Foram cerca de três horas de reunião à porta fechada no Ministério do Ambiente, com o ministro João Matos Fernandes e o secretário de Estado José Mendes. No final, uma “divergência profunda”. O Governo (ainda assim) cedeu, mas não cedeu o suficiente, explicou Carlos Ramos, presidente da Federação Portuguesa do Táxi (FPT), ao Observador. Tanto que, depois de mais umas horas a bloquearem a Rotunda do Relógio, em Lisboa, os taxistas só desmobilizaram na madrugada de terça-feira, pressionados pela polícia, mas não sem antes marcarem novo protesto para a próxima segunda-feira. agora tendo como destino o Palácio de Belém e as câmaras municipais do Porto e Faro.

E porque é que se mantém o protesto?

Porque os taxistas querem que o Governo estabeleça um limite à circulação de carros, que inclua todas as soluções de mobilidade, sejam táxis, Uber ou Cabify. É aquilo a que os taxistas chamam de “contingente” e que já existe para o setor do táxi: um número máximo de carros que pode circular nas estradas definido pelo número de habitantes da cidade e pelas necessidades da população.

O que querem afinal os taxistas?

Querem que o Governo estabeleça um limite máximo para as soluções de mobilidade, que inclua táxis e veículos descaracterizados, explicou Carlos Ramos ao Observador. Ou seja, quer que a oferta de serviços de transporte seja controlada e que metade fique sob a esfera dos taxistas.

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“É preciso fixar o número máximo de viaturas, quer sejam táxis ou TVDE [veículos descaracterizados]”, afirmou o presidente da FPT, assegurando “que tem de haver regras. Não podemos deixar a cidade de Lisboa aberta a estas plataformas”.

A atividade dos taxistas está limitada por um contingente municipal, ou seja, cada município estabelece um número de licenças máximo que pode emitir a quem quer entrar para a atividade. Esse limite é fixado tendo em conta o número de habitantes e as necessidades globais da população.

O que os taxistas querem agora é que o Governo estabeleça um limite para todo o setor, impedindo que um número não controlado de motoristas privados passem a trabalhar para plataformas como a Uber ou a Cabify.

O presidente da Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), Florêncio Almeida, já tinha dito que queria que os motoristas da Uber e Cabify tivessem um contingente como têm os taxistas, tendo dado o exemplo de Espanha, onde diz estar estabelecido que só pode existir um veículo descaracterizado por cada 20 táxis.

O que respondeu o Governo?

Respondeu que essa medida seria “inconstitucional”, argumento que Carlos Ramos diz não entender. “Há uma divergência profunda [entre Governo e taxistas] que é a vontade dos taxistas em criar um contingente a uma atividade económica que não pode ser ‘contingentada’”, referiu o ministro do Ambiente no final da reunião com os taxistas.

O que é que isto quer dizer? Que o Governo não pode limitar o setor da mobilidade, tal como não pode impedir que sejam abertos mais do que ‘x’ cafés ou ‘y’ barbearias no país.

Mas nem tudo foram más notícias para os taxistas. Na reunião desta segunda-feira, o Governo cedeu a uma das propostas de alteração dos taxistas: que seja possível descaracterizar um número (não revelado, por não estar fechado) de táxis para que prestem serviço pelas plataformas que estão no centro da ira da manifestação desta segunda-feira. Ou seja, vai haver um grupo de taxistas que podem transitar para a Uber e Cabify.

Com uma condição: que, a partir do momento em que passem a trabalhar para a Uber ou a Cabify, deixem de poder trabalhar como taxistas.

Porque é que isto não basta para chegarem a acordo?

Porque só com a existência de um limite máximo de carros a prestar serviços na Uber e Cabify salvaguardam que a concorrência dos motoristas privados não sai fora do seu controlo. Não lhes interessa ter um número de táxis descaracterizados na Uber ou Cabify se, ao mesmo tempo, o número de carros da plataforma não for limitado.

“Estamos disponíveis para tirar 1.000 táxis para serem descaracterizados, mas admitimos que possam existir algumas viaturas de privados que também possam desenvolver a atividade”, diz Carlos Ramos. Esta era, aliás, uma das reivindicações já conhecidas dos taxistas.

Contactado pelo Observador, o Ministério do Ambiente confirmou que aceitou que os táxis possam transitar para a Uber, porque a filosofia é a de “uberizar” os táxis e não de “taxizar” a Uber. Segundo fonte do ministério, a Uber nunca se opôs a esta transição.

