O Presidente da República entendeu inovar e fazer uma comunicação ao país para justificar a promulgação do Orçamento do Estado. Escrevo Presidente com uma dúvida: quem me pareceu ver sentado naquela mesa no Palácio de Belém não foi o chefe de Estado, mas o “professor”, pelo tom adoptado e pelo cuidado em explicar os diferentes passos por que passa a elaboração de Orçamento. Pareceu-me mesmo ver ali o comentador, que foi apresentando os prós e contras do Orçamento, mas sem nunca se comprometer. Muito, pouco ou nada.

Devo dizer que não fiquei demasiado surpreendido: Marcelo não gosta, nunca gostou de se comprometer. Por isso nunca disse, por exemplo, se achava que este era o melhor Orçamento possível – disse apenas que era o que resultava de um compromisso entre a maioria existente no Parlamento e as instituições europeias. Disse que o Orçamento implicava riscos, mas não se pronunciou sobre eles – isto é, não alertou para os reais perigos que temos cá dentro, só falou das incertezas que temos vinda lá de fora.

Para um comentador, foi uma prestação normal. Para um professor, uma lição sem ondas. Para um Presidente foi muito curto, mesmo tentando descortinar eventuais mensagens mais sibilinas.

Se Marcelo Rebelo de Sousa entendia ser importante falar aos portugueses, devia ter sido por ter alguma coisa importante para lhes dizer. Não tinha. Uma opção difícil ou controversa para explicar. Também não tinha, pois ninguém esperava que não promulgasse o Orçamento. A comunicação teve, por isso, muito mais de equívoco do que de “inovação”.

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Mesmo assim Marcelo transmitiu duas mensagens erradas. E tão perigosas como condenáveis.

A primeira foi a insistência na ideia, falsa, de que existe uma espécie de contradição entre a necessidade de rigor nas contas públicas e políticas de crescimento e emprego. É uma ideia errada, uma ideia que durante muitos anos nem sequer o Partido Socialista subscrevia, pelo menos no discurso. É exactamente o contrário: temos problemas de crescimento e problemas de desemprego porque temos um Estado e uma economia excessivamente endividadas, e temo-las porque durante muitas décadas não houve rigor nem contenção na gestão das contas públicas e nas mensagens enviadas aos agentes económicos privados, assim como às famílias.

A segunda mensagem errada foi a de que o sucesso de uma política orçamental que aposta no aumento do consumo não depende do rigor na execução orçamental: depende de um milagre, já que foram muitos anos de muito consumo que nos levaram quase à bancarrota sem nunca proporcionarem crescimento económico que se visse. As empresas portuguesas não necessitam de políticas de estímulo ao consumo das famílias – necessitam de reformas que contribuam para aumentar a sua competitividade, reformas que ou foram interrompidas ou foram revertidas com este Orçamento. Não é preciso esperar pelo “Plano Nacional de Reformas” para saber que se começou a fazer marcha atrás com o OE agora promulgado: Portugal volta a divergir da Europa por opção própria, por cedência à agenda dos partidos que apoiam o Governo.

É neste quadro que os alertas para a necessidade de o Governo e a administração pública serem rigorosos na aplicação do Orçamento – no fundo o único sinal dado pelo Presidente de que não acredita muito na exequibilidade do documento que acabara de promulgar – são alertas algo pífios. Pior: vieram acompanhados por algo que o comentador devia saber ser uma mentira: a ideia de que agora já não vivemos em campanha eleitoral. Vivemos. Basta ver os outdoors que os partidos que apoiam o Governo andam a espalhar pelo país. Assim como bastaria ter visto os noticiários de hoje e assistir ao extraordinário (e surreal) momento de campanha eleitoral que representou a ida do primeiro-ministro à Sociedade Histórica da Independência de Portugal onde, na presença do herdeiro do trono de Portugal, se foi congratular pela reposição de quatro feriados nacionais.

Não tenhamos pois ilusões: o ambiente de campanha eleitoral não acabou, a actual maioria conhece a sua própria fragilidade e por isso não governará como em tempos normais – aliás é ela que mais pensa em eleições, não a direita, que nada teria a ganhar com esse cenário a curto prazo, ao contrário do que muitos sugerem.

Não sei se seria nisso que Marcelo pensava quando, depois de se dirigir ao país, foi passear por entre os buxos dos jardins do Palácio. Era bom que fosse, mas não creio.

José Manuel Fernandes é publisher do Observador

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