Em vésperas de arrancar a discussão sobre o Orçamento do Estado para 2017, Luís Montenegro chutou a bola para os partidos da esquerda mas quis deixar claro que o PSD não vai ficar à sombra até às próximas legislativas. Não, não vai apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado, porque exigir isso à direita é “hipocrisia política”, mas vai sim manter-se na corrida “para que o país perceba que há uma alternativa que tem ideias e protagonistas”, disse o líder da bancada laranja na sessão de abertura das jornadas parlamentares do PSD, que decorrem entre esta segunda e terça-feira em Coimbra.
“Daremos o nosso contributo para que o país perceba que há uma alternativa que tem ideias e propostas, que tem protagonistas, para se poder apresentar futuramente com condições de obter o reforço eleitoral que dê condições de governabilidade e de estabilidade para um processo, não de arrumar a casa, mas de projetar o futuro com mais oportunidades e crescimento”, disse Montenegro perante uma plateia de deputados sociais-democratas. “Vamos naturalmente apresentar as nossas propostas e fortalecer a nossa alternativa”, reforçou, lembrando de seguida que o PSD “não tem ilusões” e que, numa altura em que o Parlamento está unido à esquerda, “dificilmente” as propostas da direita serão aprovadas.
A ideia é construir essa “alternativa” no Parlamento, ao nível da apresentação de iniciativas legislativas, projetos de lei ou de resolução, mas não ao nível da apresentação de propostas de alteração ao Orçamento do Estado — que é o documento que traduz os gastos previstos pelo Governo para executar o seu modelo político e económico. Assim sendo, cabe ao Governo, ao PS e aos partidos que o apoiam no Parlamento (PCP, BE e Verdes) apresentar essas propostas de alteração. “É de uma hipocrisia política enorme pedir que o PSD diga quais são as suas propostas para o OE”, disse, instando até Catarina Martins e Jerónimo de Sousa a “chegarem-se à frente” e a apresentarem “ao país quais são as medidas que vão estar no Orçamento” e a mostrarem que essas mesmas medidas “são viáveis”.
“O país não precisa da hipocrisia e do jogo político das palavras, essa é uma conversa sonsa, parece que as propostas do PSD vão inspirar o Governo”, disse, criticando o PS e a esquerda que, nos últimos dias, tem pautado o seu discurso com sucessivas bicadas ao PSD e à sua pré-anunciada decisão de, à semelhança do que fez no Orçamento deste ano, não apresentar de propostas concretas na discussão do Orçamento que se avizinha. “Tirem o cavalinho da chuva”, começou por dizer na semana passada Passos Coelho dando o mote para a discussão.
Mas para calar aqueles que criticam o PSD e, em particular, Pedro Passos Coelho, por não ir a jogo, Montenegro deixou claro que o PSD vai manter-se “firme na denúncia dos erros do Governo, das omissões e das decisões nefastas” que toma, ao mesmo tempo que vai apresentar propostas concretas. E sobre isso deixou algumas linhas mestras: educação, inovação, ordenamento do território, cultura, economia e saúde serão as prioridades do PSD, a par do investimento — que é onde recaem as maiores críticas ao Governo. “Apresentaremos um conjunto significativo de propostas, e um conjunto transversal de posições políticas que estarão expressas nessas propostas”, disse perante os deputados, em Coimbra.
Esquerda vive para o défice e Cento é um “pirómano político”
O discurso de abertura das jornadas parlamentares, que amanhã encerram com uma intervenção de Passos Coelho, Montenegro afinou o tiro ao “Governo das esquerdas”, como agora é tratado à direita, depois de o termo “geringonça” ter começado a cair em desuso. Acusou o Governo de ter falhado no modelo económico, tendo em conta os indicadores “factuais” conhecidos até ao terceiro trimestre do ano e as previsões inicialmente feitas pelo executivo em termos de crescimento, investimento, exportações; e deu o exemplo de Espanha — que é vizinha e está sem Governo há quase um ano — para dizer que o falhanço não se deve a fatores externos.
“Mais vale ter um Governo que não tenha plenitude de funções do que um que estraga tudo o que foi feito”, disse, lembrando que Espanha não tem Governo em plenas funções e está a crescer a um ritmo mais celerado e sustentado do que Portugal.
Luís Montenegro criticou ainda a “esperteza saloia” de António Costa por se congratular pelo elevado número de alunos que entraram no ensino superior este ano, quando esse crescimento já acontece “desde 2014”, e por alegar que vai retirar os cortes nas pensões “quando não há cortes de pensões desde 2014”. E criticou as esquerdas por “viverem para o défice”. “É curioso ver que a tábua de salvação do discurso do Governo seja o défice, quando ao contrário de nós que herdámos um défice de 11% só herdaram um défice de 3%”, disse, acusando o Governo e os partidos da esquerda de não de importarem com os dados económicos relativos à dívida, exportações, ritmo de crescimento, investimento, etc, desde que “o défice esteja abaixo de 3%”.
Sobre a entrevista dada hoje pelo ministro das Finanças à televisão CNBC, onde Mário Centeno respondeu ao jornalista dizendo que a sua principal tarefa passava pelo cumprimento do compromisso orçamental e pela redução da despesa pública, de forma a evitar um cenário de segundo resgate em Portugal, Montenegro foi perentório e acusou Centeno de “piromania política”, exigindo ao Governo uma palavra de “tranquilidade” sobre o assunto.
Para o presidente da bancada social-democrata, “é muito sintomático” que esta posição tenha vindo daquele que “devia ser o portador de uma mensagem de confiança” na política económico-financeira do executivo PS. “Um ministro das Finanças não diz que está a tentar evitar, evita (…) É verdade que ele tem uma certa tendência para a piromania política”, acrescentou, dando o exemplo das sucessivas declarações que fez sobre a Caixa Geral de Depósitos. Em causa está uma entrevista do ministro Mário Centeno à cadeia televisiva norte-americana CNBC em que, questionado sobre se “vai fazer tudo o que for necessário para evitar que Portugal tenha um segundo resgate”, responde: “Essa é a minha principal tarefa. O compromisso que temos na frente orçamental e na redução da despesa pública é precisamente nessa direção”.
“É devida ao Governo e ao primeiro-ministro uma palavra de tranquilidade sobre este assunto, o assunto é demasiado sério, coloca Portugal num radar prejudicial às famílias e empresas portuguesas”, desafiou Luís Montenegro, na abertura das jornadas parlamentares do PSD, que decorrem entre segunda e terça-feira em Coimbra.