A aplicação de uma medida de resolução ao Banif no final de 2015 parece ter caído como uma bomba. Mas a verdade é que o cenário de uma intervenção no banco estava há muito em cima da mesa do supervisor bancário e do Ministério das Finanças, pelo menos desde o segundo semestre de 2012.

O Banco de Portugal (BdP) estudou e preparou vários cenários para intervir no Banif para o caso de o plano de recapitalização e reestruturação falhar. Correspondência trocada entre o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, e o governador, Carlos Costa, mostra que o então titular da pasta sempre insistiu na necessidade de existir um plano de contingência para o Banif, mesmo depois de ter sido convencido pelo líder do banco central que o banco era viável.

As cartas enviadas à comissão parlamentar de inquérito ao Banif revelam, ainda, que o banco esteve à beira de perder o estatuto de contraparte, que lhe dá acesso ao financiamento, em novembro de 2012. Carlos Costa assume, mesmo, ser “provável a retirada por parte do Eurosistema do estatuto de contraparte elegível para as operações de política monetária, na ausência de uma decisão até ao próximo dia 22 de novembro” de 2012.

Três anos e uma injeção pública de 1.100 milhões de euros, foi isso que veio a acontecer por decisão do conselho de governadores, deixando o Banco de Portugal sem alternativa que não a de resolver o Banif, impondo perdas aos acionistas, a começar pelo Estado. Pelo menos, na versão que foi já contada por um ex-administrador do supervisor, António Varela.

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Um tema crítico na sexta avaliação da troika

De regresso a novembro de 2012, a carta do governador a Vítor Gaspar também revela que o Banif foi um tema crítico nas negociações da sexta avaliação do programa de assistência, e realça a “extrema urgência de uma decisão definitiva, não só para concluir esta avaliação, mas também por causa dos riscos para a estabilidade financeira.”

Numa correspondência posterior dirigida ao ministro das Finanças, o Banco de Portugal diz que a preparação de um plano de resolução do Banif foi um compromisso assumido no quadro da quinta avaliação da troika, para preparar a eventual impossibilidade de recapitalização. Foi criado um grupo de trabalho interdepartamental para o efeito, tendo o plano de resolução sido submetido à troika a 31 de outubro de 2012.

Desde Junho de 2012 que o Banif estava em incumprimento dos rácios mínimos de capital, o que levou o supervisor a exigir a apresentação de um plano de recapitalização financeira ao banco. A última versão deste plano aponta para necessidades de capital de 1.100 milhões de euros, mais do dobro do valor identificado há menos de um ano pelo próprio BdP e que era de 440 milhões de euros.

Como almofada de segurança, o regulador aponta para um valor final de 1.400 milhões de euros. Mas os acionistas privados do Banif não tinham capacidade para investir e a solução proposta por Carlos Costa foi a de optar pela recapitalizacao pública.

Apesar de uma clara preferência por esta via, o Banco de Portugal nunca deixou de estudar e preparar alternativas, sendo que o cenário mais trabalhado foi a resolução, até porque Vítor Gaspar assim o exigiu, tal como a sua sucessora, Maria Luís Albuquerque.

O tema também foi discutido com a troika, conforme revela a carta de 15 de novembro de 2012.

“Nos últimos meses, o Banco de Portugal tem vindo a desenvolver competências internas específicas para o caso de vir a ser necessário recorrer a essa possibilidade”.

Plano serviu de teste à resolução do BES

A solução “desenhada e preparada” passava pela criação de um banco de transição com uma gestão nomeada pelo Banco de Portugal que assumiria a maioria dos ativos e responsabilidades do Banif, salvaguardando depositantes e compromissos com o Estado e Eurosistema.

As restantes responsabilidades perante acionistas e credores subordinados ficavam no “Banif mau”, que iria para liquidação. Esta solução exigiria um esforço financeiro, então calculado pelo BdP, entre 2.500 e 4.800 milhões de euros. Não havendo verba suficiente no Fundo de Resolução, caberia ao Estado emprestar o montante necessário, que seria reembolsado pelos bancos, com o BdP a reconhecer o impacto pesado na Caixa, ao longo de “um prazo razoável”. O banco de transição seria vendido num prazo de dois a cinco anos.

