Um “silêncio ensurdecedor”. Bloquistas e comunistas têm sido acusados de fecharem os olhos aos casos que o Governo socialista vai somando. É isso, pelo menos, que vai sugerindo a direita: os partidos que antes não hesitavam em atacar o Governo PSD/CDS a cada polémica que rebentava trocaram agora o rasgar das vestes pelo taticismo político, cujo único propósito é assegurar a sobrevivência da maioria de esquerda. Atingir o Governo tornou-se desconfortável? Mesmo com a polémica da Caixa Geral de Depósitos, que causou um pequeno murmúrio de fricção na ‘geringonça’, não parece haver risco de fogo amigo contra o PS no Parlamento.
Entre Bloco de Esquerda e PCP as reações a este silêncio evidente são diferentes. Ao Observador, José Manuel Pureza, dirigente bloquista e vice-presidente da Assembleia da República, rebate as críticas e deixa um aviso a sociais-democratas e democratas-cristãos: “O Bloco não vai abrir o caminho à direita, nem está aqui para arcar com as dores da direita“.
Os comunistas, no entanto, preferem não comentar a questão. O Observador tentou esclarecer junto do partido se o PCP se revia nestas críticas, se este discurso mais cauteloso, a existir, serve para assegurar a sobrevivência da “geringonça” e se casos como a “Galpgate”, a vaga de incêndios que assola o país ou a divulgação de indicadores económicos aquém das expectativas do próprio Governo não mereceriam, noutras circunstâncias, uma condenação mais veemente dos comunistas. A todas estas questões, fonte oficial do partido respondeu: “O PCP não comenta as questões que nos dirigiu“.
O “Galpgate” e o pedido de demissão que não saiu da gaveta
Quando o “Galpgate” rebentou, envolvendo três secretários de Estado (e não só) que aceitaram viajar a convite da petrolífera para assistir a jogos da seleção portuguesa de futebol no Euro 2016, os dois parceiros parlamentares do PS não esconderam a reprovação perante o comportamento dos governantes, sobretudo de Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais — a Galp tem um litígio de 100 milhões com o Fisco, tutelado precisamente pelo jurista. Ainda assim, nenhum dos dois partidos exigiu frontalmente a demissão do secretário de Estado, ao contrário do que fizeram no passado em situações mais ou menos semelhantes.
Os comunistas, pela voz do dirigente Jorge Pires, recusaram que o partido tivesse agora uma atitude mais “branda”. “Não se trata de ser cauteloso, ser duro ou mole”, insistiu então o responsável comunista. A formulação encontrada foi a seguinte: “Se o secretário de Estado tomar essa iniciativa [de se demitir], não nos oporemos“, mas cabia aos envolvidos — Governo, primeiro-ministro e Rocha Andrade — “analisarem a situação, tirarem as devidas ilações e decidirem o que fazer nesta situação”. O desfecho é conhecido: António Costa segurou um dos seus homens de confiança.
Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar do Bloco de Esquerda, optou por uma posição semelhante. O comportamento de Rocha Andrade foi “eticamente reprovável”, pediam-se “consequências políticas”, mas não cabia ao Bloco de Esquerda fazer “sugestões políticas. “As demissões do Governo dependem do Governo“, sublinhou então o bloquista.
A revista Sábado, no entanto, contava uma versão ligeiramente diferente dos factos. De acordo com aquela publicação, a direção bloquista chegou a ponderar exigir publicamente a demissão de Rocha Andrade. Mas a preparação do Orçamento do Estado para 2017 e a importância do secretário de Estado na equipa de Mário Centeno falaram mais alto. Não era o momento para atingir o aliado politicamente fragilizado.
Em declarações ao Observador, José Manuel Pureza não comenta diretamente a notícia da Sábado, mas lembra que a “condenação” do Bloco ao comportamento de Rocha Andrade “foi inequívoca” e que ficou clara a “reprovação ética” do partido. Ainda assim, como já tinha repetido Pedro Filipe Soares, cabia ao Governo retirar as “conclusões políticas” necessárias e não ao Bloco exigir a demissão de Rocha Andrade.
Lacerda Machado, “o melhor amigo” de Costa, que deixou os parceiros desconfortáveis
O caso de Rocha Andrade, porém, não foi o único a gerar algum desconforto nos parceiros parlamentares dos socialistas. Quando se tornou público que Diogo Lacerda Machado, o “melhor amigo” de António Costa, estava a servir informalmente de mediador no diferendo entre os espanhóis do CaixaBank e os angolanos da Santoro, mas também nos dossiers “Reprivatização da TAP” e “Lesados do BES”, Bloco e PCP exigiram esclarecimentos imediatos.
Perante a polémica, António Costa fez a gestão de danos possível e celebrou um contrato com seu amigo pessoal a “contragosto”, como admitiu na altura. Os bloquistas não gostaram da resposta do primeiro-ministro e acusaram o Costa de ter agido com “alguma sobranceria“. Os comunistas, por sua vez, nunca comentaram as declarações de António Costa. Diogo Lacerda Machado acabaria por ser chamado ao Parlamento para prestar os devidos esclarecimentos. A polémica foi perdendo força.
O polémico subsídio do secretário de Estado do Ambiente
Meses volvidos, novo caso a envolver alguém próximo de António Costa, desta vez mais um membro do Executivo. Carlos Martins, secretário de Estado do Ambiente, estava a receber um subsídio de alojamento, no valor de 360 euros, atribuído aos governantes que residem a mais de 150 quilómetros de Lisboa. O problema? A sua residência habitual é em Cascais.
