Chovia copiosamente na tarde da passada quinta-feira, o primeiro dia da 25ª edição do Lollapalooza, em Chicago (EUA). Estava muito calor, um daqueles dias abafados a fazer lembrar os trópicos, a água secava assim que caia nos milhares de corpos despidos. Juntei-me à horda e lá fui de calções largos, sapatilhas e uma T-shirt dos Wilco (uma banda da cidade) que me valeu dezenas de piropos e “gimme five”. Senti-me em casa.
O Lollapalooza (diz-se “lólapaluza”) é um dos maiores festivais de música do mundo e enche o Grant Park de Chicago durante quatro dias. São 100 mil pessoas por dia a circular entre oito palcos, por onde passaram este ano 170 bandas. Para esta edição, cada passe geral custou 335 dólares (300 euros) e o bilhete diário 120 (107 euros). As entradas esgotaram muitos dias antes do início.
O Grant Park é gigantesco. Fazendo uma comparação direta com os maiores eventos musicais portugueses (e sem grandes rigores matemáticos), o recinto dedicado ao Lollapalooza tem quase duas vezes a área útil do Parque da Bela Vista e três (ou mais) do Passeio Marítimo de Algés. Trocando a coisa por miúdos, o que sobressai imediatamente nesta comparação é que a lotação está dimensionada pelo conforto: 100 mil pessoas circulam por ali sem quaisquer atropelos, ao contrário do que acontece nos maiores festivais portugueses em dias de casa cheia (80 mil no Rock In Rio e 55 mil no NOS Alive).
O acesso ao recinto é controlado eletronicamente, cada pulseira tem um chip que regista até três entradas e saídas por dia. Logo à chegada, porque o calor puxa pela sede e a organização sabe disso, encontra-se uma das várias estações de abastecimento de água. Exatamente, percebeu bem: no Lollapalooza a água não se paga. As pessoas são convidadas a levar cantis (vazios) que podem encher as vezes que quiserem.
A desidratação é o maior dos problemas da organização (não é o álcool nem as drogas), por isso relembra constantemente e por todos os meios que não nos devemos esquecer de beber água. Seja através da app oficial, dos ecrãs gigantes dos palcos ou até do microfone, como quando deram ordens à multidão que se comprimia na frente de um dos palcos para dar um passo atrás, depois de contar até três. Aliviado o espaço, lá veio o aviso: “bebam água!”
Para ajudar, há por todo o recinto aspersores de água e até um autocarro, patrocínio dos transportes da cidade, onde é possível esticar as pernas e refrescar o corpo com o ar condicionado — sempre no máximo.
Quem tiver outras sedes tem muito por onde escolher no Lollapalooza. Há bares de vinhos e cocktails (13 dólares cada) e claro, cerveja: custa sete dólares a medida pequena e nove a grande (meio-litro). A cerveja não é servida em copos de plástico, mas em latas, essas armas de destruição maciça capazes de abrir uma cabeça. Curioso (ou não) é que, enquanto lá estive, não vi nem uma pelo ar.
Isso talvez aconteça porque o controlo sobre a venda e consumo de bebidas alcoólicas é muito apertado e nisso, os norte-americanos não conhecem o meio-termo. Quando me dispus a pagar os tais sete dólares por uma cerveja, a rapariga que a vendeu exigiu que lhe fizesse prova da minha idade. Lisonjeado, ainda me ri, “está a brincar, não está?”. Mas não estava, explicou-me que era a lei e que com a lei não se brinca — no Estado do Ilinóis, a venda de bebidas alcoólicas só é permitida a maiores de 21 anos. Tanto assim era que vi algumas (poucas) pessoas bem mais velhas do que eu com esta pulseira verde, o salvo conduto de acesso ao álcool:
A restauração é um dos grandes elementos diferenciadores deste festival norte-americano, comparando com a realidade portuguesa. Há comida italiana, francesa, vegetariana e gelados gourmet, distribuídos por muitos restaurantes (preços que ultrapassam facilmente os 10 dólares por acepipe) e um verdadeiro circuito de “chefs” para os mais abonados e exigentes. Depois, o lado terreno: um hambúrguer seco e miserável custa uma nota de cinco.
