Aconteceu no Parlamento e não num jantar de Natal de uma qualquer empresa. Assunção Cristas e António Costas trocaram presentes esta quinta-feira no último debate quinzenal antes do Natal e do fim do ano — e não foram presentes envenenados. Quer dizer, mais ou menos. A meio da sua intervenção no plenário, a líder do CDS entregou ao primeiro-ministro uma caixa verde, com um grande laço vermelho, e três presentes lá dentro: um par de óculos, um soro da verdade e um pacote com as propostas que o CDS apresentou ao longo do ano. Costa agradeceu a “generosidade”, mas lamentou não ter ido preparado para a sessão natalícia. Se se tivesse lembrado também não deixaria a líder centrista sem presente no sapatinho… dava-lhe nada mais nada menos do que “um retrovisor”.
Mas tal como todas as prendas de “amigo secreto”, também estas têm uma história. Porquê os óculos? “Porque o senhor primeiro-ministro às vezes vê as coisas desfocadas e tudo muito cor de rosa”. E porquê o soro da verdade? “Para avaliar bem as políticas do anterior governo e não ter a tentação de fechar relatórios nas gavetas”. E as propostas? Essa é fácil: para ter presente as propostas apresentadas pelo CDS nas várias áreas, a maioria entretanto chumbadas, e para ter um pouco de “política positiva”, segundo explicou Cristas.
António Costa não se fez de esquisito e agradeceu de bom grado os presentes da “Mãe Natal”. “Sempre achei que daria uma excelente Mãe Natal, e não me enganei”, começou por dizer, para a seguir lamentar não ter ido para o debate quinzenal preparado para retribuir a “generosidade”. Se tivesse tido a mesma ideia que Cristas, até já sabia o que teria levado: um espelho retrovisor. Para quê? “Para ver bem o seu passado”. “Se confrontasse o seu passado com o OE 2017 veria que neste Orçamento depois de quatro anos em que paralisaram o investimento nas escolas, saúde e todos os serviços, nós não só aumentamos o investimento em 22% como o direcionamos para onde deve ser, como é o caso das obras em 200 escolas que vamos avançar”, explicou.
Foi pena, mas não faz mal. Até ao Dia de Reis ainda é Natal e até ao Dia de Reis Assunção Cristas terá o presente no sapatinho. Promessa de primeiro-ministro.
Mas imbuído do espírito natalício, e como a troca de prendas aconteceu em pleno plenário do Parlamento com as demais bancadas parlamentares a assistir, António Costa quis que o PSD de Pedro Passos Coelho participasse na brincadeira. E fez a sua tentativa, dizendo esperar que da próxima vez venha também alguma “gracinha de Pai Natal” do líder parlamentar social-democrata Luís Montenegro para “competir” com a presidente do CDS. Mas o PSD, com Passos Coelho na fila da frente da bancada, não gostou. Viria a ser o deputado social-democrata e vice-presidente do partido Marco António Costa a pôr ordem na casa, rejeitando liminarmente as “gracinhas” do primeiro-ministro:
“Aquilo que queríamos recomendar ao sr. primeiro-ministro era que utilizasse o tempo que tem para responder às perguntas que esta bancada lhe coloca”, disse, criticando que o líder do executivo usasse do tempo de resposta à bancada do CDS para fazer “gracinhas” com sugestões sobre quem do PSD devia fazer de Pai Natal.
Esquerda ataca Costa por redução da TSU nas empresas. Costa admite aumento do salário mínimo mesmo sem acordo na concertação social
À parte da troca de presentes, foi a atualização do salário mínimo nacional que dominou o último debate quinzenal do ano. É que enquanto decorria o debate no Parlamento decorria também a reunião da concertação social e os partidos da esquerda parlamentar não pouparam críticas à proposta que está em cima da mesa e que passa pelo desconto de um ponto na TSU para as empresas que pagam o salário mínimo.
Catarina Martins criticou o “desconto feito aos patrões”, enquanto Jerónimo de Sousa disse que isso “significa pôr o Estado [ou seja os contribuintes] e não as empresas a pagar parte do aumento do salário mínimo”. Foi também o líder do PCP que lembrou a António Costa que “quem decide sobre a atualização do salário mínimo é o Governo”, sendo que “nenhum acordo de concertação se substitui ao poder do Governo”. Ou seja, é o Governo que decide, independentemente do que os patrões possam ou não querer.
E foi isso mesmo que António Costa acabou por admitir: que se não houver acordo na concertação social, quem decide é o Governo. “Desejamos fazê-lo com acordo da concertação social, mas não dependemos dele para o fazer”. Já no final do debate, em declarações aos jornalistas, Costa voltaria a reforçar a mesma ideia, sem explicar contudo se a moeda de troca para os patrões (de reduzir um ponto a Taxa Social Única para as empresas) é para manter ou não.
O debate aqueceu quando Heloísa Apolónia lembrou o primeiro-ministro que se a proposta de redução da TSU para as empresas avançar, estará a “violar a posição conjunta” que o PS assinou com os Verdes no início da legislatura. É que no documento, assim como no documento assinado com o BE, lê-se que “Não constará do Programa de Governo qualquer redução da TSU das entidades empregadoras”. António Costa, contudo, viria depois a rejeitar qualquer violação do acordo, dizendo que “o que está no programa do Governo é que iríamos propor à concertação social uma trajetória anual de convergência no salário mínimo”. E que é isso que está a ser feito. Para já, a proposta reside no aumento do salário mínimo para os 557 euros já em janeiro, com vista a um aumento até aos 600 euros até ao final da legislatura.
Lesados do BES. PSD encosta à parede, Costa diz que risco de serem contribuintes a pagar é “diminuto”
Era o tema que se previa mais quente, na medida em que desde que anunciou na segunda-feira a solução para o problema dos lesados do BES, Costa ainda não tinha detalhado qualquer explicação. Passos Coelho já o tinha exigido, esta manhã, em declarações aos jornalistas à margem do encontro da diáspora, mas foi o líder parlamentar Luís Montenegro que o fez no Parlamento, encostando o primeiro-ministro à parede com perguntas concretas: são ou não os contribuintes que vão pagar a solução para os lesados do Grupo Espírito Santo?
Na explicação, agora mais detalhada, Costa reconheceu que “dificilmente” o Estado será chamado a pagar, mas, no entanto, o cenário não é rejeitado em absoluto, com o primeiro-ministro a assumir haver um “risco diminuto” de a despesa ser vir a ser “suportada pelos cofres públicos”. De acordo com o primeiro-ministro, a solução prevê “um veículo que não será de natureza pública, mas privada, que não será financiado pelo Estado”. O Estado, garantiu Costa, “só intervirá como garante” e “a probabilidade de ser acionada a garantia tem risco diminuto”.
No entender de Costa, aliás, “nunca seriam os cofres públicos a pagar, porque recairia sobre o fundo de resolução” da banca.
Do lado do PSD, só Luís Montenegro falou, insistindo não só no tema dos lesados do BES como também no investimento público, que no entender dos partidos da direita é uma das maiores falhas da governação de António Costa. Criticando o “descaramento” de António Costa ao dizer que o anterior Governo PSD/CDS “diabolizou o investimento público”, quando “o atual Governo socialista foi o que mais baixou o investimento nos últimos 65 anos”, Montenegro lembrou “as escolas que estão a fechar” e os problemas ao nível da saúde e dos transportes públicos, para rematar com uma pergunta: “vai conseguir baixar o défice para 2,5%, mas à custa de quê?”