Strangers in the night exchanging glances
Wondering in the night what were the chances
We’d be sharing love before the night was through”.

A meio da noite, num dos habituais jantares de amigos ou do grupo parlamentar do PS, José Lello volta a pegar no microfone para cantar Frank Sinatra. As grandes canções dos anos 60 e 70, era esse o seu repertório de eleição. Mais uma vez, o ex-deputado socialista voltava a Sinatra.

“Strangers in the night” era uma das suas preferidas, raramente falhava o tema. Mas talvez os versos de “My way” servissem melhor à definição da caminhada do portuense pela política portuguesa: “I’ve lived a life that’s full, I’ve traveled each and every highway, But more, much more than this, I did it my way.”

Foram 32 anos a representar o PS na Assembleia da República, de 1983 até ao ano passado, com duas interrupções pelo meio: a primeira, em 1995, aconteceu quando Lello foi chamado à secretaria de Estado das Comunidades.

Essa primeira passagem pelo governo de António Guterres granjeou-lhe a fama de ser responsável pelo resultado histórico do partido nas legislativas de 1999: “A única vez que o PS obteve três dos quatro deputados da Europa e do resto do mundo foi fruto do trabalho dele, do seu comportamento junto do emigrantes, que levava a que a simpatia que irradiava se projetasse para as eleições”, recorda Artur Penedos, também ele um ex-deputado socialista e amigo de longas décadas de José Lello. A segunda interrupção, logo a seguir, aconteceu quando o socialista substituiu Armando Vara na pasta da Juventude e do Desporto.

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Já nessa altura se notava uma característica que haveria de manter-se colada a Lello para o resto da vida: uma “alegria contagiante“que dificilmente deixava indiferente quem estava à volta. Não deixava por isso de ser muito polémico.

Na luta pela liderança do PS, Lello apoiou Jaime Gama contra a candidatura de Jorge Sampaio. E o ex-presidente da República haveria de sentir de perto essa boa disposição. Na primeira campanha para as presidenciais, Sampaio viajou com Lello, então secretário de Estado das Comunidades, até Genebra, Suíça, para um contacto mais próximo com os eleitores. Mas a atenção estava de tal forma centrada em Lello que, de vez em quando, o secretário de Estado lembrava aos presentes: olhem que o candidato é o doutor Jorge Sampaio.

Era“gamista” convicto (o grupo sempre foi discreto e reduzido, mas teve em José Lello, Luís Amado e em Miranda Calha dois leais membros — o grupo era conhecido por caber, inteiro, dentro de um táxi). Também esteve com o ex-presidente da Assembleia da República na corrida contra Vítor Constâncio. Em ambas as batalhas, esteve do lado dos derrotados, mas nunca pôs em causa o seu apoio a Jaime Gama. Aliás, só quando este se afastou das candidaturas internas no PS, Lello passou a apoiar, em 2004, José Sócrates para a liderança dos socialistas — e manter-se-ia um acérrimo defensor do ex-primeiro-ministro até ao fim. Lello era uma das figuras no jantar de amigos que Sócrates juntou em casa, depois de sair da prisão de Évora. O ex-deputado era um dos poucos convidados da noite.

Havia sempre uma palavra de ânimo para tudo, ou de desvalorização das coisas mais negativas da vida, criando condições para que toda a gente pudesse rir”, recorda Artur Penedos, que esteve com Lello na Assembleia de 1991 a 2005.

Guilherme d’Oliveira Martins também partilhou sessões parlamentares com José Lello, entre o início da década de 1980 e 2005. Ao Observador, o ex-presidente do Tribunal de Contas lembra “um deputado exemplar” e uma pessoa de “trato humano excecional” que, no Natal, deixava a classe política nalguma ansiedade. Lello tinha por hábito preparar uma lista de títulos de livros (sempre pautadas pela ironia e o humor) que todos os anos dedicava aos dirigentes políticos nacionais.

Renato Sampaio destaca a “personalidade muito marcante no núcleo de amigos, muito alegre, uma pessoa que gostava de viver a vida e que contribuía para a boa disposição” do grupo. Uma postura que, admite Sampaio, também eleito durante várias legislaturas pelo círculo do Porto, nem sempre era bem compreendida por todos.

Também foi sempre polémico. Retirado da política desde o final do ano passado, continuou a intervir nas redes sociais sobre os mais diferentes assuntos. Um dos mais recentes: a eleição do secretário-geral das Nações Unidas, com uma farpa ao português na candidatura da búlgara Kristalina Georgieva.

Nunca deixou de fazer observações sobre a política nacional. E nem o PS escapava às críticas.

Outro episódio curioso aconteceu em 2010. A meio de um debate parlamentar, Lello pediu a palavra (curiosamente, Jaime Gama presidia à sessão) para pedir “limitações” à circulação de fotojornalistas nas galerias da Assembleia. “Estamos a trabalhar, temos emails, questões de privacidade que respeitam a cada um e que não podem estar sujeitas ao voyeurismo dos senhores jornalistas fotógrafos que se debruçam nas tribunas, coisa que não é admitida a nenhum visitante”, defendia Lello. O presidente da Assembleia não alinhou no protesto e lembrou o deputado de que os computadores usados no plenário são material “de trabalho”.

Em maio do ano passado, as redes sociais reagiram com indignação a um comentário de Lello no Facebook. Um adulto tinha sido alvo de bastonadas da PSP no final de um jogo entre o Guimarães e o Benfica. “Tudo bem, os prejuízos causados pelos cordatos pais e avós benfiquistas no estádio de Guimarães foram de 100.000 euros!“, escreveu o deputado.

José Lello nasceu no Porto, em maio de 1944. Fez-se engenheiro e, depois de entrar para a Assembleia, nunca mais deixou a política, concorrendo sempre pelo Porto. Só nas últimas eleições, quando o caso Sócrates ensombrava a campanha do PS, o seu nome ficou fora das listas do partido.

João Torres, atual presidente da Juventude Socialista, com quem Lello partilhava o círculo eleitoral destaca o “notável dirigente do PS, alguém que desempenhou grandes responsabilidades públicas e que sempre manteve uma ligação muito forte ao seu círculo eleitoral de origem”. O responsável da JS considera que, “o país, em vários domínios da governação, deve muito a este homem que sempre honrou as suas missões”.

Lello foi também vice-presidente da comissão parlamentar de Defesa e presidente da Assembleia Parlamentar da NATO (entre 2007 e 2008). Mas teve, também, uma faceta empresarial. Foi administrador de várias empresas em Portugal (exemplo da Phillips portuguesa e da Cobetar SA) e gestor e vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa.

Ao longo da vida, foi agraciado com mais de uma dezenas de distinções de diferentes países, entre a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (Portugal), a Grã Cruz da Ordem de Honra (Grécia), a Grã Cruz da Ordem do Rio Branco e a Grã Cruz do Cruzeiro do Sul (Brasil), ou mesmo a Grã Cruz da Ordem de Mérito (da então República Federal Alemã), entre outras.

José Lello, 72 anos, estava internado no Porto e morreu esta manhã, vítima de cancro. O funeral está marcado para este sábado, às 16h30, na Igreja do Cristo Rei, no Porto. O velório decorre esta sexta-feira, a partir das 18h30.