É por coisas como esta que a expressão “pergunta da praxe” apareceu. Acontece quando uma equipa faz o que deve, avança nas competições, ganha jogos e com eles vai tendo o direito de jogar mais jogos. Aí apareceram as questões do cansaço, dos músculos a tremerem de fadiga, das pernas que não aguentam o acumular de minutos. É a sina de uma equipa vencedora: quando se passa das 30/35 partidas na temporada, lá se começa a perguntar sobre o cansaço. Depois há quem acredite que a mente manda no corpo e que ele só sente isto do cansaço se ela quiser. Que é como quem diz, se não houver motivação. Rui Vitória pensa assim.
Só que depois acontecem outras coisas, como Nico Gaitán agarrar-se à coxa depois de fazer um sprint e de escutar o que ela tem para lhe dizer: já chega. A perna do argentino aguentou até aos 58 minutos e foi aí que o capitão do Benfica se virou para o banco para pedir que o treinador o tirasse do campo. Rui Vitória viu e ouviu-o e fez-lhe a vontade porque Gaitán já tinha feito mais do que o suficiente. Fora ele quem mais aproveitara o atrevimento com que o Tondela entrou no relvado e tentou chatear os encarnados como se fosse uma equipa grande — a pressionar lá na frente, perto da área, fechando os espaços aos centrais e arriscando para obrigar o Benfica a arriscar também.
Ou seja, desde o início que a equipa treinada por Petit quis jogar um jogo que costuma ser ganho por quem tem melhores jogadores. O Tondela chegou-se à frente, abriu espaços atrás e criou as situações para os encarnados mostrarem que tem melhores pés, mais rotação e maior intensidade a trocar a bola quando é preciso sair da pressão. Foi aí que Nico Gaitán começou a ter o espaço para receções orientadas, arrancadas pela esquerda e tabelas para se aproximar da área. Uma dessas iniciativas deu no canto que, logo aos 11’, o argentino bateu para a cabeça de Jardel fazer um golo.
O Tondela quis pressionar ainda mais, só que os médios nem sempre conseguiam chegar perto de Nathan Júnior, Menga e Wagner, os avançados que pressionavam sempre. Os espaços eram maiores e o tempo mais longo para o Benfica pensar. Aos 24’ pensou em fazer uma jogada quase sempre ao primeiro toque, que acelerou no calcanhar de Gaitán, visitou Talisca e Pizzi e parou no pé esquerdo de Jonas, que marcou depois de o argentino lhe cruzar uma bola rasteira, para a área. Nem assim o último classificado da liga deixou de chatear quem queria recuperar o primeiro lugar. Petit mantinha a equipa a tomar os riscos que costumam dar razão aos treinadores que não se atrevem a ligar o motor do autocarro para o tirar da frente da baliza que defendem contra os grandes.
Isso apenas valeu à equipa no arranque da segunda parte, quando logrou aproximar vários jogadores na frente, recuperar bolas onde mais interessa — perto da área dos outros — e libertar alguém para rematar: primeiro foi Nathan Júnior, que disparou bem forte mas por cima da barra; depois foi Menga, cujo remate pareceu um passe para fora. Quando a coxa tirou Gaitán do jogo (com a 9.ª e a 10.ª assistências na liga) e Rui Vitória quis dar os minutos de que os músculos de Salvio precisam o Benfica ficou com pernas frescas nas alas. Habituou-se de vez à pressão que o Tondela já fazia com menos tino e passou a controlar a partida com mais calma.
Passou a acelerar com a parcimónia de quem sabia que o adversário ia acabar por quebrar. Que o cansaço sobre o qual perguntavam a Rui Vitória ia dar de si nos jogadores do Tondela. Quando não é cabeça a anular o cansaço o contrário acontece. E por desatino ou desconcentração, o central Bruno Nascimento cabeceou para trás a bola vinda de um lançamento lateral longo de Eliseu — que foi parar à cabeça de Jonas, que a dois metros da baliza não achou difícil fazer o 28.º golo no campeonato. O 3-0 arrumava o resultado para o Tondela.
E a cabeça, também. Porque antes de os centrais da equipa adormecerem por um segundo e não reagirem a um chutão que Jardel atirou de qualquer maneira para a frente, já Gonçalo Guedes e Salvio tinham rematado com perigo à baliza após o Tondela perder bolas junto à sua área. E quando os centrais acordaram já Mitroglou corria nas costas e teve até tempo para apenas controlar à segunda a bola que rematou para dentro da baliza. O cansaço não era com o grego, que também não teve cabeça para se controlar: despiu a camisola nos festejos e viu o cartão amarelo que o vai tirar do próximo jogo, contra o Boavista.
Este foi um dos desvarios da cabeça do qual Rui Vitória se pode queixar. O outro apareceu na bola que a equipa deixou Luiz Alberto levar à vontade até à entrada da área e aí passar a Nathan Júnior, que marcou o golo de consolo para um Tondela que jogou para não merecer uma derrota com tanta barriga. Sem contar com a coxa de Gaitán que pediu descanso, o Benfica não deu sinal de ser uma equipa cansada de estar a competir em três frentes (ainda tem a meia-final da Taça da Liga, contra o Braga) e ter de jogar quase sempre de três em três dias. Agora, para variar, terá uma semana sem jogos pelo meio até a próxima jornada do campeonato. O treinador gosta disso, mas nem isso o fez largar a ideia de não ligar ao cansaço dos jogos: “Gostamos de jogar, treinar menos e jogar mais.”