As investigações ao chamado Universo Espírito Santo continuam a encontrar novos dados. No caso do Banco Espírito Santo de Angola (BESA), novos indícios levam o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) a suspeitar que a filial angolana do BES terá concedido cerca de 6,8 mil milhões de dólares (cerca de 6 mil milhões de euros ao câmbio atual) de créditos alegadamente irregulares entre 2009 e 2013 — quando as suspeitas originais apontavam para um valor de 5,7 mil milhões de dólares (cerca de 5 mil milhões de euros ao câmbio atual).

O BESA foi criado pelo BES e liderado pelo empresário luso-angolano Álvaro Sobrinho entre 2001 e novembro de 2012 por escolha direta de Ricardo Salgado, ex-presidente executivo do BES e líder da família Espírito Santo.

O valor total dos créditos concedidos terão tido, de acordo com os indícios recolhidos pelo DCIAP, três grupos de destinatários:

  • Entidades do interesse de Álvaro Sobrinho;
  • Entidades ligadas a titulares de cargos políticos e públicos de Angola;
  • Entidades ligadas ao Grupo Espírito Santo que terão sido financiadas pelo BESA.

Estes dois últimos grupos terão sido os destinatários preferenciais da maioria do crédito concedido, avaliado pelo DCIAP em 6.849.845.000 dólares (cerca de 6.047.302.758 euros)

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ponto de partida do caso BESA

A investigação do caso BESA tem como ponto de partida as conclusões que a Comissão Executiva liderada por Rui Guerra (administrador português que substituiu Álvaro Sobrinho na liderança do BESA, por decisão de Ricardo Salgado, e que era administrador do BESA desde 2006) apresentou na assembleia geral do BESA a 21 de outubro de 2013, nomeadamente a acusação de um conjunto de alegadas irregularidades detetadas na concessão de crédito nos exercícios de 2009 a 2013.

A ata dessa reunião foi revelada pelo semanário Expresso a 7 de junho de 2014 e contém a informação de que cerca de 5,7 mil milhões de euros do total do crédito concedido tinha sido declarado incobrável por ausência de garantias reais e por desconhecimento dos verdadeiros destinatários desses fundos. Aquele jornal adiantava ainda que, de acordo com os indícios recolhidos por Rui Guerra, diversas entidades alegadamente ligadas a Álvaro Sobrinho teriam recebido um total de 1,6 mil milhões de dólares (cerca de 1,4 mil milhões de euros) de empréstimos. Facto que levou os acionistas do BESA (BES, 51% do capital, representado por Ricardo Salgado; Geni, 18,99% do capital, representado pelo general Leopoldino Nascimento ‘Dino’; e Portmill, 24% do capital, representada pelo general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’) a pedirem explicações a Sobrinho (igualmente acionista individual do BESA). Existiam ainda mais de 4,1 mil milhões de dólares (cerca de 3,6 mil milhões de euros) para destinatários que, naquela altura, não eram ainda conhecidos.

O general ‘Kopelipa’ é ministro de Estado e chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos desde 1995, enquanto o general ‘Dino’ é consultor de ‘Kopelipa’ e chefe da Casa de Segurança do presidente angolano. Ambos representam a força do poder militar e dos serviços de informações em Angola e têm vastos interesses empresariais.

Mais tarde, em dezembro de 2014, Ricardo Salgado afirmaria na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES/GES que tinha a convicção “de que nenhum dos recursos do BESA foi para membros do governo de Angola”. “Os generais Leopoldino Nascimento e Hélder Vieira Dias ficaram muitíssimos indispostos em relação a Álvaro Sobrinho na assembleia geral de outubro de 2013 do BESA, obrigando a um adiamento da mesma”, disse Salgado.

Em junho de 2013, Álvaro Sobrinho, que tinha passado em dezembro de 2012 de CEO para presidente não executivo, foi substituído no cargo de chairman por Paulo Kassoma, ex-primeiro-ministro de Angola entre setembro de 2008 e fevereiro de 2010.

