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"Geringonça" na UE é possível? Há eurodeputados que acreditam que sim

Este artigo tem mais de 5 anos

Eurodeputados de vários países sonham com uma aliança de esquerda no Parlamento Europeu, para acabar com a austeridade e mudar as políticas económicas da UE. O modelo é a esquerda portuguesa.

Já não é Alexis Tsipras, nem os radicais de esquerda do Syriza. Agora, o “exemplo inspirador” para muitos na Europa é António Costa e os acordos dos partidos de esquerda em Portugal. A ideia de formar uma aliança no Parlamento Europeu está a ganhar adeptos nas fileiras dos grupos políticos de esquerda em Estrasburgo e Bruxelas. À semelhança do que acontece na Assembleia da República, querem uma “geringonça europeia” para mudar de políticas na UE.

Para deputados de vários países e grupos, a “experiência portuguesa” demonstra que é possível criar dinâmicas e ultrapassar muitos dos obstáculos que tradicionalmente separam os partidos socialistas das forças mais à esquerda. Vários eurodeputados dos grupos socialista, ecologista e da esquerda unitária (o grupo que junta comunistas e radicais de esquerda) estão a dialogar no sentido de construir pontes. Defendem a criação de maiorias alternativas à chamada “grande coligação” entre o PPE (de centro direita, com 215 deputados, que inclui PSD e CDS/PP) e os socialistas (189 deputados).

É esta “aliança ao centro” de partidos europeístas (a que se junta o grupo liberal) que permite aprovar legislação e acordar a distribuição dos principais cargos institucionais na UE. Aliás, a próxima eleição para um desses cargos – o de presidente do Parlamento Europeu – poderá selar o divórcio entre populares e socialistas, caso não consigam manter o pré-acordo para dividir o cargo a meio do mandato.

Romper a grande coligação PPE/Socialistas

Entre os socialistas, há quem queira romper este tipo de acordos com a direita. E se uma maioria de esquerda não for possível no atual mandato (2014-2019) para mudar as políticas da UE, então que o caminho fique desbravado para o próximo. Para já procuram convergências pontuais, uma aproximação em torno de várias frentes: migração, fiscalidade, convergência económica e social, luta contra a extrema-direita e o populismo.

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Os defensores do diálogo entre as esquerdas já têm um fórum de debate que está a atrair dezenas de ONG, sindicatos, académicos. Chama-se “Progressive Caucus” e neste momento tem como principal ponto a contestação aos acordos de comércio da UE com os Estados Unidos (TTIP) e com o Canadá (CETA). “O Progressive Caucus é um espaço inédito de discussão política. Deputados de diferentes grupos querem fazer ouvir uma outra voz entre aqueles que nos dizem que não há alternativa ao status quo e os políticos europeus que dizem que o projeto europeu deve morrer”, afirmou a eurodeputada ecologista Eva Joly na primeira sessão deste fórum, no início de setembro.

O eurodeputado socialista francês Guillaume Balas é um dos impulsionadores. Ao Observador diz preferir uma aliança com “os parceiros naturais” à esquerda. Considera que a “grande coligação” PPE/Socialistas não é positiva até porque, de fora, “parece que esquerda e direita são iguais”. Balas reconhece que há um debate em curso no seio do grupo socialista sobre a tradicional aliança com o PPE e que a viragem à esquerda recolhe apoios. “80% dos deputados estariam contra (uma aliança à esquerda) no início do mandato”, afirma. “Mas muitos querem evoluir”.

A eurodeputada do PS Ana Gomes confirma que no grupo socialista “há cada vez mais deputados a defenderem a necessidade de entendimentos à esquerda”, mas “isso também depende dos nossos parceiros” do grupo ecologista e da esquerda unitária.

Também entre os Verdes e o GUE (Esquerda Unitária Europeia), os acordos à esquerda recolhem apoios. Entre os impulsionadores do Caucus, não há só socialistas. Cabem esquerdistas do Die Link, ecologistas catalães e franceses, radicais de esquerda do Syriza. Stelios Kouloglou, eleito pelo Syriza, afirma ao Observador que “as actuais maiorias no Parlamento Europeu e em muitos Estados-membros falharam completamente” por causa de “políticas de austeridade severas que destruíram a democracia e a justiça social”. “Uma maioria de esquerda no Parlamento Europeu poderá parecer difícil de concretizar num futuro próximo, mas o Progressive Caucus é a prova que um terreno comum pode ser encontrado dentro do PE”, acredita este realizador grego.

