Em dia de Orçamento de Estado, as contas do 39º Portugal Fashion fazem-se com um regresso, uma ausência e uma despedida. Luísa Beirão abriu o desfile de Diogo Miranda, Ruben Rua despediu-se das passerelles em Miguel Vieira (designer com que se tinha estreado há 10 anos), e Daniela Barros cancelou a apresentação da sua coleção por “motivos pessoais” alheios à organização. O primeiro dia de desfiles na Alfândega do Porto — depois da passagem por Lisboa e de um dia e uma manhã inteiramente dedicados à apresentação de novos criadores no Palácio dos CTT — envolveu alguma ginástica para reorganizar o calendário mas viajou até às nuvens, África e Japão. Pelo caminho ainda teve um barco de borracha no Mediterrâneo a falar da crise dos refugiados.
Coube a Estelita Mendonça trocar as voltas a uma sala ainda a meio gás, no terceiro desfile da tarde. Não apenas por ter começado pelo fim, agradecendo no início e pondo 12 modelos masculinos a andar para trás, mas porque conseguiu transformar uma coleção de primavera numa reflexão sobre a atualidade. De chapéus na cabeça, malas nas mãos e impermeáveis laranja, os seus viajantes revelaram-se afinal uma alusão aos refugiados que são atirados para trás de muros e retirados do Mediterrâneo todos os dias. Houve mesmo bocados de barcos de resgate transformados em coletes, uma t-shirt partilhada por duas pessoas, com a inscrição “brave” (corajoso) e mochilas que de repente ganharam outra carga simbólica.
Pouco antes foi a vez de Carla Pontes trazer nuvens a uma tarde de céu limpo e de sol a bater no Douro. A designer que tem marcado presença nos showrooms da semana da moda de Londres (juntamente com Daniela Barros, Susana Bettencourt e, este ano, Alexandra Moura) apresentou “Cloud” ao som de música etérea em loop. Uma coleção em tons de azul, com estampados em jacquard a recriarem o céu de forma mais ou menos abstrata, ganga muito fina e sobreposições a tornarem bonito o avesso das peças — um walking on sunshine polido, confortável e subtil.
As cores fortes ficaram por conta de Susana Bettencourt, que fez as honras de abrir a sala branca da Alfândega do Porto pintando-a com as suas malhas feitas à mão — sim, também para as estações quentes. Inspirada na estética gráfica de Verne Panton, a designer de raízes açoreanas apresentou padrões geométricos e digitais, riscas e assimetrias, casacos feitos com fitas entrançadas — usadas também em tops e acessórios — e alguns apontamentos desportivos. Um “Flashback” — como chamou à coleção — que é na verdade um encontro entre técnicas ancestrais e tecnologia.
Nos mais veteranos, coleções mais longas, por vezes com mais de 40 coordenados. A começar por Júlio Torcato, que desenhou para homem e mulher, elas de rendas transparentes, calças pata de elefante e saltos altos, eles de sandálias rasas, camisas estruturadas e outros detalhes de alfaiataria. Roupa formal ou mais desportiva em tons de branco, bege, verde-esmeralda e ganga. “Para pessoas comuns”, como resume o descritivo dado aos convidados e imprensa no início.
“Gosto de ti até ao Japão”, preferiu anunciar Anabela Baldaque, referindo-se a uma frase dita pelo filho. As influências nipónicas honraram o nome da coleção em sedas trabalhadas com motivos de flores, mas antes de mais houve tecidos finos e transparentes, rendas, folhos e muita mistura de padrões.
Mais literal, Hugo Costa trouxe os seus samurais unisexo da Semana da Moda Masculina de Paris, onde se estreou em junho deste ano com o apoio do Portugal Fashion. Mas foi mesmo Diogo Miranda que atirou a sala ao tapete com a participação surpresa de Luísa Beirão.
A modelo abriu o desfile do designer de Felgueiras com um vestido de veludo e um casaco comprido e voltou a pisar a passerelle com um bomber preto sobre os ombros, uma enorme letra “D” bordada nas costas. Normalmente inspirado pela arquitetura, Diogo Miranda virou-se desta vez para a arte e reinterpretou o famoso quadro de Picasso, “Les Demoiselles d’Avignon”. Para além dos tons castanhos e cinzentos, transportados da pintura para a moda em forma de camisas, minissaias, jardineiras e vestidos, algumas peças surgiram mesmo cobertas com vinil transparente — a sua versão de molduras. E se no quadro do mestre cubista há mulheres nuas com perspetivas sobrepostas, na primavera de Diogo Miranda há “mais pele e saias bastante mais curtas”, ou não tivesse o designer resolvido apresentar “uma mulher mais sexy”, como comentou nos bastidores.
Uma “sexyness” que se manteve até ao final da noite, com as propostas de calçado e acessórios de Luís Onofre — desta vez, e depois de um longo interregno, também com uma coleção masculina — e com a África que Miguel Vieira já tinha levado a Nova Iorque.
De pés bem assentes na Invicta, o 39º Portugal Fashion prossegue este sábado com os desfiles de Luís Buchinho e Katty Xiomara no Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, e encerra, já na Alfândega do Porto, com Carlos Gil e a marca Lion of Porches.