Quando, em 1954, o ilustrador belga Marcel Marlier foi convidado pela editora Castman para criar uma menina que pudesse ser heroína de uma coleção de livros infantis, estava longe de imaginar que a sua personagem se iria tornar a estrela das infâncias de milhões de crianças de todo o mundo e que iria desenhá-la ao longo de 56 anos e 60 livros.
Em Portugal a coleção surgiu 11 anos depois, no final de 1965, pela mão da editora Verbo. A menina chamava-se Anita (e não Martine como o original belga), e rapidamente se tornou um clássico entre as crianças, especialmente as raparigas, mas não só. Quantos rapazes leram os livros da Anita, talvez um pouco embaraçados por gostarem tanto dela como as raparigas, irmãs, primas, colegas de escola?
As aguarelas realistas de Marlier, aliadas à vida quotidiana da Anita descrita por Gilbert Delahaye, tornavam cada acontecimento banal — como ir às compras, à praia, andar de comboio, ou passear no campo — uma aventura invejável. Ajudaram a criar todo um imaginário que muitos acusam de ser conservador e sexista, mas que a travessia da Anita/Martine pelas décadas fora mostra que ela é sobretudo intemporal.
Durante os anos 70, 80 e 90 os livros da Anita eram um presente com o qual todas as crianças contavam nas suas festas de aniversário ou no Natal. Serviam para tudo: para treinar a leitura, para copiar os desenhos com papel vegetal, para mostrar aos mais problemáticos as regras de boa educação e doçura. Liam-se e reliam-se vezes sem conta. Sabiam-se de cor.
Ao longo das décadas as ilustrações mudaram o rosto da Anita e os temas das histórias procuraram adaptar-se aos tempos. Nos anos 80 a coleção começou a ser acusada de “convencionalismo burguês”, “sexismo” e “conservadorismo”. As correntes feministas disseram que Anita/Martine veiculava uma imagem retrógrada das mulheres. A heroína que nos, anos 60, ia às compras ou cuidava do irmão, passou a ser ecologista, a fazer cursos de culinária e a usar calças. As aventuras terminaram em 2010 já com um travo a contos de fadas politicamente corretos com Anita/Martine e o Príncipe Misterioso. Marlier morreria em 2010 tão famoso como a sua personagem.
Em 2015 os direitos da coleção foram adquiridos pela editora Zero a Oito, foi feita uma nova tradução e a Anita passou a chamar-se Martine como a edição original belga. Esta mudança destinada às crianças do futuro foi contudo uma machadada dolorosa para os que cresceram com a Anita.
O Observador falou com a Zero a Oito para saber como está a correr a nova vida da personagem.
Desde o relançamento da coleção em Portugal, em maio de 2015, já vendemos cerca de 75 mil livros. Depois de alguma controvérsia, acreditamos que a Martine já conquistou as famílias portuguesas. Hoje em dia, as crianças falam uma linguagem que é universal e, na verdade, a maioria delas não sabe quem é a Anita. A Anita dos nossos tempos vai ser a Martine da nova geração. O encanto da coleção vai muito para além do nome”, explica a responsável editorial da chancela.
A celebração dos 50 anos vai contar com vários eventos. A saber:
- Na véspera do Dia da Criança será oferecido um cocktail na residência oficial dos Embaixadores da Bélgica, que contará com a presença inédita do Mr. Casterman, o descendente da editora belga que criou a personagem, e de várias personalidades conhecidas dos portugueses.
- Vai ser lançada uma nova coleção vintage, chamada “Clássicos da Martine”, que apresenta as versões originais dos livros tal como foram criados por Gilbert Delahaye e Marcel Marlier há mais de 60 anos na Bélgica. São, ao todo, seis livros de histórias para reavivar a memória de pais e avós.
- No Dia da Criança haverá uma festa de anos da Anita/Martine junto ao stand da editora na Feira do Livro de Lisboa com algumas animações especiais.
Na fotogaleria fica uma viagem pelos livros, desde quando ela ainda se chamava Anita até aos dias de hoje.