Álvaro Sobrinho e mais cinco familiares foram alvo de uma nova apreensão de bens no âmbito de suspeitas de alegados crimes de abuso de confiança qualificado, burla qualificada e branqueamento de capitais que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) imputa ao ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola (BESA). É a terceira vez que o Ministério Público decreta a apreensão de bens de Sobrinho, sendo que as duas primeiras foram revogadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa por falta de fundamento para os indícios criminais imputados a Sobrinho.

Aliás, e se se contar com o arresto preventivo de bens decretado em 2014 (e que também foi anulado pelos tribunais superiores), trata-se da quarta situação em que os bens do ex-líder do BESA são congelados por ordem judicial.

A nova apreensão foi determinada a 18 de outubro pela equipa liderada pelo procurador José Ranito, tendo a defesa de Sobrinho recorrido para o Tribunal Central de Instrução Criminal. De acordo com a defesa do ex-líder do BESA, o juiz Carlos Alexandre confirmou no dia 16 de novembro a apreensão do DCIAP devido a novos indícios recolhidos pelos investigadores.

“É um contínuo desrespeito pelas decisões anteriores do Tribunal da Relação de Lisboa. Obviamente, vou recorrer novamente para a Relação” do despacho de validação da apreensão assinado por Carlos Alexandre, assegura Artur Marques, advogado de Álvaro Sobrinho e da sua família, ao Observador. Artur Marques contesta que existam novos indícios.

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Está em causa a apreensão de 22 imóveis em nome de Álvaro Sobrinho e de cinco familiares que estão avaliados em cerca de 20 milhões de euros.

Novos indícios contra Sobrinho

Esta nova apreensão de bens tem um ponto em comum com as anteriores: visa recolher meios de prova da alegada prática por parte de Álvaro Sobrinho de crimes contra o património do BES, visto que os imóveis apreendidos terão sido adquiridos com fundos provenientes do BESA. Este banco de direito angolano, por seu lado, financiou-se junto da casa mãe portuguesa. No total, e à data de 2013, o BES tinha uma exposição ao BESA de cerca de 4,3 mil milhões de dólares (cerca de 4 mil milhões de euros, ao câmbio actual), segundo o DCIAP.

Isto é, os imóveis adquiridos em Portugal por Álvaro Sobrinho e a sua família terão sido adquiridos, diz a equipa do procurador José Ranito no despacho de apreensão, com fundos que terão sido desviados de forma alegadamente irregular do BESA.

É neste contexto que, tal como tinha acontecido nas restantes apreensões, o Ministério Público invoca a famosa ata da Assembleia Geral do BESA realizada em outubro de 2013, em que a administração liderada por Rui Guerra (sucessor de Sobrinho na liderança do banco) e os principais acionistas do banco (Portmil, do general Manuel Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’; Geni, do general Leopoldino Nascimento ‘Dino’; e BES, representado por Ricardo Salgado) acusaram Álvaro Sobrinho de ter concedido de forma alegadamente irregular créditos num valor total de 1,186 mil milhões de dólares (cerca de 1,120 mil milhões de euros ao câmbio atual) a empresas controladas por si ou por familiares seus. Estas operações terão ocorrido entre 2008 e 2012.

Como fundamento para a nova apreensão, a equipa do procurador José Ranito alega que conseguiu descobrir novos indícios contra Sobrinho. A saber:

  • Os três depoimentos de Rui Guerra prestados no DCIAP entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016;
  • Os dois depoimentos de João Gomes da Silva, assessor da administração e presidente da Assembleia Geral do BESA;
  • Escutas telefónicas de diversas conversas ocorridas entre Álvaro Sobrinho e o general Leopoldino Nascimento, Ricardo Salgado e Henrique Resina (atual chief compliance officer do Banco Económico, o novo nome do BESA) sobre os resultados do BESA e as necessidades de liquidez;
  • E o depoimento de Gilberto Gonçalves, alegado testa-de-ferro da família Sobrinho/Madaleno.

Os negócios das Torres Sky e outros créditos

Dos créditos concedidos de forma alegadamente irregular por parte da administração liderada por Álvaro Sobrinho, o DCIAP destaca na nova ordem de apreensão dois grupos que correspondem a diferentes negócios:

  • A aquisição de imóveis nas Torres Sky, em Luanda.

O BESA concedeu créditos de cerca de 843 milhões de dólares (cerca de 796 milhões de euros ao câmbio actual) a cinco sociedades alegadamente controladas pela família Madaleno para aquisição de imóveis naquele empreendimento construído pela empresa Escom, liderada por Hélder Bataglia — que à data dos acontecimentos era também administrador do BESA. A Escom, por seu lado, pertencia ao Grupo Espírito Santo.