As suspeitas e quem está a ser investigado em Portugal

Ao que o Observador apurou, a equipa especial do DCIAP que investiga o Universo Espírito Santo, liderada pelo procurador José Ranito, suspeita da prática dos crimes de abuso de confiança e de fraude fiscal qualificada no caso BESA.

Por razões que se prendem com a jurisdição (o Ministério Público só investiga crimes alegadamente praticados em Portugal) e soberania (a República de Angola não pediu qualquer colaboração de Portugal para a investigação do caso BESA em Angola e desconhece-se qualquer investigação criminal naquele país), o que está em causa na investigação portuguesa é a alegada responsabilidade dos administradores e responsáveis do BES no controlo e escrutínio do financiamento concedido ao BESA.

Por isso mesmo, Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e outros administradores do BES estão a ser investigados pelo DCIAP no caso BESA. O mesmo se aplicando a Álvaro Sobrinho, que possui dupla nacionalidade angolana e portuguesa. O próprio Rui Guerra, que hoje é administrador do Novo Banco África, já foi ouvido pelo DCIAP em diversas ocasiões. Outros administradores portugueses do BESA, e que foram nomeados pelo BES, já foram igualmente chamados a prestar declarações. Ricardo Abecassis, primo de Ricardo Salgado e ex-presidente do Conselho de Administração do BESA, é um deles.

Os investigadores estão concentrados em dois pontos:

  • O alegado prejuízo de cerca de 3 mil milhões de euros que o BESA terá provocado nas contas do BES. Esse valor corresponde ao montante total de uma linha de crédito aberto pela casa-mãe em Lisboa para o seu banco angolano que ficou por pagar. Esse buraco terá sido causado pela alegada concessão irregular de crédito que desequilibrou as contas do BESA e levaram o Estado angolano a intervir na instituição de crédito, que se passou a chamar Banco Económico;
  • A forma como o BES não escrutinou devidamente a concessão de crédito alegadamente irregular da parte da administração liderada por Álvaro Sobrinho.

Ainda de acordo com a mesma documentação que está a ser analisada pelo DCIAP, parte do crédito de 6,8 mil milhões de dólares (cerca de 6 mil milhões de euros) acima referido terá sido concedido a diversas entidades sediadas em diversos paraísos fiscais cujo beneficiário económico era desconhecido do BESA ou que eram representadas por ‘testas-de-ferro’ que ocultavam os nomes dos reais proprietários.

O DCIAP entende que existem indícios de alegadas irregularidades atribuídas ao mandato de Álvaro Sobrinho no BESA. A saber:

  • Boa parte dos processos de financiamento terão sido instruídos alegadamente de forma deficiente, tendo os mesmos sido alegadamente aprovados por Álvaro Sobrinho ou por um conjunto de pessoas sem poderes para aprovação de créditos. O Expresso noticiou em 2014 que Álvaro Sobrinho teria aprovado sozinho cinco operações de crédito no valor de 365 milhões de dólares (cerca de 322,7 milhões de euros), enquanto o diretor João Moita teria aprovado nove operações no total de 502 milhões de dólares (cerca de 443,8 milhões de euros). Além de alegadamente não existirem contratos nem aprovações dos respetivos créditos para cerca de 648 milhões de dólares (cerca de 573 milhões de euros);
  • A maior parte dos créditos concedidos não terão sido assegurados por uma garantia ou terão sido assegurados por garantias de valor supostamente questionável.

As sociedades offshore de Salgado e Morais Pires

Outro elemento importante nas averiguações que estão a a ser realizadas pelo DCIAP prende-se com a denominada conta Jumbo. Referente ao período 2009/2013, o BES manteve com o BESA uma linha de mercado monetário interbancário, no âmbito da qual a primeira instituição concedeu à segunda sucessivos financiamentos, tendo em vista a concessão de crédito aos seus clientes em Angola.

Esta conta Jumbo era aprovisionada com fundos concedidos pelo BES para serem usados na atividade comercial do BESA. É neste contexto que assume destaque o financiamento do BESA que é atribuído a sociedades ligadas ao GES.

