Uma semana depois da convocatória (condicionada) de Rui Jorge para os Jogos Olímpicos, o selecionador decidiu ter uma conversa informal — mas completamente aberta — onde explicou tudo o que se passou. Porque não conseguiu que os clubes lhe dispensassem os jogadores pré-convocados, as expectativas que caíram por terra e a carga de trabalhos que tem pela frente. Apesar de tudo, ainda acredita numa boa participação.

Ei-lo, em discurso direto:

Desilusão? Não, nem pensar

O selecionador Rui Jorge não teve quem queria ter. Mas também não tem o “grupo possível”; tem “o” grupo.

“Se estou desiludido? Agora não. Há uns dias, sim, estava. Mas é a desilusão de alguém que esteve a preparar isto [Jogos Olímpicos] durante dois anos. Estamos há muitos meses a tentar sensibilizar os clubes para a convocatória. Mas quero que isto fique bem claro: eu percebo a posição dos clubes e não considero uma vergonha que se tenham recusado a dispensar alguns jogadores. Se está dentro da lei, entendo a decisão dos clubes. Se estivesse do outro lado, eventualmente pensaria da mesma forma. Se pensei em não ir ao Jogos Olímpicos por causa disso? Não. Não! Custou-nos tanto lá estar… A desilusão é normal. E estamos resignados com isso. É altura de trabalhar com o grupo, que agora não é o grupo possível como se tem escrito; é o nosso grupo. O grupo.”

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Hoje seria diferente? Não, Rui Jorge voltaria a “suplicar” aos clubes

O treinador voltou a falar numa convocatória “surreal”. E fez uma confidência: ligou a 57 (!) jogadores, um por um, para chegar a estes 18 que agora tem. Fora as chamadas aos treinadores, aos presidentes dos clubes…

“Se mudava alguma coisa? Não. É verdade que nalguns casos suplicámos por alguns jogadores aos clubes, mas voltaria a suplicar por eles, mesmo sabendo que não nos seriam concedidos. Quando digo que a convocatória foi ‘surreal’, é precisamente por causa disso. Não é normal um selecionador ter que telefonar para ter um jogador. Em dois dias, telefonei a 57 jogadores. O que vale é que temos um patrocínio de uma operadora de telecomunicações, não é? [Risos] Telefonei aos jogadores, mas primeiro até falei com os treinadores. Há um caso curioso, o do Tiago [Silva], que o Belenenses emprestou ao Feirense. Eu liguei para o José Mota, o treinador do Feirense, a pedir o jogador. E ele acedeu. E nessa altura o jogador ainda nem tinha chegado ao clube — acho que estava a viajar para lá. Isto são situações que não são normais numa convocatória da seleção. Mas agora olho para trás e pergunto: Valeu a pena? Valeu. Porque sei que fizemos tudo o que podíamos para ter os melhores. Não nos vamos fazer de coitadinhos. A convocatória está fechada. E é com estes jogadores que vamos ao Brasil.”

Nuno Santos está “queimado”? Nem sim, nem não: “Nim”

O Benfica emprestou o extremo ao Vitória de Setúbal. O novo clube autorizou o jogador a ir ao Jogos Olímpicos, o treinador do Vitória também, mas (em cima da hora e depois de conhecida a convocatória) o extremo recusou ir

“Nunca falei do que se passou com o Nuno, mas vou falar agora. Ele falou comigo depois de sair a convocatória e disse que não se sentia em condições de ir. Foi claramente uma decisão pessoal e procurámos encontrar um substituto, o Pité. Honestamente? Eu estive nos Jogos Olímpicos como jogador [em 1996] e acho que este é um momento do qual não se abdica nem por nada. Mas ele lá terá as suas razões. Eu não faria o que ele fez. Houve uma abertura total do Vitória de Setúbal e do José Couceiro, o treinador, para que o Nuno Santos viesse. Se o vou voltar a convocar no futuro? Não dou uma resposta definitiva a isso. Os meus jogadores sabem que todos os momentos são momentos de avaliação: no restaurante estão a ser avaliados, no avião estão a ser avaliados. Tenho uma avaliação quanto ao Nuno. E é algo que vai interferir na minha decisão futura, claro.”

Quem foi convocado, é uma segunda escolha. Mas como é que se motivam as “segundas escolhas”?

Rui Jorge não tem dúvidas: estar nos Jogos Olímpicos é motivação mais do que suficiente. Isto se o jogador for “inteligente”.