De acordo com o DCIAP, existirão comprovativos de que apenas terão sido entregues 361 milhões de dólares (cerca de 341 milhões de euros ao câmbio actual) à Escom. Isto é, as cinco sociedades alegadamente controladas por Sobrinho e pela sua família (Socidesa, Vaningo, Cross Fund, Govest e Saimo) terão recebido mais 402 milhões de dólares (cerca de 379,5 milhões de euros ao câmbio atual) do BESA para adquirir imóveis nas Torres Sky mas alegadamendamente os fundos terão sido desviados para outros fins.

De acordo com os novos indícios recolhidos pelo DCIAP, entre a Socidesa, a Govest, a Vaningo e a Ocean Private (outra sociedade da família Madaleno), apenas uma tinha atividades imobiliárias. O procurador José Ranito baseia-se nos depoimentos de Gilberto Gonçalves — representante legal dessas sociedades e alegado testa-de-ferro da família Madaleno — prestados nos autos para fazer essa afirmação.

  • Novos créditos de 343 milhões de dólares

A Socidesa, a Govest, a Vaningo e a Ocean Private terão ainda recebido outros créditos do BESA no valor total de 343 milhões de dólares (cerca de 324 milhões de euros ao câmbio actual).

O que aconteceu ao dinheiro?

O DCIAP atribui assim um total de cerca de 1,186 mil milhões de dólares (cerca de 1,120 mil milhões de euros ao câmbio atual) de créditos concedidos pelo BESA à família Madaleno. E afirma que, desse valor, terão sido feitos levantamentos em numerário de cerca de 525 milhões de dólares (cerca de 495,5 milhões de euros ao câmbio atual).

Quem foram os beneficiários desses valores? Vamos por partes.

Em relação ao ‘dinheiro vivo’, o procurador José Ranito apenas identifica três alegados beneficiários:

  • Ocean Private — sociedade que tinha como procurador Gilberto Gonçalves e que terá recebido cerca de 182 milhões de dólares (cerca de 172 milhões de euros) em numerário;
  • Álvaro Sobrinho — cerca de 66 milhões de dólares (cerca de 62 milhões de euros);
  • Emanuel Madaleno (irmão de Álvaro Sobrinho) — cerca de 22 milhões de dólares (cerca de 21 milhões de euros).

Isto é, apenas são identificados os beneficiários de cerca de 270 milhões de dólares (cerca de 255 milhões de euros ao câmbio atual) — valor muito inferior aos 525 milhões de dólares que Ranito imputa genericamente à figura de levantamentos em numerário. O que poderá significar que a investigação não conseguiu identificar os beneficiários de mais de 255 milhões de dólares (cerca de 241 milhões de euros) que foram levantados em notas no BESA.

Quanto às transferências bancárias internacionais, o DCIAP afirma que as sociedades Socidesa, Vaningo, Cross Fund, Govest e Saimo terão transferido cerca de 283 milhões de dólares (cerca de 267 milhões de euros ao câmbio atual) para contas de bancos suíços alegadamente abertas em nome do próprio Sobrinho e de outras sociedades controladas pela família Madaleno.

O DCIAP considera que todos estes valores alegadamente cedidos pelo BESA a Sobrinho e à sua família tiveram a mesma origem: os créditos concedidos pelo BES ao BESA em mercado monetário interbancário no valor total de 4,3 mil milhões de dólares (cerca de 4 mil milhões de euros, ao câmbio atual). Daí a investigação do DCIAP pelas suspeitas dos crimes de abuso de confiança qualificado, burla qualificada e branqueamento de capitais, visto que o banco português detinha a maioria do capital do BESA e terá sido prejudicado pelo facto de aqueles valores não terem sido repostos pela sua filial angolana.

Créditos a elite angolana em segredo

Tal como o procurador José Ranito enfatiza no seu despacho de apreensão, os fluxos monetários de que Álvaro Sobrinho e a sua família terão beneficiado corresponde a uma parte do crédito que terá sido concedido de forma alegadamente irregular pela administração do BESA liderada pelo próprio Sobrinho.

De um total de 5,7 mil milhões de dólares (cerca de 5,4 mil milhões de euros ao câmbio atual), continua por esclarecer a identidade dos beneficiários de grande parte desse valor — que, segundo os indícios recolhidos pelo DCIAP, serão membros da elite política da República de Angola. Os seus nomes, contudo, foram escondidos das autoridades portuguesas por determinação da administração liderada por Rui Guerra. Seguindo alegadas ordens do Banco Nacional de Angola, os nomes estão rasurados na ata da famosa Assembleia Geral de outubro de 2013 enviada para Portugal. Tudo em nome da soberania da República de Angola.

Recorde-se que além dos accionistas do BESA (generais ‘Kopelipa’ e ‘Dino’) serem titulares de altos cargos políticos em Angola e figuras muito próximas do presidente José Eduardo dos Santos, o presidente do conselho de administração do banco era, na altura da Assembleia Geral de Outubro de 2013, o ex-primeiro-ministro Paulo Kassoma (igualmente acionista do banco).