O embaixador do Iraque chegou a um acordo extrajudicial com a família de Rúben Cavaco, o jovem que foi espancado pelos filhos do diplomata em Ponte de Sor no verão. Apesar do acordo, por tratar-se de um crime público, o processo judicial contra os dois jovens suspeito de tentativa de homicídio prossegue. Como, aliás, já foi confirmado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

“O Ministério Público não se pronuncia sobre acordos extrajudiciais. O inquérito corre os seus termos, estando em curso a apreciação da documentação recebida do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a 6 de janeiro”, explica a PGR à Lusa.

Dina Fouto, advogada que representa os filhos do embaixador Sadd Mohammed Ali, fala num “acordo de vontades”. Ao Observador, refere que faltam as assinaturas, que serão tratadas “nos próximos dias”, para formalizar definitivamente esse acordo — as assinaturas da mãe de Rúben Cavaco e as do próprio embaixador iraquiano em Portugal, que assume essa responsabilidade em representação dos filhos menores.

A advogada não esclarece os termos do acordo. Refere apenas que há “várias condicionantes” decididas entre a família de Rúben e a do embaixador iraquiano e sublinha que, para chegar a um entendimento, houve “um pouco de cedências” de ambas as partes. Em causa, no acordo estabelecido entre o embaixador e a família de Rúben Cavaco, estará a garantia, dada por parte dos filhos do embaixador, de que não apresentariam no futuro qualquer queixa contra o jovem de Ponte de Sor, que também agrediu os jovens na noite do confronto entre as duas partes, no verão no ano passado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar de nenhuma da partes aceitar revelar o valor monetário do acordo, ao Observador, fonte do processo aponta para uma quantia superior a 30 mil euros. Recorde-se que, o embaixador iraquiano já tinha avançado com o pagamento de cerca de 12 mil euros por custas hospitalares decorrentes dos cuidados médicos que Rúben Cavaco precisou de receber devido às agressões de que foi vítima e que deixaram o jovem em coma.

Para a família do jovem português, o assunto está resolvido. “Há acordo para o pagamento da indemnização e a família do Rúben considera-se integralmente reparada”, refere ao Observador o advogado Santana-Maia Leonardo. O representante do jovem de Ponte de Sor sublinha que o embaixador fez o que “o que poucos pais portugueses fariam”.

Não queremos que as pessoas sejam presas“, acrescenta o advogado, dizendo que “o importante” é que “quem fez o mal pagou e que não é o Estado a pagar”.

Filhos do embaixador ainda podem ser processados

No entanto, o processo não acaba por aqui. Dina Couto lembra que “a prossecução” do inquérito judicial “está dependente do levantamento da imunidade” dos dois jovens e, a esse respeito, não há quaisquer novidades por parte das autoridades iraquianas, que na semana passada voltaram a não dar uma resposta satisfatória ao Governo português. Pelo contrário, pediram, pela segunda vez, esclarecimentos adicionais sobre o caso.

De mãos atadas, por não poder constituir arguidos os dois jovens, o Ministério Público pode optar por remeter o processo à justiça iraquiana, para que o inquérito possa avançar naquele país. Ao mesmo tempo, há um “processo político” em curso, em que o Governo, reunido em Conselho de Ministros, e por sugestão ministro dos Negócios Estrangeiros, pode optar por considerar os jovens personna non grata, expulsando-os do país e abrindo um conflito diplomático entre os dois países.

Dina Fouto considera que qualquer uma dessas decisões “poderá ter influência, [mas] não é determinante” para a concretização do acordo. “Não é essa decisão [dos tribunais ou do Governo] que vai ter efeito sobre as partes”, refere.

MNE confirma que processo prossegue a “nível penal”

O ministro dos Negócios Estrangeiros reagiu também esta sexta-feira para confirmar que “o processo penal segue o seu curso” nas mãos do Ministério Público. Augusto Santos Silva afirmou, em declarações à Lusa, que “o Governo constata o entendimento extrajudicial a que as partes chegaram. É um passo para a reparação devida à vítima e à família.”

Segundo o chefe da diplomacia portuguesa, o Governo vai deliberar sobre este caso, naquilo que diz respeito à Convenção de Viena, ou seja, ao levantamento da imunidade diplomática dos dois filhos do embaixador do Iraque em Lisboa, alegadamente autores das agressões ao jovem Ruben Cavaco, no verão passado, em Ponte de Sor. “Esta base de entendimento é um elemento adicional que o Governo considerará, como um entre vários elementos de que disporá, quando tiver que deliberar”, explicou o ministro.

Os dois gémeos de 17 anos terão agredido o jovem português a 17 de agosto. Rúben Cavaco sofreu múltiplas fraturas e chegou a estar em coma induzido. Apenas em setembro teve alta. Apesar do acordo, o processo vai continuar, uma vez que se trata de um crime público.

Desde a altura da agressão que as autoridades portuguesas têm estado num braço-de-ferro com as autoridades iraquianas na tentativa de levantamento da imunidade diplomática.