“Como? Com a verdade. Nós, selecionador e jogadores, o que temos é de ser pragmáticos. Quando escolho um jogador, escolho-o também pela inteligência. Se eu faço uma lista de 35 jogadores e tenho um jogador comigo que não estava nessa lista, ele seria pouco inteligente se pensasse que era a minha primeira escolha. Não era. E não há volta a dar a isso. O que ele tem que perceber é que se calhar estavam um ou dois à frente dele, mas que atrás dele tem 10 ou 20 ou 30. Motivação? A motivação tem que partir deles. Nós vamos aos Jogos Olímpicos. Eles estão representar a Seleção. Os jogadores que hoje estão cá e não estavam no início davam muito para cá estar, para viajar para o Brasil. E há muitos outros que não estão e que também davam. Que maior motivação é que podem ter? Eu sinto que eles esta motivados.”

Portugal era favorito a trazer uma medalha. Mas isso era antes de tantas “negas”. E agora?

Se houver entrega, a medalha até pode ficar no Brasil. É tudo quando Rui Jorge quer: entrega.

“Se eu escolhesse 18 daqueles 35 pré-convocados, estaria mais forte. A partir do momento em que só tive 11 dos 35, não estou à espera que esta equipa seja mais forte do que antes. No entanto, são todos jogadores de Seleção, que conhecemos bem, que sabemos o que nos podem dar. E eles também sabem o que esperamos deles. Acredito que vamos dignificar o país. E quando digo dignificar, não me refiro a medalhas. O que dignifica, para mim, é o comportamento, a postura, a entrega, a qualidade de jogo. Não posso garantir que vamos trazer uma medalha. Mas empenho, sim, posso garantir-vos. O resultado para mim não é o mais importante. Mas não é por isso que há menos pressão. Pressão há sempre. Afinal, estamos a representar o nosso país numa grande competição. Muitos destes jogadores vão querer provar que eu estava errado, que se calhar a minha primeira pré-convocatória estava errada. Querem demonstrar que têm capacidade para estar nos Jogos Olímpicos.”

Uma competição na pré-época é uma carga de trabalhos

Os jogadores foram chegando a conta-gotas, uns com a preparação mais adiantada e outros sem preparação nenhuma.

“É a primeira vez como treinador que vou a uma competição no começo da época. Normalmente, as provas internacionais são no fim. Quando fui aos Jogos Olímpicos [1996, Atlanta] como jogador, senti o quão difícil foi a preparação. E na altura a Seleção não teve as incertezas que tem hoje. Agora tive jogadores que quatro dias antes da convocatória não sabiam que lá iam estar. A nossa intenção, se soubéssemos de antemão quem ia e quem não ia, era acompanhar o treino que os jogadores estavam a fazer, para ter uma ideia mais exata de como chegariam ao estágio. Não foi possível. Nós temos jogadores que estão em estágio há três semanas e outros que nem estavam em estágio. Isso não é fácil de gerir para um treinador. Mas através do treino vamos tentar colocá-los numa condição normal para competir. Mas claro que ninguém aparece aqui descurado. Não temos jogadores com quatro quilos a mais. [Risos] Eu costumo dizer que os Jogos Olímpicos não se preparam; jogam-se. E estes são os problemas com que nos temos que debater no dia-a-dia.

Tática “à Fernando Santos”, sem ponta-de-lança?

Rui Jorge é adepto do 4-4-2 em losango. E à falta de extremos (em quantidade) na convocatória, a tática vai ser semelhante à de Portugal no Euro 2016.

“Eu cheguei à Seleção em novembro de 2010. E logo no meu segundo jogo utilizei o 4-4-2 como tática. Destes 57 jogadores que contactei, 39 não puderam cá estar. E nessa lista tinhamos muitos extremos. Hoje tenho poucos, daqueles rápidos e fortes no um-contra-um. Logo, essa tática [4-3-3], que também utilizamos na Seleção Sub-21, está algo comprometida. As soluções que temos para jogar em 4-3-3 não são limitadas em qualidade, mas são-no em quantidade. Faltam-nos jogadores para jogar por fora e só temos um ponta-de-lança, o Gonçalo [Paciência].”

A Aldeia Olímpica é um forrobodó. Mas o “sargentão” Rui Jorge vai estar de olho

Os jogadores vão estar concentrados (ao contrário do que é habitual) com outros atletas, de várias modalidades. E isso pode dar azo a excessos. Rui Jorge prefere alertar do que proibir.

“A Aldeia [Olímpica] é outro mundo. E pode originar algumas confusões… [Risos] Quando me refiro a ‘confusão’, refiro-me a coisa básicas, como a alimentação, por exemplo. Se os jogadores quiserem um bolo de casamento, eles têm acesso ao bolo. E quem tem que controlar isso, não é o treinador, são os jogadores. Se eu disser: ‘Não comem bolo’, eles não comem bolo ou, pelo menos, estarão mais próximos de não comer um bolo. Eles sabem do que gostamos e não gostamos. E eu acredito que o jogador tenta fazer o que o treinador gosta. Mais vale a prevenção do que ser ‘sargentão’. Eles sabem que não podem falhar. Não vou estar de plantão para ver se eles falham ou não.”