Este modelo foi sendo testado e aperfeiçoado ao longo do tempo e acabou por ser aplicado à resolução do Banco Espírito Santo, dois anos mais tarde.

Como Carlos Costa convenceu um surpreendido Vítor Gaspar

A primeira reação do então ministro das Finanças à proposta do governador, para uma capitalização com fundos públicos de 1.100 milhões de euros, foi de surpresa, como se lê na resposta de Vítor Gaspar com data de 15 de novembro, no mesmo dia.

“Foi com surpresa que recebi as mais recentes indicações de V. Exa. para solucionar a situação do Banif, em especial o acrescimento tão significativo dos montantes avançados para as necessidades de capital em função da deterioração da posição agora invocados deste banco”.

Vítor Gaspar sublinha o acompanhamento e supervisão intensivo a que o Banif tinha estado sujeito pelo Banco de Portugal no último ano e meio e considera, ainda, que a indicação dos elevados riscos de uma resolução limita em muito as opções do Estado na matéria, Queixa-se, também, da “pretensa imputação de deveres e obrigações ao Estado, em igualdade com o Banco de Portugal em matéria de preservação da estabilidade financeira”.

Sem deixar de assinalar o elevado esforço exigido ao Estado e a falta de quadro legal, o ministro das Finanças exige ao BdP que esclareça, com a máxima urgência, 18 questões. Entre elas, incluem-se a confirmação expressa da efetiva viabilidade do Banif e a descrição detalhada dos critérios utilizados pelo supervisor para a aferir, bem como a comparação das opções de recapitalização e resolução do Banif, e respectivos custos, e a avaliação de alternativas como o saneamento e liquidação.

As respostas do supervisor descrevem, com algum detalhe, um cenário de resolução com a criação de um banco de transição com custos estimados ente 1.900 e 4.000 milhões de euros. São assinalados diversos riscos de execução, desde o jurídico — o perigo de os tribunais travarem a resolução — passando pela fuga de depósitos e, até, “o desconhecimento do Banco de Portugal quanto a determinadas matérias de índole prática.”

O regulador assinalava ainda que, a nível mundial, não havia experiências comparáveis de uma resolução de um banco com a dimensão do Banif, que tinha 600 mil depositantes. A resolução acabou por ser aplicada a um banco quatro vezes maior do que o Banif.

Apesar de nunca ter deixado de trabalhar no “plano B” da resolução, o governador apostou claramente na recapitalização pública do Banif, havia dinheiro da troika para esse efeito, e tratou de convencer o ministro das Finanças da viabilidade do banco.

Logo na missiva de 15 de novembro de 2012, Carlos Costa assume:

“É opinião do Banco de Portugal que o Banif, com uma capitalização adequada, um modelo de negócio focado e uma gestão competente, é uma instituição de crédito viável no contexto do sistema financeiro, mesmo num quadro macroeconómico de grande adversidade como o que se perspetiva.”

António Varela, que foi representante do Estado na administração do banco em 2013 descreve um banco muito, muito mau, com uma estratégia errada na concessão de crédito sem critério e uma excessiva concentração no imobiliário e em grandes devedores. Mas também destaca a excelente qualidade e empenho da rede comercial é grande fidelidade dos clientes, sobretudo nas ilhas e na comunidade emigrante. Havia a convicção também do lado do BdP que uma vez resolvidos os problemas no balanço e com uma nova gestão e a supervisão mais apertada, o Banif seria viável.,

Ainda assim, o BdP assinalava os riscos e a exigência de um montante muito superior ao previsto de investimento público.

“É, porém, forte convicção do Banco de Portugal, que a alternativa a esta solução, designadamente a aplicação de uma medida de resolução ao Banif, apresentaria no atual contexto, riscos acentuados para a estabilidade financeira e, muito provavelmente, comportaria também custos mais elevados para o Estado, especialmente se alguns daqueles riscos se materializarem”.

