer em declarações aos jornalistas, referindo-se ao dia em que fará efetivamente 50 anos — 22 de abril –, e em que irá mostrar as criações para a próxima estação sob o título “Heterónimos”, numa clara referência a Fernando Pessoa.

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“Este filme é quase um exorcismo, um striptease completo. São 50 anos, 50 coleções, 30 anos de trabalho e 25 anos de ModaLisboa. Quando se começa a olhar para o passado há muita vida envolvida e foi essa vida que tentámos mostrar, desmontando a história e tentando desvendar também o que está por trás.”

Da primeira coleção com uma preocupação ecológica à loja do Príncipe Real, passando pelo atelier de alfaiataria ou o grande incêndio que deixou em cinzas a empresa do designer, em 1998 — se tudo correr bem, os bastidores e a memória ligados ao nome Nuno Gama darão também uma exposição e o filme documental terá outra divulgação para além da apresentação única perante um Grande Auditório cheio. “Nada tem data marcada mas a ideia é ir espalhando as celebrações ao longo do ano”, avança o criador, incluindo nessas celebrações o lançamento de um livro sobre a sua carreira assinado por Cristina L. Duarte e editado pela Uzina Books.

O designer da portugalidade

Embora Nuno Gama confesse, no filme, que sente que está sempre a regressar à mesma peça — uma camisa branca com riscas azuis, uma das primeiras criações que apresentou enquanto estilista — há algo mais que une o seu trabalho e que se torna evidente na película: a constante homenagem ao que é português. Isso tem sido evidente ao longo de quase todas as coleções, em elementos reproduzidos e reapropriados como os corações de Viana, os lenços dos namorados, a passamanaria, o galo de Barcelos, os azulejos, a esfera armilar, o estilo manuelino, Os Lusíadas, a Nazaré ou o fado, todos eles recuperados em imagens do documentário, com mais ou menos definição.

“Continuo apaixonado por Portugal e acho que a nossa cultura ainda não é conhecida lá fora como eu gostaria”, diz o designer numa das entrevistas usadas na montagem, vestido com uma t-shirt onde se vê a imagem de uma caravela. É o mesmo Nuno patriótico que admite que causou algum desconforto pela forma como escolheu terminar um dos desfiles dedicados aos Descobrimentos: “A maioria das pessoas não sabe o que há-de fazer com o hino. Ainda há muitas sombras, uma espécie de bicho-papão, um medo de ser fascista.”

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Na coleção para a primavera de 2016, encerrada ao som do hino nacional, não faltou sequer um Luís de Camões “emoji”. Foto: ModaLisboa

Ao mesmo tempo virado para o país e lá para fora, no marco dos 50 anos Nuno Gama diz que ainda há pelo menos duas coisas que quer fazer: lançar um perfume em grande escala e voltar ao percurso internacional, apresentando-se ao lado dos “tubarões”.