Correr para comprar bilhete antes que esgote. Tentar mesmo depois de esgotado. Planear a viagem, de Lisboa, do Porto, de Braga, de Londres. Ir até ao recinto e enfrentar filas para entrar. Suportar ou aproveitar brindes, enfrentar mais filas, desta vez para comer porque, sabe-se lá porquê, não se pode entrar em festivais com comida, e navegar entre o mar de gente que circula de um lado para o outro. Beber umas cervejas e ver uns concertos num dos sete palcos, uns porque se é fã de quem lá está, outros para ver o que dali sairá. No final, poder dizer: que grande concerto. A maior parte das 55 mil pessoas que esgotaram o segundo dia do NOS Alive cumpriu muitos destes passos para ver Radiohead e a banda britânica respondeu com mais de duas horas de música. Se foi um grande concerto, isso depende muito a quem se pergunta.

Se perguntarmos a um fã de Ok Computer e The Bends se gostou, ele vai torcer o nariz porque não houve clássicos suficientes. “My Iron Lung” quebrou a sequência de cinco músicas do mais recente A Moon Shaped Pool, com que Thom Yorke, Ed ‘OBrien, Phil Selway e os irmãos Colin e Jonny Greenwood abriram, às 22h45. “Exit Music (for a film)”, do fundamental Ok Computer, foi sussurrada por muitos milhares de vozes, como já tinha acontecido em 2012, naquele mesmo palco. De guitarra acústica na mão, Thom Yorke fez-se ouvir em pleno, no silêncio possível de um festival com 55 mil pessoas. O som não esteve a 100%, e a culpa este ano nem foi do vento, mas não impediu o público de ver em condições uma das melhores bandas da atualidade.

O fã dos clássicos pôde também vibrar com “Street Spirit (fade out)” e entoar no final os “oh oh oh” ao ritmo da música, como que a chamá-los de volta ao palco para o primeiro encore. Eles vieram e trouxeram com eles uma odisseia musical chamada “Paranoid Android”, mais uns brindes como “2 + 2 = 5” e “There, There”. No segundo encore o improvável aconteceu: ouviu-se “Creep”, canção obliterada do repertório da banda inglesa durante vários anos e que regressou nesta digressão, ainda que não em todos os concertos. E se antes era seguro alertar os festivaleiros de ocasião de que não valia a pena aguentarem de pé em frente ao palco à espera do hit que nunca chegaria, esse tempo acabou. A facada final nos nossos corações fragilizados foi dada com “Karma Police”, a última das 24 músicas da noite.

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Se perguntarmos a um fã das canções mais eletrónicas, ele vai concordar com o fã dos clássicos e vai dizer que o início foi muito morto, mas que finalmente arrebitou com o beat da nova “Ful Stop”. A batida dançável continou com “Lotus Flower”, do mal-amado King of Limbs, de 2011 (sem direito a dança estranha de Yorke), “Gloaming”, “Everything in it’s right place” e “Idioteque”.

O fã do novo álbum não ficou nada mal servido. “Burn The Witch” mostrou que as novas canções são para ouvir, mesmo sem a orquestra de cordas que ouvimos no álbum a dar-lhe corpo. Não faz mal. Temos um solo de Jonny Greenwood para compensar. As primeiras notas de piano de “Daydreaming” foram recebidas com aplausos e foi também com palmas que se fez o compasso de “Decks Dark”. Antes da quarta canção da noite, “Desert Island Disk”, Thom Yorke lá cumprimentou o público e ainda mostrou que tem os agudos todos no sítio em “The Numbers”.

Com uma carreira de 30 anos feita de nove álbuns diferentes entre si, cada pessoa terá o seu alinhamento ideal e há vários concertos dentro daqueles 130 minutos que os Radiohead tocaram esta noite no Passeio Marítimo de Algés. Mas quem lhes conhece bem a discografia terá saído de alma cheia.

Tal como Fernando Santos, que prometeu que só regressava a Portugal no dia 11 de julho, depois de Portugal jogar a final do Euro 2016, Thom Yorke também cumpriu a promessa que fez no Alive de 2012: que os Radiohead desta vez não demorariam 10 anos a regressar. Esta sexta-feira não houve promessa de regresso. O ouvinte da rádio saiu satisfeito com a sua “Creep” e não terá grande pressa no reencontro. O fã dos clássicos gostaria que eles voltassem a fazer maratonas nos Coliseus, como num passado distante (e, se possível, com o mesmo alinhamento de 2002). E o fã mais apaixonado queria era poder apanhar o avião para Nova Iorque no fim do mês, para ver os concertos mais próximos do calendário. Porque é isto que nos acontece quando nos metemos com uma banda do melhor que anda por aí: for a minute there (ou, no caso, 130 minutos), I lost myself.

Alinhamento completo do concerto de Radiohead:

Burn the Witch
Daydreaming
Decks Dark
Desert Island Disk
Ful Stop
My Iron Lung
Talk Show Host
Lotus Flower
The Gloaming
Exit Music (for a film)
The Numbers
Identitik
Reckoner
Everything in it’s right place
Idioteque
Bodysnatchers
Street Spirit (fade out)

Encore 1

Bloom
Paranoid Android
Nude
2 + 2 = 5
There, There

Encore 2

Creep
Karma Police