O Bloco de Esquerda não reagiu publicamente à questão, mas o partido coordenando por Catarina Martins foi deixando escapar que a situação tinha de ser “resolvida o quanto antes” e que a lei tinha de “ser cumprida”. O PCP, mais uma vez, preferiu não comentar o caso, que criou desconforto inclusive dentro do próprio PS. Carlos Martins resistiu, mas acabaria por abdicar do subsídio. E a pressão diminuiu.
Incêndios e outro tema sensível: Caixa Geral de Depósitos
A vaga de incêndios que assolou o país nos últimos dias, embora não sendo uma polémica, não deixa de ser uma questão que, em anos anteriores, mereceu duras acusações políticas. Em 2015, por exemplo, bloquistas e comunistas não pouparam a atuação do Governo de Passos — “a gravidade da situação desmente a propaganda governamental“, argumentava o PCP; a “incompetência do Governo não pode encontrar justificação na meteorologia“, dizia o Bloco.
Agora, no entanto, as reações foram mais contidas. Bloquistas e comunistas pediram uma reunião com caráter de urgência com a Administração Interna e exigem que se tomem medidas para que a catástrofe não se volte a repetir. Mas não foram pedidas cabeças, mesmo depois de a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, ter sido criticada por quadrantes mais à direita por ter demorado demasiado tempo a intervir.
“Houve um consenso muito alargado de que aquele era o momento para dar todo o apoio às forças envolvidas no combate aos incêndios”, justifica José Manuel Pureza. O bloquista garante que “haverá o momento” em que será preciso discutir soluções e tomar medidas, e, aí, o “Bloco estará pronto para fazer tudo“. Este, no entanto, não era o tempo de embarcar numa “retórica inflamada”, diz o responsável bloquista.
Com o processo que envolveu a nomeação da nova administração da Caixa Geral de Depósitos as reações foram ligeiramente diferentes. Os partidos mais à esquerda não gostaram de ver o Governo a decretar o fim dos limites salariais para os administradores da Caixa, nem gostaram de saber a intenção do Executivo de aumentar o número de administradores no banco público. Depois, chegaram as denúncias sobre eventuais conflitos de interesse entre os administradores indicados e as dúvidas levantadas pelo Banco Central Europeu (BCE).
Após meses de impasse, o BCE acabou por aprovar esta quinta-feira o modelo de governação da Caixa, mas não sem impor limitações: António Domingues só poderá acumular presidência da comissão executiva e do conselho de administração por seis meses e oito administradores não executivos foram chumbados por acumularem demasiados cargos à luz da lei.
Mesmo com este chumbo, o Governo socialista não desiste de avançar para a nomeação destes administradores e até admite mudar a lei para cumprir as suas intenções. Só que, neste ponto, Bloco e PCP parecem não estar dispostos a retirar a pressão e já foram avisando que não mexem na lei. Mais: até defenderam uma lei mais restritiva, que impeça a acumulação de cargos de gestão de bancos públicos com cargos no setor privado. Será um braço-de-ferro, talvez o maior a par do Orçamento, a seguir com atenção nos próximos meses.
O desempenho económico e a pressão de PSD e CDS
Enquanto a gestão do processo Caixa Geral de Depósitos continua a ser gerido com pinças pelo Governo socialista, PSD e CDS parecem apostados em apontar as alegadas incongruências dos partidos mais à esquerda. A 12 de agosto, quando o INE divulgou os números da economia portuguesa no último trimestre, PSD e CDS apressaram-se a sublinhar aquilo que consideram ser a falência do modelo económico escolhido pelos socialistas.
“Os números que saíram são francamente negativos“, apontou a ex-ministra das Finanças e deputada social-democrata, Maria Luís Albuquerque. Pedro Mota Soares, do CDS, aproveitou para colocar a pressão do lado de Bloco e PCP: “O próprio investimento público este ano está abaixo do investimento público de 2015, que na altura era muito criticado pelo Partido Comunista, pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Socialista como sendo pouco, a verdade é que este Governo das Esquerdas está até do ponto de vista do investimento público abaixo daquilo que aconteceu o ano passado”.
Com o próprio Governo socialista a admitir, em comunicado, que estes números refletem uma “evolução inferior à que está subjacente ao Orçamento do Estado de 2016” e que “a economia está a levar mais tempo a acelerar o ritmo de crescimento”, bloquistas e comunistas preferiram não comentar os dados do INE.
Desafiado a comentar a questão, José Manuel Pureza desmente que exista aqui qualquer desconforto ou contradição. “Nós sempre dissemos que o crescimento económico não pode atingir os patamares desejáveis no quadro das atuais regras europeias”, assume. O PS, é público, pensa de forma diferente. Ainda assim, o bloquista reitera que o empenho do partido será sempre em “criar condições” para que seja possível “reforçar” os pressupostos que servem de base ao acordo com os socialistas: devolver rendimentos e recuperar direitos sociais. “É nisso que concentramos todas as nossas energias“.
Quanto às críticas à suposta brandura do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza diz que demonstram bem “o desespero dos adeptos do anterior Governo — as coisas não estão a correr nada bem” para PSD e CDS, argumenta o bloquista.
E por muito que tentem explorar eventuais fricções na “geringonça”, a estratégia de dividir para conquistar não vai resultar, garante. “Não vão ter qualquer bónus. Essas ladainhas não levam a lado nenhum. Estamos muito, muito empenhados em que haja uma governação diferente e alternativa”. Do lado do Bloco, pelo menos, não há vontade de provocar baixas nas tropas socialistas.