Os acordos de António Costa são “o modelo a seguir”

António Costa e o acordo parlamentar das esquerdas em Portugal são então o modelo a seguir? “Evidentemente”, responde sem hesitar Guillaume Balas. “Portugal é um exemplo a seguir”. “Há especificidades e limites” nos acordos em Portugal, mas o socialista francês realça que “as esquerdas ultrapassaram as divergências para construir algo”.

“É um exemplo inspirador”, sublinha. Stelios Kouloglou, que integra o grupo da esquerda unitária ao lado dos deputados do PCP e do Bloco, critica a “grande coligação” PPE/Socialistas que dirige o PE e vários Estados-membros, como a Alemanha, com uma agenda que “impõe austeridade e políticas neo-liberais na Europa”. O grego defende a experiência que as esquerdas portuguesas estão a fazer: “A aliança entre sociais-democratas e a esquerda é a solução para o problema que está a destruir a União Europeia. É por isso que a experiência portuguesa é muito importante. Também demonstra maturidade, através da necessidade de reverter as políticas de austeridade, sobretudo nos países do Sul da Europa, criando amplas alianças”.

Kouloglou sublinha que é necessário retirar lições das relações entre o governo de Alexis Tsipras e a UE, que durante o ano passado foram de enorme tensão durante as negociações do programa de resgate. “Os partidos de esquerda estão a aprender com a experiência do Syriza. Em Portugal, o Governo adotou corretamente uma linha mais prudente, não optando pelo confronto direto com os poderes superiores”.

Ana Gomes tem a mesma opinião. Defende a abordagem de António Costa que “com mais sabedoria, diálogo e persistência tem levado a água ao seu moinho”. “Não é o modelo do Syriza que partiu a loiça toda”, diz a eurodeputada, em alusão à relação tensa que o Governo grego manteve com os parceiros e a UE durante as negociações do programa de assistência, no ano passado.

Outro dado que confirma o interesse crescente que o modelo das esquerdas portuguesas está a suscitar aconteceu na reunião do grupo dos socialistas europeus que teve lugar esta semana, em Estrasburgo. O presidente da Assembleia da República foi orador convidado do grupo. Ana Gomes diz que deputados de vários países interpelaram Ferro Rodrigues mostrando interesse sobre o acordo das esquerdas, procurando saber como tem funcionado em Portugal essa aliança parlamentar.

A aritmética curta da “geringonça” europeia

Há vários obstáculos que impedem, pelo menos para já, a constituição de uma “geringonça” no Parlamento Europeu. A começar pela aritmética: os grupos de esquerda juntos não alcançam uma maioria. Mesmo na hipótese remota de que todos os deputados socialistas aceitassem votar ao lado da esquerda radical em todas as questões, as esquerdas precisariam de ir buscar votos a outros grupos ao centro ou à direita para vencer as votações.

Aqui surge a questão política de fundo. Temas como a política económica, o euro, a união bancária, a política externa e de segurança, para só citar alguns, continuam a dividir profundamente os grupos de esquerda no PE: socialistas e parte dos ecologistas são pró-EU, enquanto a esquerda radical é tradicionalmente contra. Por isso, muitos socialistas não vêm com bons olhos uma aliança com a extrema-esquerda.

Favorável a um entendimento, o socialista francês Guillaume Balas defende que a questão decisiva é a de “oferecer uma alternativa em termos de políticas económicas” e acredita que “há muitas coisas que aproximam os socialistas e as forças mais à esquerda”.

Ana Gomes considera que as questões que separam as esquerdas não deviam dividi-las. “Podemos convergir”, afirma a eurodeputada do PS. As esquerdas deveriam juntar-se, diz, para que “a governação económica europeia tenha políticas inclusivas e sociais” e “para, dentro das regras, utilizar a margem que há para políticas de esquerda”.

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