As apertadas restrições no acesso às bebidas alcoólicas têm uma consequência imediata: não se veem miúdos bêbados. É quase estranho, com o passar das horas não se assiste àquele típico desfilar de figuras tristes. Não quer dizer que não se contorne a lei com o uso de outras substâncias, muito mais ilegais que a marijuana. Os cães da policia andam por lá para fazer o despiste (o controlo policial é discreto mas apertado).
Outro fator que favorece o bom ambiente geral são os horários do festival. Os primeiros espetáculos começam ao meio-dia (sim, leu bem) e o último termina às 22h. É esse o ritmo da cidade, além do mais o Grant Park está localizado em pleno centro urbano.
Apesar deste festival ser uma reunião massiva de adolescentes e jovens com menos de 21 anos, as famílias são bem recebidas. Existe um parque próprio com muitas diversões e um palco com música apropriada. Mas porque os pais não vão ao Lollapalooza para entreter os filhos pequenos, viam-se muitas famílias a assistir aos espetáculos dos palcos principais — ao contrário do que acontece nalguns dos nossos festivais, nenhuma criança tinha auscultadores de proteção.
Nem tão pouco vi ativações de marca espampanantes. Não há lenços, chapéus ou sofás insufláveis, as marcas não se fazem ver além do topo dos palcos a que dão o nome, nas tendas brancas dos bares ou nos restaurantes feitos em madeira, aqui e ali. Não há “ruas temáticas” e até os pontos de carregamento de telemóveis são quase inexistentes (apenas encontrei um). As marcas estão por todo o lado mas associadas a ações mais localizadas — talvez o elevado preço dos bilhetes permita aliviar a pressão das marcas.
A sala de imprensa é um bom exemplo disso. Localizada no backstage do festival, ao lado do lounge dos artistas (que também têm de fazer check in!) e junto ao gigantesco centro operacional (staff, polícia, forças de socorro), é um conjunto de barracas brancas assentes em terra. A zona comum é pouco espaçosa mas os principais órgãos de comunicação têm tendas dedicadas (MTV, Billboard, Fuse, Reddit, Chicago Tribune, etc.) que usam para montar a parafernália técnica — no Loollapalooza as entrevistas são feitas na sala de imprensa, os artistas circulam por ali com toda a naturalidade.
Ao contrário do resto do recinto, as casas de banho são impecáveis, há mesas de pingue-pongue para descontrair e até um centro de cuidados pessoais, que inclui cabeleireiro, manicure e massagens. Tudo ativação de marca junto de centenas de jornalistas, pois claro.
Não é o cartaz que diferencia este mega festival urbano de qualquer um dos que se fazem em Portugal. Há já alguns anos que entrámos no circuito internacional, muito pela competição que resulta do “excesso de festivais” de que muitos se queixam. Não se vê no Lollapalooza nenhuma super estrela que ainda não tenha passado por cá (este foi o cartaz deste ano).
A principal característica distintiva é impossível de reproduzir: o cenário. O Grant Park está rodeado por dezenas de prédios gigantescos que conferem ao festival uma magia única. A sensação não é nem pode ser objetiva. Será esmagadora para uns, mais do mesmo para outros, o certo é que ver um espetáculo naquele ambiente transforma-o em algo absolutamente único.
Quatro palcos principais para os cabeças de cartaz, mais quatro secundários por onde passam os artistas emergentes. Tudo está muito bem afinado pelos 25 anos de experiência, o Lollapalooza é hoje uma festa de e para jovens com uma média de idades claramente abaixo dos 21 anos. É um culto de gente despida pelo calor e pela frescura da idade.