“O Porto talvez pudesse existir sem o Majestic. Mas não era a mesma coisa.” Foi com esta ideia que Manuel Pizarro terminou a iniciativa “Proteger os Cafés e as Lojas Históricas do Porto”, que convidou a cidade a debater, esta segunda-feira, no Hotel Aliados, o projeto de alteração à lei do arrendamento que o PS quer passar na Assembleia da República até junho. Deputados socialistas, Câmara do Porto, associações de comerciantes, proprietários e inquilinos concordam que é necessário mudar a lei o mais brevemente possível, para que negócios centenários e icónicos não continuem a sucumbir aos aumentos das rendas e à pressão imobiliária causada pelo turismo. É o “como” que tem gerado debate.

A principal fonte de discórdia do Projeto de Lei é a alínea em que o PS defende uma prorrogação para 10 anos, em vez dos cinco atuais, do regime transitório para as lojas, estabelecimentos e entidades sem fins lucrativos que forem classificadas como património histórico e cultural. Se a alteração passar no Parlamento, esses estabelecimentos passam a estar protegidos contra despejos e o aumento das rendas também é limitado. Pedro Delgado Alves, um dos deputados responsáveis pelo projeto de lei, reforçou a necessidade de prolongar o regime transitório dada a urgência de proteger estes estabelecimentos. Mas lembrou que o trabalho não deve ficar por ali. “A médio/longo prazo, há que mobilizar elementos no plano fiscal e até criar um direito de preferência”, exemplificou.

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, discorda que o ónus do serviço público recaia nos proprietários. “Não queremos que o senhorio fique inibido de subir a renda”, afirmou, lembrando que essa prorrogação pode levar a que os proprietários, alguns do quais já fizeram obras de reabilitação a contar com o aumento das rendas, pressionem depois os inquilinos a mudarem o cariz do negócio, para que o espaço deixe de cumprir os critérios que fazem dela uma loja histórica. “Eu gostaria de uma medida que protegesse o proprietário e incentivasse o inquilino a manter a sua atividade tradicional”, alertou, apoiado pelo presidente da Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo.

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O Café Guarany abriu em 1933. No ano passado, admitiu que poderia fechar as portas devido ao aumento das rendas. © João Manuel Ribeiro/Global Imagens

Outra das principais discussões, não só no Governo central mas também nos municípios, é a definição dos critérios que vão ordenar se determinado estabelecimento ou entidade deve ser classificado e, assim, beneficiar de proteção. Caso não seja alterado, o projeto de lei determina que a classificação deve ser feita segundo um regulamento municipal definido pelas autarquias, que deverá ser depois aprovado pela Assembleia Municipal, “após emissão de parecer da Direção-Geral do Património Cultural.

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É nessa fase que se encontra a Câmara de Lisboa, que já definiu o regulamento “Lojas com História”. A discussão na Assembleia Municipal acontecerá em breve. No Porto, o regulamento chama-se “Porto de Tradição” e há um grupo de trabalho que vai definir quais as lojas que serão classificadas, explicou ao Observador Manuel Aranha, vereador do Turismo e do Comércio. Os critérios só deverão ser divulgados quando a proposta de lei for aprovada, algo que o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, outro dos subscritores do projeto de lei, e que moderou a discussão desta segunda-feira, estima que aconteça “no primeiro semestre deste ano“.

Uma vez divulgada a lista oficial de estabelecimentos e associações essenciais para a história e a cultura do Porto, Manuel Aranha sublinhou que “haverá espaço para que outros lojistas possam candidatar-se, caso considerem que cumprem os critérios”. Rui Fernandes, geógrafo da Universidade do Porto, usou da palavra para pedir que “se seja parcimonioso no número de estabelecimentos” a classificar. No entanto, Manuel Aranha defendeu ao Observador que não deve haver um limite, uma vez que seria “injusto” deixar de fora espaços que cumprem os critérios.

Para retirar a responsabilidade aos proprietários, Rui Moreira afirmou que devem ser os municípios a assumir o ónus do interesse público. E sugeriu a criação de uma taxa turística no Porto como um dos “instrumentos que o município pode utilizar para amenizar esta questão entre inquilinos e proprietários”. Lisboa começou a aplicar a taxa turística a 1 de janeiro de 2016 sobre as dormidas de turistas nacionais e estrangeiros nas unidades hoteleiras e de alojamento local, a um euro por noite até ao máximo de sete euros por viagem. De acordo com a Agência Lusa, a taxa rendeu 11,2 milhões de euros em 10 meses, e parte desse valor será utilizado no projeto “Lojas com História”. No entanto, Rui Moreira adiou a discussão sobre a criação de uma taxa semelhante no Porto para as próximas eleições autárquicas.

Rui Moreira sugeriu também que outro dos incentivos aos proprietários poderia passar por dar benefícios fiscais como a isenção do IMI para os senhorios que aceitem manter um estabelecimento classificado no seu edifício. A sugestão mais polémica é a expropriação, caso o proprietário não queira albergar a loja ou entidade classificada, “desde que salvaguardado o justo valor, para o Município e para o proprietário”, explicou.

“Pode haver um momento em que é interesse público e até privado. Quando o senhorio diz que não tem condições ou interesse para manter, é razoável que seja o Estado, através das Câmaras, a adquirir. Poderíamos criar aqui um fundo de compensação para aquisição desse equipamento, a justo valor, desde que se mantivesse o negócio ativo.” Rui Moreira.

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A discussão pública foi promovida pelo PS Porto. © Filipa Brito / Câmara Municipal do Porto

De acordo parecem estar todas as entidades no que toca a manter abertos negócios que não dão lucro. “Não vamos apoiar para que se mantenham abertas se não tiverem viabilidade financeira“, clarificou ao Observador Manuel Aranha. Rui Fernandes, assim como Nuno Camilo, da Associação dos Comerciantes do Porto, concordaram. “Não podemos estar a financiar lojas, criando concorrência desleal, e a criar especulação imobiliária porque há menos espaços disponíveis. Defendemos que devemos acautelar o superior interesse da viabilidade do negócio”, disse Nuno Camilo.

A advogada Helena Barrias pediu a palavra para lembrar que há inquilinos que “reabilitaram, apostaram e dinamizam” e que foram esquecidos desta proposta de lei. “De repente, aparece uma lei que muda as regras do jogo. Neste projeto não vejo proteção ao inquilino que investe.” Uma funcionária do setor da restauração sugeriu também que uma loja que não cumpra os direitos dos trabalhadores nem de condições de higiene e segurança não possa ser classificada.

O novo regime de arrendamento urbano foi aprovado pelo Governo PSD/CDS. Alguns negócios sucumbiram ao aumento das rendas, o que, aliados á crise financeira, ditaram o encerramento de negócios que fazem parte da identidade das cidades. No Porto, por exemplo, a Casa Forte fechou as portas em 2013. A Casa Oriental, fundada em 1910, podia ter tido o mesmo destino. Mas foi comprada e reabriu a 19 de março de 2016, após obras e uma nova decoração, que lhe trouxe também produtos e preços mais turísticos. No ano passado, cafés históricos como o Guarany e o Ceuta alertaram para o risco real de fecharem as portas.

Manuel Pizarro, vereador do município e presidente da Federação Distrital do Porto, falou apenas no final. Para elogiar o debate epara defender que deve ser dada aos municípios liberdade na resolução de um problema que difere de cidade para cidade.