Miguel Pinto Luz, presidente da distrital de Lisboa do PSD, fez um depoimento abonatório em tribunal, a favor de dirigentes do partido, que serviu para os arguidos tentarem encobrir uma agressão a um autarca idoso, também social-democrata. O caso remonta a 4 de novembro de 2009, era Pinto Luz vereador na Câmara Municipal de Cascais (CMC), onde hoje é vice-presidente. Nessa manhã, por volta das 10h, Rodrigo Gonçalves e Pedro Reis, dois dirigentes da secção A de Benfica do PSD, atacaram Domingos Pires, presidente da Junta de Freguesia de Benfica, então com 71 anos. O autarca seria tratado aos ferimentos, pouco depois, no posto médico.
O tribunal de primeira instância deu os factos como provados e condenou os agressores ao pagamento de indemnizações no valor de cerca de três mil euros cada um. Foi, porém, no recurso para o Tribunal da Relação que os réus se basearam no testemunho de Miguel Pinto Luz e de outros dois membros do seu gabinete na CMC. A decisão da Relação, assinada há menos de um mês, no dia 8 de março, manteve a condenação dos dois dirigentes do PSD/Lisboa, apesar de Pinto Luz e os seus colaboradores terem dito em tribunal que, à hora das agressões, Rodrigo Gonçalves e Pedro Reis estavam numa reunião na câmara de Cascais. O tribunal não atribuiu crédito suficiente aos depoimentos para reverter a decisão.
A história tem contornos insólitos. Rodrigo Gonçalves, que nessa época era presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, começou por dizer não ser ele o autor das agressões. Apesar de três testemunhas terem deposto em tribunal a dizer que viram Domingos Pires a ser agredido por Rodrigo Gonçalves e Pedro Reis “por volta das 10h da manhã”, os arguidos apresentaram uma cópia de um documento de Via Verde (de cuja veracidade o tribunal desconfiou), assinalando que tinham passado por uma portagem às 9h58 desse dia.
Segundo o acórdão da Relação, Miguel Pinto Luz testemunhou perante a justiça dizendo que, naquele dia, teve lugar uma reunião, “na qual deveria ter participado, o que não veio a acontecer por motivos imprevistos”. Mas confirmou a presença dos agressores na CMC: “Nesse dia, a hora que não soube precisar, que situou por volta da ’10h00 e pico’, [Pinto Luz] passou pelo gabinete da testemunha Paulo Lage, onde já estava a decorrer a reunião, embora no início, e cumprimentou as que ali se encontravam, entre as quais os arguidos Rodrigo e Pedro Reis”. Mais tarde, através da comunicação social, “tomou conhecimento da notícia que dava conta da alegada agressão dos arguidos Rodrigo [Gonçalves] e Pedro Reis” e afirmava que, pelos comentários a que assistiu, “não poderia ter acontecido dado que àquela hora estava a decorrer a reunião”. Pinto Luz sublinharia ainda o facto de a reunião ter decorrido antes das 10h30, pois a essa hora tinha um encontro noutro local.
Rodrigo Gonçalves negou todas as acusações “peremptoriamente” e disse que no dia 4 de novembro de 2009 estava numa reunião na CM Cascais, com João Manuel Salgado, Gonçalo Lage e Miguel Pinto Luz. “Pouco antes das 10h00 apanhou a auto-estrada A5 em direcção a Cascais e segundo crê terá passado pela Via Verde”.
Rodrigo Gonçalves e Pedro Reis não são uns militantes quaisquer. Rodrigo Gonçalves liderou a maior secção lisboeta do PSD, em Benfica, essencial para a eleição de qualquer presidente distrital. Com o fim das secções na capital, agora esta facção controla o Núcleo Central de Lisboa, que é presidida por Pedro Reis. Para o congresso social-democrata que este fim de semana está a decorrer em Espinho, este grupo do PSD/Lisboa conseguiu obter mais de 726 votos (51% no concelho de Lisboa) para eleger 15 delegados. Refira-se que as maiores secções concelhias do PSD são Gaia (17 delegados) e Famalicão (15 delegados). Rodrigo Gonçalves, que foi em novembro ilibado, em julgamento, de um processo de corrupção, trabalha no gabinete dos vereadores do PSD na Câmara Municipal de Lisboa. Pedro Reis trabalha numa empresa municipal de Cascais.
O Tribunal da Relação escreveu no acórdão que Gonçalves e Reis se basearam na reunião da CMC para tentarem reverter a condenação da primeira instância: “A estratégia da defesa foi toda ela dirigida no sentido de os arguidos demonstrarem que, à hora em que os factos haviam pretensamente ocorrido, na versão da acusação (por volta das dez horas) os arguidos não podiam ter estado no local em que eles ocorreram porque se encontravam numa reunião na CMC.”
Mesmo que tenha havido uma reunião na CMC naquele dia, lê-se no acórdão, “[esse] facto não prejudica as conclusões anteriores” — ou seja, a confirmação da identidade dos agressores –, havendo compatibilidade entre as duas ocorrências. O tribunal deu, no entanto, pouca credibilidade às provas apresentadas, assim como não deu relevância às horas referidas pelas testemunhas para a reunião. O tribunal fez questão de registar que estranhava a cópia enviada da Via Verde, uma “cópia de mera mecânica” com uma “importância probatória escassa”. A reprodução não tem “o código de barras identificativo, o que seria normal mesmo numa segunda via”. O tribunal também “estranha”, consta na decisão, “que [a defesa] não tenha pedido igualmente o comprovativo” da presença dos arguidos “na CMC, note-se, embora tenha sido tentado através da CMC, da Ronsegur,”, a empresa de segurança, “e através da agenda das testemunhas confirmar a hora de entrada dos arguidos na CMC, não se mostrou possível tal desiderato”. Ou seja, o tribunal não achou suficientes os depoimentos e estranhou que não aparecessem mais documentos que comprovassem as horas que as testemunhas alegavam, como o papel que os seguranças entregam na portaria aos visitantes da câmara. Para além de Pinto Luz, as testemunhas que confirmaram a reunião na câmara foram João Manuel Salgado, então adjunto de Pinto Luz, e Gonçalo Lage, assessor de Carlos Carreiras, que nessa época ainda era apenas vice-presidente da câmara.
Contactado pelo Observador, Rodrigo Gonçalves diz que as decisões dos tribunais estão erradas nas duas instâncias. “Como estou inocente e apresentei todas as provas, vou recorrer da decisão, se puder”. O dirigente do PSD diz que há duas opiniões sobre o seu caso: uma que defende que poderá recorrer e outra que esta decisão já não é passível de recurso para instâncias superiores.
O Observador tentou contactar Miguel Pinto Luz, mas não obteve resposta até à hora de publicação desta notícia.