No caso Monte Branco, onde Ricardo Salgado e Álvaro Sobrinho foram constituídos arguidos, foram detetadas transferências de 27,3 milhões de dólares (cerca de 24,1 milhões de euros) do BESA para contas do Crédit Suisse em nome de duas sociedades offshore do Panamá: a Savoices e a Allanite.

Segundo noticiou o Expresso, e o Observador confirmou, os autos do inquérito Monte Branco terão a evidência documental de que a Savoices teria como último beneficiário Ricardo Salgado, enquanto a Allanite pertencerá a Morais Pires. Quer Salgado, quer Morais Pires recorreram ao Regime Excecional de Regularização Tributária para legalizarem os capitais que tinham no estrangeiro.

A reação de Salgado e Sobrinho

O Observador contactou Ricardo Salgado e Álvaro Sobrinho, enviando perguntas por escrito sobre os factos acima descritos.

O ex-presidente executivo do BES não se pronunciou, tendo o Observador recebido a seguinte resposta da sua assessoria de imprensa: “O dr. Ricardo Salgado não comenta processos em segredo de justiça”.

Álvaro Sobrinho, por seu lado, afirmou ao Observador que, “desconhecendo qualquer processo novo de investigação do Ministério Publico relativo ao empréstimo que o BESA fez ao BES, não consigo pronunciar-me sobre este assunto”. O ex-líder do BESA remeteu igualmente o Observador para as respostas que deu na Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES.

No Parlamento, na primeira e única vez que se pronunciou sobre o caso BES/GES/BESA, o empresário luso-angolano afirmou que o conselho de administração do BES, liderado por Ricardo Salgado, estava a par de tudo o que se passava no BESA, nomeadamente dos créditos concedidos.

“Eu reportava a um conselho de administração e, ao contrário do que ouvi, eu não reportava ao dr. Ricardo Salgado. Eu, pelos estatutos, reportava ao conselho de administração do BESA, que tinha como chairman o dr. Ricardo Abecassis Espírito Santo. Outra coisa é como é que o CEO do BESA se articulava com o acionista BES” através de Ricardo Salgado, o que acontecia mensalmente e de forma “muito próxima”.

Sobrinho assumiu nessa audição “todas as responsabilidades” pelas suas decisões, durante os dez anos em que esteve à frente da gestão do BESA. “Eu sou culpado, sou. Sou e tenho responsabilidades”, afirmou.

Sobre a concessão de crédito, o empresário luso-angolano afirmou que a mesma “obedecia a regulamentos próprios” e que “existia uma metodologia” rigorosa. Explicou ainda que a linha de crédito do BES ao BESA começou em 2008 com um financiamento de “1500 milhões” para apoiar o Estado angolano, comprando obrigações públicas com maturidade a 10 anos, tendo Angola pago ao BES cerca de 700 milhões de dólares em juros em três anos. Uma segunda parte da linha servia “para apoiar as empresas exportadoras portuguesas” que operavam em Angola, sendo que a forma de funcionamento seria sempre a mesma: “O crédito ficava no BESA e recebiam no BES esse dinheiro”, o que levou Sobrinho a afirmar que o “dinheiro ficou no BES em Portugal”.

Álvaro Sobrinho afirmou ainda que o financiamento do BES ao BESA aumentou 1000 milhões de dólares (cerca de 882,3 milhões de euros) após a sua saída da liderança executiva do banco angolano em dezembro de 2012.

“Podem dizer que o BESA usou mal [o crédito dado pelo BES ao BESA], que eu não devia ter feito, mas não podem dizer que eu sou responsável [por tirar o dinheiro do BES e pô-lo em Angola]”, disse.

Devido ao sigilo bancário angolano, Álvaro Sobrinho não identificou as entidades que receberam crédito do BESA. “O banco não dava crédito ao regime angolano, dava crédito a clientes. Se pudesse ir mais longe, podia fazer uma discriminação de quem utilizou a linha [de credito dada pelo BES ao BESA], até para dar um maior conforto aos próprios contribuintes”, afirmou.

Todas as conversões cambiais de dólares para euros foram feitas com a cotação dólar/euro de 21 de abril de 2016