Dois dias depois da Fendi andar sobre as águas da Fontana di Trevi, foi a vez da moda portuguesa chegar a Roma. O cenário escolhido para a estreia pode não ter sido tão apoteótico, mas uma coincidência feliz ninguém lhe tira: foi na antiga alfândega da cidade — batizada à letra de Ex Dogana –, que Susana Bettencourt, Daniela Barros e Alexandra Oliveira, com a marca Pé de Chumbo, fizeram desembarcar as suas coleções para o próximo outono-inverno, indiferentes ao calor italiano.
As portas abriram-se a convite da Altaroma, semana da moda da cidade do Coliseu que desde 2005 tem estado de olhos abertos para os novos talentos com a criação do concurso “Who is on Next?” e que nesta edição, a decorrer até 11 de julho, resolveu perguntar quem se segue não só em Itália mas também em Portugal.
“Não sabia que havia tanta criatividade no vosso país”, começa por dizer Simonetta Gianfelici ao Observador, nos bastidores dos desfiles portugueses em Roma. A ex-modelo tornada consultora de moda e caça-talentos da Altaroma e da Vogue Itália esteve no Porto pela primeira vez em março, a acompanhar os desfiles do Portugal Fashion, e ficou bastante surpreendida com o que viu. “A qualidade da produção portuguesa é muito boa, e isso é conhecido, mas eu não sabia que havia tantas pessoas criativas e tantos jovens designers. Falta essa visibilidade.”
Da Alfândega do Porto, onde têm lugar os desfiles na Invicta, para a ex-alfândega de Roma, a scouter (ou olheira) desafiou então o Portugal Fashion a enviar um pequeno grupo de designers a Itália, até por encontrar ligações entre a plataforma Bloom, dedicada aos novos criadores, e o que a Altaroma faz no seu Fashion Hub. “Havia um paralelismo entre os dois países”, diz Simonetta, “a vários níveis. Em Itália temos grandes artesãos, e temos igualmente designers emergentes que querem mostrar as suas criações e o seu olhar sobre esses artesãos. Tal e qual como em Portugal.”
Que o diga Daniela Barros. Para a coleção de outono-inverno que apresentou este sábado à tarde em Roma (e que já tinha apresentado em Londres e no Porto), a designer trabalhou com a Burel Factory, cruzando o tecido artesanal de Manteigas com as suas peças assimétricas e oversized cheias de detalhes experimentais e inacabados. “Foi muito importante para mim perceber o que podia fazer com materiais tradicionais dentro da minha linguagem”, diz a designer ao Observador no final do desfile. “Eu gosto muito de materiais tecnológicos, mas gosto também do contraste de cruzá-los com a tradição. É como aprender a dançar: tem de se saber ballet clássico para poder fazer dança contemporânea.”
Neste tango Porto-Roma, e depois de já garantir a presença de criadores nacionais nas quatro principais semanas de moda do mundo — Paris, Milão, Londres e, a partir de setembro, Nova Iorque –, o Portugal Fashion não poderia deixar de esfregar as mãos de contente.
Agrada-nos muito que um país como a Itália, que é um grande produtor de moda, escolha Portugal para trazer designers de outros países pela primeira vez. De alguma forma isso faz-nos sentir felizes por nos considerarem também uma grande força produtiva e que sabe fazer bem em termos de produção industrial têxtil, a nível mundial”, diz Rafael Alves Rocha, diretor de comunicação do Portugal Fashion, não sem acrescentar que “Portugal deu o passo seguinte”. “Hoje já não somos apenas um país que corta e cose bem mas também já temos marcas, branding, a etiqueta made in Portugal, todas essas coisas.”
No campeonato das marcas, a Pé de Chumbo é um dos melhores exemplos do salto que o país deu nos últimos tempos. Antes da estreia em Roma, a marca de Alexandra Oliveira já estava em qualquer coisa como 20 pontos de venda no país transalpino. “Posso mesmo dizer que a Itália é o país onde temos mais lojas”, conta a designer, que começou por participar em feiras na capital da moda até ser convidada a estar presente num showroom na semana da moda de Milão “Os italianos gostam do trabalho que as peças têm e deste conceito de ser quase uma peça de arte que se pode vestir.” Por trabalho a criadora refere-se ao facto de todos os tecidos da Pé de Chumbo serem construídos fio a fio, numa espécie de grelha quadriculada que junta as técnicas da tecelagem e do tricô de uma forma moderna e que na coleção de outono-inverno tanto foi transformada em camisolões grossos de lã, como em vestidos rendilhados e transparentes.
O processo das peças desenhadas por Susana Bettencourt é semelhante, na medida em que todas as malhas que apresenta em passerelle são criadas de raiz, e com alguma experimentação à mistura, em fábricas de Marco de Canaveses, Gaia, Famalicão ou Leiria. “Essa é uma forma de garantir que as peças são únicas, e ao mesmo tempo permite criar uma identidade própria”, diz a designer, para quem a estreia na Altaroma é “um passo muito importante”. “Já estamos presentes na Semana da Moda de Londres mas Itália é diferente, é definitivamente o melhor mercado para nós, o que entende o trabalho que está por trás das peças e o que mais gosta das malhas e das cores.”
Susana Bettencourt inspirou-se no primeiro contacto infantil com a arte e nos primeiros lápis de cor, afias e linhas para a sua coleção de inverno, mas a estreia da comitiva portuguesa na Altaroma prova que, definitivamente, a moda nacional já não é uma brincadeira de crianças.
O Observador viajou para Roma a convite do Portugal Fashion.