A Musa é uma cerveja para pessoas que pensam “está-me mesmo a apetecer beber uma cerveja”, feita por pessoas que pensam “está-me mesmo a apetecer fazer uma cerveja”. Usámos receitas antigas e métodos artesanais para criar uma cerveja revolucionária. Tão revolucionária que em vez de uma carica devia ter uma boina.”

Só a apresentação em epígrafe dá vontade de encontrar o descapsulador — nem o corretor ortográfico reconhece esta palavra — mais próximo e, saltando das palavras para os atos, arrancar imediatamente a boina a cada uma das criações da Musa, juntando, sem temor, os lábios ao respetivo gargalo. Mas nesse cenário hipotético, que implicaria ter uma das três variedades disponíveis à mão de semear, saltar as palavras significaria perder a oportunidade de contar a história por trás desta marca recém-chegada ao cada vez mais apetecível/concorrido/variado leque de cervejas artesanais portuguesas. Não a percamos, então.

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As três cervejas que fazem, para já, parte do portfólio da Musa.
(foto: © Divulgação)

Já é capaz de ter lido um era uma vez deste género noutra ocasião: “Tudo começou quando fulano X, saturado da sua vida desgastante como consultor na empresa Y, largou tudo para montar o seu próprio negócio.” O que aconteceu no caso da Musa não está longe disso. Há três nomes que estão ligados à sua origem mas, para já, interessam apenas dois: Nuno Melo e Bruno Carrilho, que foi o primeiro do duo a tomar contacto com o mundo da cerveja artesanal. Palavra a Nuno.

“O Bruno estudou Gestão em Berkeley, na California, entre 2004 e 2006, e nessa altura deparou-se com o início da revolução da chamada craft beer que nessa altura estava a começar em força. Fartou-se de provar cervejas e até conta, meio a brincar, que apesar de tudo conseguiu acabar os estudos.”

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Entre 2011 e 2014, Nuno e Bruno fizeram inúmeros projetos de consultoria juntos, ao serviço da McKinsey. Deram-se sempre bem, apesar da diferença de gostos musicais provocar longas discussões entre ambos. Até que, em 2014, Nuno decidiu embarcar naquilo que descreve como “uma viagem introspetiva”, sozinho, por vários países do Sudoeste Asiático. “Quando voltei decidi que não ia regressar à McKinsey, queria fazer outra coisa da vida”, recorda.

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Nuno e Bruno durante uma viagem de reconhecimento. Há vidas piores.
(foto: © Divulgação)

Ideias não lhe faltavam. E certo dia, enquanto partilhava uma boleia do Porto para Lisboa com Bruno começou a desfilá-las. Afinal, o amigo também estava insatisfeito com a vida de consultor. “Ele porque viajava demais, eu porque viajava de menos”, explica Nuno. Falou-lhe em produzir malas de couro no Norte, entre outros planos, e Bruno retorquiu. “Eu só tenho uma ideia: fazer uma marca de craft beer“. Nuno não ficou imediatamente convencido. “Eu era um tipo dos vinhos, trabalhei na Sogrape, promovi os vinhos portugueses na China. Estava satisfeito com as cervejas que bebia.” Mas a sua resistência não durou muito tempo. “Provei uma IPA [n.r Indian Pale Ale, um dos géneros de cerveja mais comuns entre as artesanais] e fiquei logo convencido.”

Começaram a fazer planos e a pensar na marca, cujo nome de código foi, durante muito tempo, Lola e Gravilo. Para ajudar à festa — e a perceber o que queriam para a sua cerveja — fizeram uma road trip de dois meses por Portugal e Espanha, em que falaram com cervejeiros, viram e provaram muita coisa. Havia, contudo, um problema não tão insignificante quanto isso: nenhum dos dois sabia fazer cerveja.

“E não queríamos esperar até aprendermos. É que se eu e tu quisermos fazer cerveja em casa, em pouco tempo vamos conseguimos fazer uma cerveja até bastante razoável. Só que conseguir produzi-la numa escala maior exige uma experiência que iríamos demorar muito a ter.”

