Era uma notícia esperada mas que surpreende pela rapidez. Onze dias depois do acidente de aviação que vitimizou o juiz que estava a analisar as delações premiadas de 77 gestores do Grupo Odebrecht no âmbito do processo Lava Jato, Carmen Lúcia, juíza conselheira e presidente do Supremo Tribunal Federal, concluiu o trabalho do seu colega Teori Zavascki e homologou os acordos efetuados pelo Ministério Público Federal.

Isto significa que todas as denúncias de corrupção feitas pelos gestores da construtora Odebrecht podem vir a dar lugar a novas investigações contra um número ainda indeterminado de políticos dos principais partidos brasileiros. Do pouco que se sabe sobre as delações premiadas dos gestores da Odebrecht, já que as mesmas continuam em segredo de justiça, estarão em causa as seguinte figuras:

  • o atual presidente Michel Temer (PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro);
  • diversos ministros do seu governo como José Serra (ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-líder do PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira);
  • Geraldo Alckmin (PSDB e governador do Estado de São Paulo);
  • Renan Calheiros (PMDB, ex-ministro da Justiça e atual presidente do Senado Federal do Brasil que será substituído em breve);
  • Eunício Oliveira (PMDB e provável candidato a substituir Calheiros) ;
  • e novas suspeitas contra Lula da Silva, ex-presidente da República e ex-líder do Partido dos Trabalhadores (PT) que já foi alvo de uma acusação por corrupção e branqueamento de capitais no processo Lava Jato.

Na prática, estas em causa algumas das principais figuras dos três principais partidos da democracia brasileira: PT, PSDB e PMDB.

Daí que a delação premiada dos 77 gestores da Odebrecht possa vir a ser a mais importante investigação da Operação Lava Jato, já que está em jogo o coração do próprio regime democrático brasileiro.

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Brazil's construction giant Odebrecht president Marcelo Odebrecht gestures during a hearing of the parliamentary committee of the Petrobras investigation in the Federal Justice court, in Curitiba on September 1st, 2015. Odebrecht is accused of corruption, money laundering and criminal association within the framework of the Lava Jato operation. AFP PHOTO / HEULER ANDREY (Photo credit should read Heuler Andrey/AFP/Getty Images)

Marcelo Odebrecht, presidente do Grupo Odebrecht, foi preso preventivamente a 19 de junho de 2015 e condenado a 10 anos de prisão. Marcelo é um dos 77 gestores da construtora que fez acordo de delação premiada com a Justiça. (Heuler Andrey/AFP/Getty Images)

Todos estes nomes têm sido apontados na comunicação social como estando ligados ao esquema de corrupção que permitiu às principais construtoras brasileiras, como a Odebrecht, ganhar obras adjudicadas pela petrolífera estatal Petrobral. Todos eles negaram em declarações aos órgãos de comunicação social qualquer irregularidade.

De acordo com um fuga de informação que terminou nos media brasileiros no início de dezembro, Cláudio Melo Filho (ex-diretor de Relações Internacionais da Odebrecht), terá afirmado ao Ministério Público Federal que a construtora terá pago ‘luvas’ de cerca de 88 milhões de reais (cerca de 26,3 milhões de euros) a um conjunto de políticos para obter decisões favoráveis para a empresa. Alegadamente, o PMDB, partido de Michel Temer, terá sido o principal beneficiado nesses pagamentos que terão ocorrido entre 2006 e 2014.

As investigações contra membros do Governo, do Congresso ou do Senado decorrerão no Supremo Tribunal Federal. Isto porque a lei brasileira impõe foro privilegiado para esses titulares de cargos políticos. Isto é, só podem ser investigados, acusados e julgados pela cúpula do sistema judicial brasileiro e não pelos tribunais de primeira instância.

Números da Operação Lava Jato

A Operação Lava Jato iniciou-se no Estado do Paraná em 2014 e desde então tem concentrado a atenção da imprensa brasileira. Os acordos de delação premiada, que permitem que o Ministério Público Federal possa negociar penas com os arguidos a troco de informações documentais e testemunhais, têm sido essenciais para a rapidez das acusações e condenações.

Num comunicado emitido pelo Ministério Público Federal do Paraná no final de 2016, foi feito um balanço que demonstra a importância desta investigação e onde os acordos de delação premiada têm um importância fundamental:

  • Em quase 3 anos, foram fechados 71 acordos de colaboração premiada;
  • Foram concluídas 56 acusações contra 259 pessoas;
  • Até dezembro de 2016, foram decretadas 120 condenações;
  • Somadas as penas, as mesmas contabilizam 1.267 anos, 2 meses e 1 dia;
  • Os crimes revelados relacionam-se com subornos pagos a responsáveis da Petrobras e a responsáveis políticos que chegam aos 6,4 mil milhões de reais (cerca de 1,9 mil milhões de euros), tendo provocado um prejuízo que terá ultrapassado cerca de 40 biliões de reais (cerca de 12 mil milhões de euros).
  • Desse montante, já foram recuperados cerca de 10,1 mil milhões de reais (cerca de 3 mil milhões de euros) por parte do Ministério Público Federal através dos acordos de delação premiada estabelecidos com os arguidos.

Odebrecht já aceitou pagar mais de 2 mil milhões de euros de multas

A construtora Odebrecht, por exemplo, poderá ter de pagar cerca de 500 milhões de reais (cerca de 150 milhões de euros) de indemnização ao Ministério Público Federal pelas delações premiadas dos seus 77 gestores. As indemnizações derivam do fato de a empresa e os seus gestores, entre os quais o presidente Marcelo Odebrecht, reconhecerem que a empresa terá aderido e implementado um esquema de corrupção para ganhar obras públicas da Petrobras.

Além desse valor, que não entram nas contas do Ministério Público Federal apuradas no final de 2016, a Odebrecht já terá fechado acordos globais com as autoridades judiciárias dos Estados Unidos e Suíça para pagar mais 6,8 biliões de reais (cerca de 2 mil milhões de euros) por práticas idênticas.