Mais do que defender a viabilidade do Banif, a argumentação de Carlos Costa insiste, sobretudo, no papão do perigo para a estabilidade financeira. “Mesmo nos cenários mais desfavoráveis, em que a recapitalização é suscetível de gerar custos para o Estado, o Banco de Portugal considera que é claramente preferível aceitar a possível materializarão desses custos do que incorrer nos riscos da instabilidade financeira”. À data, é preciso recordar que Portugal estava no meio do plano de assistência, em profunda recessão económica e sem acesso aos mercados internacionais. O fantasma de um segundo resgate estava ainda em cima da mesa.

Em abril de 2013, o regulador assume em carta ao ministro das Finanças que a decisão de recapitalização do Banif contribuiu “de forma relevante para a preservação da confiança no sistema bancário português” e para o cumprimento dos objetivos do programa de assistência.

Depois da extensa e exaustiva resposta do supervisor, o ministro das Finanças dá “luz verde” preliminar à recapitalização do Banif, 1.1oo milhões de euros em capital público e instrumentos de dívida, mais uma fatia de investimento privado na ordem de 400 milhões de euros, a concretizar até ao verão de 2013. Em carta de 21 de janeiro de 2013, Vítor Gaspar mostra-se convencido pelos argumentos de Carlos Costa: necessidade de salvaguardar a estabilidade financeira em Portugal e a confirmação da viabilidade do Banif por parte do Banco de Portugal.

Ainda que considerando o cenário de resolução “muito improvável” perante as “garantias transmitidas pelo Banco de Portugal”, o ex-ministro das Finanças insiste, contudo, na necessidade de preparar uma solução de resolução ou outra para imediata execução com todas as tarefas preparatórias para “evitar que a alternativa a ponderar seja invariavelmente o recuso ao Estado, numa função de recapitalização do sistema financeiro que é excecional”.

Mais tarde, o Banco de Portugal veio a alertar para “a aparente contradição” entre a aplicação de uma medida que determina a perda total dos acionistas, incluindo o Estado e a salvaguarda do interesse dos contribuintes. Foi o que veio a acontecer no Banif.

Banco de Portugal confiou em solução à BES para o Banif

A resolução do Banif continuou a ser trabalhada, também a pedido da sucessora de Vítor Gaspar na pasta das Finanças, Maria Luís Albuquerque, ainda que o desenho final tenha evoluído, mas sempre passando pela criação de um banco de transição

Sabe-se, agora, que essa foi a proposta levada pelo Banco de Portugal ao conselho de supervisão do Banco Central Europeu na derradeira semana do Banif e que o fracasso na venda do Novo Banco, também ele um banco de transição, foi argumento usado contra esta solução.

Por outro lado, o Banco de Portugal estava confiante de que poderia ter um papel mais determinante no processo de captação de investidores. A correspondia revela intenção de pedir à autoridade da concorrência europeia uma autorização que permitisse aos bancos portugueses, CGD, BCP e BPI, concorrerem, apesar de estarem impedidos de o fazer pelas regras das ajudas de estado.

A não aprovação do plano de reestruturação por parte da DG Comp, a direção geral de concorrência da União Europeia, foi logo identificada como o maior risco de execução do plano de recapitalização do Banif. No entanto, as autoridades portuguesas parecem ter confiado que seria um obstáculo ultrapassável, conforme atesta uma carta de Carlos Costa para Maria Luís Albuquerque, com data de 25 de outubro de 2013.

A não obtenção da “luz verde” da direção geral da concorrência acabou por potenciar outros dos riscos identificados: a incapacidade de encontrar investidores privados que comprassem a parte do Estado, a um preço que passasse no exigente crivo das ajudas de Estado da DG Comp e, ao mesmo tempo, resolvesse a insuficiência de rácios que o banco voltou a enfrentar.

E, no final, acabou por ser um terceiro risco identificado pelo Banco de Portugal a dar o golpe final ao Banif: uma insuficiência de liquidez grave, que colocou o banco no limiar da suspensão de pagamentos, depois de uma perda sistemática de depósitos que se transformou numa hemorragia após a notícia da TVI que anunciava o encerramento do banco.