O líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, quis esta quarta-feira explicar as suas idas a França para assistir a dois jogos da seleção portuguesa de futebol, que justificou no Parlamento como faltas por motivos de “trabalho político”, e mandou um recado duro e enigmático ao PSD, acusando alguns “companheiros” sociais-democratas de lhe quererem “criar dificuldades” e de quererem fazer “aproveitamento” político da situação. Mas sem explicar a quem se estava a referir.
“Por estes dias assisti conformado a um aproveitamento que foi feito dessa situação, que visou muito diluir o efeito comunicacional da situação que era vivida por membros do Governo, e que também foi aproveitada por alguns companheiros meus de partido para criar algumas dificuldades. Porque, infelizmente, também tenho a noção de que há no meu partido pessoas que se preocupam mais com o meu futuro do que eu próprio”, disse, de forma enigmática, terminando com esta frase a declaração.
Luís Montenegro, que é líder parlamentar do PSD desde 2011, é um dos nomes que tem sido mais apontado como possível sucessor de Passos Coelho à liderança do partido. Recentemente, Marcelo Rebelo de Sousa chegou até a tecer vários elogios ao líder parlamentar, dizendo que lhe antevia “muitos sucessos políticos”.
Na semana passada, no seguimento da notícia do Observador que dava conta de que Montenegro, entre outros deputados do PSD, também tinha viajado para o Euro a convite do empresário Joaquim Oliveira, houve estruturas ou membros do partido a criticar publicamente a atitude dos sociais-democratas. Um deles foi o líder da JSD de Braga, que enviou um comunicado às redações a criticar duramente a postura do líder parlamentar social-democrata e do seu primeiro vice-presidente, o deputado Hugo Soares, que é da estrutura de Braga e que foi líder da JSD.
“Não podemos pedir explicações ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que vai ao Europeu a convite da Galp e ser surpreendidos pela intimidade do líder parlamentar [Luís Montenegro] e do seu primeiro vice-presidente, Hugo Soares, com interesses empresariais”, defendeu na altura o líder da JSD de Braga, Firmino Costa.
Também José Eduardo Martins, que volta e meia é apontado como possível candidato a líder, foi altamente crítico nas redes sociais. “É pena o PSD não estar em condições de liderar este assunto que só a opinião pública e o CDS não deixam morrer”, escreveu. Outra voz altamente crítica foi a de Pedro Rodrigues, ex-líder da JSD e ex-chefe de gabinete do ex-ministro Miguel Poiares Maduro, que no Facebook pediu que o líder do PSD tirasse ilações: “Ou o líder parlamentar e os envolvidos se demitem ou Passos Coelho terá de lhes retirar a confiança política”.
Montenegro mantém que ida a França foi “trabalho político”
Questionado pelos jornalistas sobre as viagens em questão, falando à margem da conferência de líderes sobre a eventual convocação de uma Comissão Permanente extraordinária, Montenegro começou por reafirmar, à semelhança do que já tinha dito, que fez as deslocações a “expensas próprias”.
Depois apressou-se a explicar o porquê de ter justificado junto da Mesa do Parlamento as suas duas faltas para ir aos jogos de futebol com motivo de “trabalho político”. Tal como o Observador noticiou, Montenegro foi um dos deputado sociais-democratas (a par de Campos Ferreira) a usar essa justificação, tendo validado, na qualidade de presidente da bancada, a justificação de falta de outros deputados. Um deles foi Hugo Soares, vice-presidente da bancada, que apelou a um “motivo de força maior” para justificar a ausência do plenário no dia em questão.
“Eu estive em França, assisti a dois jogos em dias em que havia plenário, no primeiro caso ao lado do primeiro-ministro e no segundo ao lado do Presidente da República e do Presidente da Assembleia da República, e essa circunstância configura a meu ver a figura regimental que é habitualmente usada pelos deputados para justificar as suas ausências”, disse, referindo-se à figura regimental do “trabalho político”. Lembrando que tem “14 anos de vida parlamentar” e “provas mais do que suficientes de assiduidade e dedicação”, Montenegro reforçou que é habitual os deputados justificarem as faltas com aquele argumento quando comparecem a eventos locais ou internacionais de vários tipos.
Luís Montenegro admitiu, nessa lógica, que a Mesa da Assembleia da República pode não considerar a justificação devida, e, se assim for, o parlamentar afirma que terá de “acatar” com a decisão, ainda que discorde. “Estou muito à vontade relativamente a essas viagens e à participação que tive no Europeu de futebol”, acrescentou.
Sobre a justificação dada pelo seu vice-presidente e braço direito, Hugo Soares, que invocou “motivos de força maior” para assistir ao jogo, Montenegro admitiu que validou o argumento sem questionar, mas que agora já considera que “não foi a justificação mais correta”.
“Essa justificação não foi a mais correta, já tive ocasião de o transmitir ao deputado em causa. Eu tenho competência para visar todas as falsas que são justificadas mas tenho por hábito não perguntar qual é o motivo de força maior que esteve na base da falta dos deputados”, afirmou. E acrescentou: “Não me apercebi que essa falta se relacionava com o dia em que o deputado assistiu ao jogo mas ele terá oportunidade de corrigir essa situação e utilizar a justificação mais plausível para a circunstância”.
A maioria de esquerda acabou por chumbar, na conferência de líderes desta quarta-feira, o pedido do CDS para convocar a Comissão Permanente de urgência a fim de discutir as viagens dos secretários de Estado a França. PCP, Verdes e BE juntaram-se ao PS e consideraram que não era matéria suficientemente urgente para ser tratada numa reunião extraordinária, argumentando que o tema podia ser abordado na reunião ordinária de 8 de setembro – a primeira antes do início da próxima sessão legislativa.