Apesar de não estar fechado o número de carros que podem ser descaracterizados, o objetivo dos taxistas é que — caso fosse estabelecido o tal limite de viaturas a circular — metade fosse parar às suas mãos.

É verdade que é inconstitucional?

O constitucionalista Paulo Otero explicou ao Observador que “é impossível o Governo estar a limitar” a atividade das empresas de transporte que trabalham com a Uber ou a Cabify. “Quanto muito, o que o Governo pode fazer é não limitar o número de táxis. Resta saber se os taxistas estão dispostos a abrir a concorrência”, afirmou.

Paulo Otero explica que, se não houver limite no número de viaturas que disponibilizam soluções de mobilidade, vai acabar por “haver mais oferta do que procura”, o que não deve ser favorável aos taxistas. “Porque destrói-lhes a galinha dos ovos de ouro. Não há valorização dos carros que circulam como também lhes garante clientela, porque não há uma oferta em excesso”, esclareceu o constitucionalista.

Mesmo que o Governo quisesse limitar a atividade, Paulo Otero explica que operacionalmente seria algo “muito difícil de controlar” e de executar, a não ser que fosse pelo número de carros autorizados a circular nas estradas. Paulo Otero lembrou ainda o que aconteceu em Lisboa na altura da Expo 98: os taxistas acabaram por criticar a Câmara Municipal por ter aumentado o contingente de licenças para essa altura.

E o resto das propostas?

Quanto às exigências em relação à formação dos motoristas — uma das primeiras grandes críticas dos taxistas à proposta de regulamentação do Governo — o presidente da FPT diz que isso agora “são pormenores”. Recorde-se que a proposta do Governo prevê uma formação de 30 horas para motoristas de TVDE (que pode ser tirada em escolas de condução) e que o mínimo obrigatório para os taxistas são 125 horas (prestada por entidades certificadas).

No entanto, o ministro do Ambiente já tinha dito à comunicação social que estava disposto a rever a questão da formação dos motoristas e quer a Uber, quer a Cabify concordam que é um ponto que deve ser revisto e tornado mais “eficiente”.

Outra das propostas dos taxistas (que esteve a ser discutida na reunião com o ministro) passou pela criação de um fundo público para que seja possível comprar as licenças que existem a mais em Lisboa, Porto e outras cidades. “Sempre que um empresário quiser deixar de exercer a atividade, tem de vender a licença a esse fundo, para que a licença possa entrar na circulação”, explicou Carlos Ramos.

Contactados pelo Observador, os responsáveis da Uber e Cabify não quiseram comentar o que fariam se o Governo instituísse o limite exigido pelos taxistas.

O que é que os taxistas já conseguiram?

Chamaram-lhes “moedas de troca”, mas a verdade é que desde que esta guerra começou que os taxistas têm andado num vai e vem de negociações com o Governo. No início de 2016, o Ministério do Ambiente apresentou 10 medidas para modernizar o setor do táxi que vão custar ao Estado cerca de 17 milhões de euros (quatro milhões do Orçamento do Estado e 10 milhões de fundos comunitários).

As medidas, a serem desenvolvidas em concertação com as associações profissionais, visam melhorar a imagem do setor, aumentar o desempenho ambiental, a eficiência das viaturas e flexibilizar a regulamentação. Deste pacote de medidas, um milhão servirá para formação, capacitação e informação, com vista “à promoção de ações de capacitação para motoristas, designadamente ao nível da eco-condução, cursos de línguas, de conduta e de utilização de tecnologias avançadas, e melhoria do acesso à informação sobre os direitos do passageiro”, segundo o Expresso.

Também em março, o Governo propôs que fosse criada uma plataforma nacional para o táxi, que integrasse as aplicações já existentes e melhorasse o serviço e apoio aos profissionais, num investimento de 600 mil euros.

Com a regulamentação que o Governo propôs para os veículos descaracterizados, os taxistas mantém em exclusividade os benefícios fiscais, em termos de Imposto Sobre Veículos, de dedução de IVA nas despesas de veículo, incluindo nos combustíveis, e a majoração em sede de IRC. Além disso, estão isentos do Imposto Único de Circulação.

Mantém-se igualmente exclusiva a possibilidade de utilizarem o corredor BUS e as praças de táxi. Bem como são os únicos que podem apanhar passageiros que, na rua, acenem com a mão. Quem quiser utilizar um Uber ou um Cabify terá sempre de pedir uma viatura através da aplicação.