A explicação de Nuno levou ao ponto de ordem seguinte: encontrar um cervejeiro. Tentaram em Portugal, mas não foram bem-sucedidos. “Ou não tinham a experiência que queríamos ou tinham os seus próprios projetos e não os queriam abandonar”, explica o responsável. A opção da dupla passou então por abrir um processo de recrutamento no site ProBrewer. Resultou. “Recebemos cerca de 100 candidaturas e devemos ter feito umas 25 entrevistas por Skype”, conta Nuno.

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As primeiras cervejas da Musa começaram a ser produzidas em dezembro do ano passado.
(foto: © Divulgação)

É nesta altura que se cruzam pela primeira vez, ainda que virtualmente, com Nick Rosich, o terceiro nome fundamental para esta história. “O Nick foi um dos entrevistados. Atendeu-nos a chamada de Skype de gorro e com uma barba gigante, tipo viking, e não falou muito mas tudo o que disse fez sentido.” O estilo agradou. Tanto assim foi que decidiram convidá-lo para vir a Portugal. A receção foi auspiciosa, como lembra Nuno: “O Nick saiu da Pennsylvania com vinte graus negativos e chegou cá com quinze graus positivos, andou de t-shirt a semana toda.” E foi depois de um jantar bem regado — não a cerveja, curiosamente, mas a vinhos do Douro — que o norte-americano descendente de irlandeses, alemães, ucranianos e escandinavos aceitou juntar-se ao projeto.

Pouco tempo depois começaram a produzir. Ainda não o fazem na sua própria fábrica, em Marvila, que deverá estar pronta até ao final do ano. “Somos gipsy brewers, atualmente estamos a produzir na fábrica da Oitava Colina.” E se isto diz muito do espírito de entreajuda deste mundo, Nuno diz mais ainda. “Toda a gente partilha as receitas, fala do que faz, se são precisas garrafas, partilhamos garrafas, é um mundo completamente aberto, o que, para nós, vindos da área da consultoria, foi uma lufada de ar fresco.”

Que cervejas tem esta Musa?

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Para já, são três, todas com nomes relacionados com o rock, como homenagem às discussões musicais entre Bruno e Nuno. A saber:
Mick Lager (Lager; 4,5%Vol) – Uma lager de cor alaranjada, com notas de malte tostado, é a cerveja mais fácil de beber do grupo, boa para acompanhar marisco e carnes fumadas, por exemplo.
Red Zeppelin Ale (Red Session IPA; 5%Vol) – Já tem um certo corpo e amargor, é uma boa iniciação ao mundo das artesanais e um bom substituto do vinho para acompanhar peixe grelhado ou uma carne vermelha.
Born In the IPA (India Pale Ale; 6,5%Vol) – A IPA é o género de cerveja que tem marcado a revolução das artesanais. Combina um amargor intenso com notas de citrinos, manga e melão. Ótima para acompanhar comida picante.

Optaram, para já, por apostar em três cervejas, uma lager, uma red session IPA e uma IPA. Foi o que resultou das provas que foram fazendo ao longo do tempo. Porque apesar de um dos fundamentos da marca “ser a diversidade”, como refere Nuno, a intenção, para já, foi manter a escolha simples, até porque o público especialista em cerveja, que exigiria, à partida, mais variedade, ainda é um nicho. Os nomes têm referências óbvias a ícones do rock, de Mick Jager aos Led Zeppelin, passando por Bruce Springsteen. “É o lado mais irreverente da marca, tem a ver com a nossa paixão musical e foi uma forma de dar mais vida a cada cerveja”, explica Nuno que garante haver “mais 10 a 20 nomes pensados” para próximas edições. Que irão acontecer.

A (futura) fábrica da Musa não fica em Marvila (Rua do Açúcar) por acaso. Os responsáveis quiseram ficar associados a uma zona que se está a encher de indústrias criativas e independentes. Porque eles também o são: aliás, cerveja independente é a assinatura da marca. Quando as obras na estrutura, que tem mais de 400 metros quadrados e um pé direito generosíssimo, estiverem concluídas, esta vai incluir um tap room aberto ao público, como o da vizinha Dois Corvos, e espaço para acolher concertos de bandas emergentes. Afinal, esta cerveja é ou não é do rock?

Nome: Musa
Data: 2016
Pontos de venda: Mais de 50, espalhados por Lisboa e Porto, entre lojas, garrafeiras, bares e restaurantes
Preços: Entre 2,50€ e 3,20€ por cerveja
Site: www.cervejamusa.com | www.facebook.com/cervejamusa

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