A 20 de abril de 1999. Eric Harris e Dylan Klebold, de 18 anos, entraram armados pelo liceu de Columbine adentro e mataram 12 pessoas, feriram outras 21 e suicidaram-se. Porque é que isto aconteceu? Qual a motivação? Os oportunistas da moral e profetas do fim da civilização procuraram imediatamente um alvo para onde apontar o juiz indicador: seria “Doom”, o videojogo favorito dos rapazes, ou Marilyn Manson, aquele tipo que parecia demasiado esquisito para ter tanto tempo de antena na rádio e na televisão? Só depois se falaria de bullying, depressão e na assustadora facilidade do acesso às armas nos Estados Unidos da América.

Três anos antes do massacre de Columbine, Manson lançava o emblemático Antichrist Superstar, cujo título era desde logo um bode expiatório escarrapachado para quem o quisesse agarrar. Depois de se insinuar com uma versão-pesadelo de “Sweet Dreams Are Made of This”, dos Eurythmics, a figura de aspeto distorcido, filho andrógino e alienígena de Marilyn Monroe e Charles Manson, chegava agora ao mainstream com grande estardalhaço.

Como mais tarde se veio a confirmar, Eric Harris e Dylan Klebold nem sequer eram fãs, mas a mensagem de Manson tornava-o perigosamente influente aos olhos de alguns: é OK ser-se diferente. E, para fazer passar essa mensagem, nada melhor do que combater o circo da indústria com um circo de aberrações. Na verdade, era também isso que a indústria esperava dele: um vilão para legitimar heróis e vice-versa.

“The Beautiful People”, o primeiro e mais popular single de Antichrist Superstar, tornou-se então uma espécie de hino dos esquisitos. O som era agressivo mas suficientemente polido pela sofisticada produção de Trent Reznor, dos Nine Inch Nails, por isso transversal quanto baste. E apesar de (ou precisamente devido a) alguns rumores que fizeram o mito — como o de que Manson tirara uma costela para poder fazer sexo oral a si mesmo –, os esquisitos (em que me incluía, diga-se) viam nele um ídolo e até um sex symbol do mundo ao contrário.

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Quando Manson e a sua banda (homónima) passaram pela primeira edição do Festival Sudoeste, em 1997 — ainda Steve Aoki não tinha sequer posto os bolos no forno -, o homem exibia em palco uma imponência arrebatadora. E, no entanto, parecia ao mesmo tempo bastante consciente da sua teatralidade e por isso inofensivo. Não que o quiséssemos fazer, mas era quase possível imaginá-lo em casa, de pantufas, a tirar as lentes de contacto. Um showman chamado Brian Hugh Warner. A questão não era tanto o que Manson fazia às pessoas, mas o que as pessoas faziam de Manson.

É interessante voltar a ouvir Antichrist Superstar — o primeiro de uma trilogia completada por Mechanical Animals e Holy Wood (In the Shadow of the Valley of Death) — vinte anos depois. Ao mesmo tempo que ainda faz um certo sentido refletir sobre o folclore, o papel de enfant térrible patrocinado pelo mainstream e a forma como influenciava ou não comportamentos, o álbum mais importante da discografia da sua banda soa musicalmente mais datado do que relevante. Ainda funciona no coração dos nostálgico incondicionais — tem boas malhas, sim senhor — mas parece um desafio demasiado fechado num tempo em que ainda havia inocência na forma de vender subversão.

Está previsto um disco novo em fevereiro do ano que vem, que Marylin Manson tem descrito à imprensa como sendo um regresso a Antichrist Superstar. O passado ainda vai fazendo sentido recordar, mas será que queremos mesmo lá voltar no futuro?